domingo, 13 de dezembro de 2009

Saber da queda

Talvez seja quando estamos mais cientes do controle total do nosso próprio coração, talvez nessa ilusão de poder é que estamos na verdade mais vulneráveis. Isso porque a gente concentra toda a nossa atenção, todo nosso foco para dentro de nós, para dentro de nossas dores, sufocando-as, e é ai que nos esquecemos de notar o exterior, lá mesmo, onde tudo pode acontecer. É ai que não vemos as pancadas a quais estamos sujeitos. Há pancadas e pancadas, algumas são tão fortes que nem a sentimos por completo, só caimos pelo golpe, sem saber onde, quando e porque. Há outras que são leves, sutis, um toque macio que faz dormir e com isso te faz cair também. No fundo temos que saber cair, controlar ao menos a queda pois ela é inevitável ainda que em alguns casos desejável, mas isso não nos livra de cair. Saibamos cair, então.

Felipe Ribeiro

sábado, 14 de novembro de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 6.

Ora muito bem, eu estava na biblioteca tentando estudar um pouco. Eu disse tentando, porque simplesmente não consegui. A biblioteca da universidade em que estudo consegue ser tão barulhenta quanto um canteiro de obras. Isso sem contar as pequenas distrações que simplesmente passam por seu campo de visão e olfato. Geralmente começa pelo olfato, um perfume suave, feminino, depois acaba no campo visual com o corpo que carrega esse perfume; o que significa geralmente um corpaço feminino. Enfim, necessita-se de muita disciplina e força de vontade para estudar num ambiente desses. Quando eu penso que enfim posso voltar e ler a página que estou tentando ler a mais de vinte minutos eis que me aparece aquele meu amigo que, ironicamente, me pergunta:
-E ai Frank, como é que tá?
-Uai cara... desse jeito que você tá vendo.
-Ixi, que aconteceu? Um acidente? - Sim, eu acho que já disse que ele era irônico, ou ao menos tentava ser.
-É... pois é.
-Mas e ai, quanto tempo!
-É... pois é.
-Que anda fazendo de bom?
-Ahh.. enfim, você sabe...
-Nada né?
-Justamente!
-Eu estou dando aula pra caramba, o cursinho esta me ocupando muito tempo... E ainda estou fazendo a monografia! - Não me lembro de ter perguntado nada a ele, mas tudo bem.
-Ahh é... Eu também estou fazendo a monografia. -Lembrei subitamente do que estava tentando fazer naquela biblioteca.
-Mas e ai Frank... Arrasando os corações?
-Heim?
-Perguntei se continua arrasando os corações das mulheres. - Eu já comentei que esse meu amigo é muito irônico?
-Ahh... Bom cara, duvido muito que as mulheres tem isso.
-Isso o que?
-Coração. Sabe como é, quando algum filho da puta que arrasa com o coração delas e elas ficam traumatizadas e se fecham para qualquer um que apareça na sua frente ou simplesmente quando a vaidade delas é tanta que não conseguem doar nada que só o seu corpo.
-Sei como é isso. Na verdade acho mesmo que o senhor poderia muito bem arrasar algum. Você é um sujeito bacana, inteligente, bom. - Outra vez a ironia. Fico pensando, se eu tivesse a competencia de ser ao menos um filho da puta eu não estaria sozinho hoje em dia. Mas, como sugere o meu amigo irônico, sou um homem bom, bacana, inteligente... Por isso estou sozinho? Que ironia.
-Pois é né... pois é. - Outra vez o foda-se.
-Bom grande, eu tenho que ir agora, bons estudos pra vc!
-Tá... valeu.
Na verdade não sei quem é mais ironico, se o meu amigo tentando me alegrar com mentiras que sei bem que não significam nada para a minha pessoa ou se sou eu que o considero ironico. Mas no fim das contas continuei a estudar... ironicamente.


Felipe Ribeiro

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Onