segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Você.

Você é toda a circunstancia, e não o sabe.
Você é todo o acaso que por ventura há de acontecer, e não o sabe.
Você é o que ainda não foi, o ocaso.
E essa certeza o impediria de ser enquanto se é o incerto?
O certo é que deixaremos de ser...
Ser o que?
Justamente!
E o que garante que deixaremos de ser, se ainda não o somos?
E enquanto isso brindamos, choramos, nos orgulhamos e nos decepcionamos.
E quem sabe, entre um e outro vivamos enfim.
O "pra que" circunscrito de vontades.. efemeras em suas solicitudes,
Banais na medida em que se queira,
Infieis na medida em que desapontam.
Voce é sim toda a circunstancia, e não sabe.
E talvez por não saber você enfim se esquece de si
E transmita a outrem apenas aquele ser oco
Igual, irrefletivel, passageiro.
E ainda assim consegue alimentar pequenas angustias,
hipotecas, contas, filhos, doenças, vícios...
ritos que insistem em chamar de vitais e necessários...
A quem? Para quem?
Sim... voce é toda a circunstancia...
Sim... voce é todo o acaso que por ventura há de acontecer...
E não o sabe...
Assim, serás o ocaso antes mesmo de o sê-lo.
O membro fantasma que voce sente mas sabe que ali não esta...
E com isso perderá a oportunidade que talvez pertença somente aos bravos.
Ou... a você.



Felipe Ribeiro

domingo, 28 de setembro de 2008

Sobre as escolhas...

"Então o mundo é feito de bandidos e mocinhos", disse uma amiga minha
Segundo ela é muito mais emocionante ser o bandido
O bandido sempre come a gostosa,
rouba bancos,
e dá vida à normalidade...
E ainda ela arremata dizendo que eu seria um charme se escolhesse ser bandido.
Não sei o que ela quis dizer, ou melhor, tenho a leve impressão de que sei sim
mas enfim...
Que tipo de bandido um cara como eu seria?
Não ligo muito em comer a gostosona e roubar um banco.
Estaria mais preocupado em garantir minhas cervejas por mais uma semana
E, quem sabe, um amor artificial de 20 minutos.
Não sei o que essa minha amiga é..
Se bandida ou mocinha...
Sinceramente...
Prefiro-a sem roupa do que ficar me preocupando com sua moral
mas enfim...
A vida é realmente sem graça se não fizermos uma escolha
Qualquer escolha... seja ela decente ou indecente
"Ou se é bandido ou mocinho, meio termo que só faz figuração é muito sem graça"
Foi o que ela me disse...
E foi realmente o que eu não aprendi.


Felipe Ribeiro

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Certamente, nunca mais.

A primeira coisa que eu sinto ao acordar...
São meus pés pisando no chão frio...
O arrepio triste que me corre a espinha...
O gosto podre do vinho da madrugada...
Há alguma esperança nisso tudo?
Ou isso tudo não passa de uma brincadeira?
Olho para o lado e vejo aquele corpo nu...
Virado, numa posição fetal...
Todo suado, tremulo...
Timido...
Deram um nome para aquele corpo feminino...
Sim, deram...
A questão é.. qual foi o primeiro nome que deram para ela?
E... qual é o que ela gosta de ser chamada?
Me esforço para lembrar do nome... Ah, dexa pra lá.
Calço meus chinelos velhos...
Preparo um café amargo...
Há alguma esperança nisso tudo?
Ou isso tudo não passa de uma brincadeira?
Ela aparece na porta da cozinha...
Vestida, colocando seus sapatos aos pulos...
Peço para ela esperar o café...
Ela diz que só quer acertar para ir embora...
Dou-lhe o dinheiro, ela agradece...
Me beija a face e desaparece...
Um vento frio sopra minhas costas...
O vidro quebrado da janela deixa escapar o sopro...
E eu...
Um suspiro...



Felipe Ribeiro

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Imaculada

A maldição dela se resumia a uma beleza estonteante
Que deixava a maioria dos homens plenamente cegos
E tudo o que ela queria era ser enxergada...
Isso resumia toda a sua aflição...
Saber que é, mas não poder mostrar
Sem que antes passe por um crivo animalesco
Do descompasso das paixões instintivas
Dos amores da carne
Dos vermes sedentos pelo suor e pelo gozo
Da firula do belo e do razo.
Ela exalava o cheiro da beleza
O cheiro digno de qualquer mulher
Aquele cheiro suave e forte
Que fica no ar onde quer que ela passe
E tudo o que ela queria era que alguém sentisse o que o cheiro trazia
E não apenas cheirar e se deliciar
Mas antes queria que ouvissem seu apelo
Seu suplicio era gritar e não ser ouvida.
A beleza a fez invisivel de certa maneira
E por mais que ela pudesse ter tudo o que queria
Sempre se deparava com a insatisfação e solidão
De não ser tocada verdadeiramente.
Apesar de sua carne já o ser descortinada
Sua alma ainda o era virgem
De toda a razão.


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Constante e retilinio

Eu e meu empreguinho vagabundo... Tendo que sorrir com dores no fígado e uma puta artrite nas duas pernas... Servindo com carinho e atenção todos aqueles barrigudos nojentos e suados que almejavam uma refeição decente. Me gritaram e pediram para ir atender uma familia que acabara de chegar. Dei de ombros e fui. Para a minha surpresa era uma velha amiga minha... Estava bonita, corada e carregada de filhos. Seu marido eu nem notei, mas deveria ser bom de grana pra sustentar tres filhos e uma mulher futil.
-Boa noite... - entreguei os cardápios. Não me responderam, apenas um dos meninos, o que não parava quieto ficou repetindo com uma careta exagerada "boa noite, boa noite".
- Traga para mim uma cerveja. - Disse o patriarca.
- Traga para mim um suco de laranja com hortelã, Gabriel o que voce vai querer?- Perguntou a matriarca amiga minha que naquela altura nem havia reparado ainda em mim.
- Quero uma coca! - Disse o menino
- Joana, o que voce vai querer? - Perguntou a matriarca amiga minha que nem havia reparado no seu velho amigo que um dia lhe fodeu numa madrugada bebado.
- Quero um suco de morango com leite! - Disse a menina toda feliz e orgulhosa de seu péssimo gosto, se lichando para minha artrite e minha tristeza que crescia espontaneamente.
- E para o menino pode trazer uma guarana. - Disse a matriarca amiga minha de anos. Agora entendi o porque de o menino não parar quieto.. Guaraná!
- Mais alguma coisa? - Perguntei.
- Não só isso mesmo... - Disse a matriarca amiga minha me entregando o cardapio. Me olhou e parou subitamente.
- Felipe?!
- Oi, como vai?
- Felipe! Quanto tempo!
- É pois é...
- Como voce esta?
- Te servindo.. Tire suas conclusões.
- Voce esta... esta diferente!
- É.. voce também.
- Voce não tinha se formado?
- É.. e voce?
- Me formei e me casei, esse aqui é o Rafael, meu marido.
- É, to vendo, tudo bom?
- Sim, tudo.. Faz um favor pra mim, troca esse copo que esta sujo.
- Sim senhor.
- Tchau Felipe, bom serviço pra voce.
- Tchau.
Enfim, voltei e limpei o copo com minha saliva. Vendo aquela cena familiar me fez pensar seriamente em ligar pra casa da minha ex-mulher e perguntar sobre minha filhinha de oito anos. Acabado o expediente da noite voltei para minha casa que ficava num bairro de suburbio, nos fundos de uma casa pertencente a uma gorda velha e fumante. Abro a caixa de correios e nada, nem mesmo uma conta pra pagar. Entro em casa, abro uma janela pra disfarçar o mofo, vou até a geladeira e tiro um vinho gelado e meio vagabundo. Bebo no gargalo enquanto tiro meus sapatos e deito preguiçosamente na poltrona rasgada e velha do canto da sala que divide espaço com minha cama, fazendo uma parede imaginaria em um comodo que deveria ser dividio em sala e quarto. Pego o telefone e ligo para minha ex-mulher. Minha ex-sogra atende e diz que ela viajou com minha filha e um outro babaca que se diz padastro da minha filha. Desligo o telefone e acabo de beber o vinho, pensando em me demitir ou, quem sabe, me matar... A vida continua, de alguma forma, continua...



Felipe Ribeiro

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Da efemeridade de um brilho.

Ha alguns dias atrás me aconteceu algo no minimo interessante. Andando sem rumo por uma avenida eis que me deparo com uma placa onde se podia ler as seguintes palavras: Toque o interfone. Dei de ombros e toquei o dito interfone. Uma voz feminina saiu da caixinha e me perguntou quem eu era. Pensei que ela estava se referindo ao meu nome, então disse: Felipe. O portão se abriu, entrei no estabelecimento que não tinha a minima ideia do que era. Uma mulher estava sentada folgadamente numa cadeira, apoiando os cotovelos numa mesa enquanto lia uma revista de fofocas. Me observou com os olhos acima dos óculos que estavam pendurados na ponta do seu nariz e me disse pra sentar e esperar que logo iriam me chamar. Não havia ninguém por ali, então me sentei e fiquei aguardando que me chamassem. Pra que, eu não sei. Passou-se alguns minutos e enfim gritaram meu nome. Entrei num corredor até uma porta aos fundos. Um senhor suado com camisa azul clara, esforçando-se para parecer competente naquilo que fazia, me pediu para sentar.
- Então, o que voce faz Felipe? - Me perguntou.
- Faço idiotices
- Idiotices?
- Sim senhor.
- Bom, o que alguém que faz idiotices faz de fato?
- Tudo que lhe mandarem fazer. Mas a diferença, é que o idiota faz com esperança.
- Entendo... E o que o senhor espera?
- De quem?
- Desta firma!
- Ah... Bom, muita coisa.
- Porque?
- Bom, não sei. Só sei que qualquer coisa é melhor que nada, certo?
- Não contratamos qualquer um, tem que haver o compromisso sério do trabalho e...
- Mas, não sou qualquer um. Eu sou ninguém!
- Qual a diferença?
- A diferença é que com o ninguém pode-se fazer de tudo. Mas, claro, não espere nada também.
- Bom, o senhor deixou curriculo com a secretária, certo?
- É, certo...
- Entraremos em contato.
- É, tudo bem.

O fato é que de fato sempre esperamos demais. Faça o teste e espere. Algo surge dentro de voce, alguma expectativa alimentada pelo desespero de querer mudar de qualquer maneira, mesmo que para tanto voce venda a sua alma. O tédio nos proporciona as maiores e melhores humilhações. Humilhações do tipo ser educado com um cara que tenta se passar por alguém mais mais qualquer coisa do que voce, a ponto de te ameaçar covardemente (sic) com o risco de voce não conseguir a vaga na sua firma. As pessoas podem chegar a esse cúmulo contratual, brincando com a necessidade alheia para garantir a sua própria conquista de eternidade. Por essas e outras prefiro ser efemero e passageiro... Como o brilho de um vagalume que ao ser percebido já não está mais lá, mas que brilhou por poucos segundos espantando toda a gigantesca escuridão.



Felipe Ribeiro

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Fênix

Ora muito bem... "Então é isso?", pensei. Sentei-me indiferentemente na calçada, depositando todo o resto de dignidade e respeito à minha pessoa numa garrafa quente e triste de vinho tinto barato. Nessas circunstancias voce não espera realmente que alguma coisa vai mudar... e quando digo alguma coisa eu incluo qualquer coisa: Relações humanas, o problema dos esgotos, os ratos malditos e suas doenças, pulgas, o pêlo inflamado da minha bunda, a porcaria da fila dos hospitais públicos, eu, ela, eles, nós e todo o resto. Bom enfim, a ultima golada é a mais esperada de todas, pois voce jura que esta tonto e, por isso mesmo, mais feliz ou alegre ou seja lá o que for voce ainda consegue estar ciente de que a merda esta atolada até o seu pescoço mas que, no estado atual de uma garrafa de vinho no sangue, faz com que o cheiro de podre se torne mais toleravel. Me levanto meio devagar, sacudo a poeira da roupa e vou para o samba que esta rolando naquela noite, bem ali ha 12 metros de mim. Sons, gente, cores... E aquela falsa sensação de liberdade, de total liberdade... Me escoro em uma árvore e vejo todos dançando, rindo... Vejo que as pessoas andam em blocos de no minimo dois individuos... Percebo, então, que sou o único a estar andando em um bloco unicamente formado por uma pessoa: eu mesmo. Bom, não mudou nada, mas enfim, já é uma constatação familiar de que eu estou fodido ou pelo menos sozinho. Lembro-me subitamente de que ha alguém ali que devo procurar... Ha alguém ali que poderia me salvar do tédio abismal que é o simples fato de existir. Sim, há alguém... E sim, pelo que pude notar, me salvou mais uma vez. Um simples oi envolvido de expectativa e de um sorriso pervesamente benéfico fez com que eu me guiasse novamente pelos caminhos obscuros e tortuosos da maldita esperança... Um simples oi foi o suficiente para me deixar sem folego e ir embora de fininho, pensando comigo mesmo o quão idiota e banana eu sou. Enfim.. as vezes nada pode salvar muita coisa, inclusive tudo. E lá vou eu, de volta para meus suplicios solitários, mas renovado de vida... de legitimações... de algo que me toca além do que eu quero e posso...


Felipe Ribeiro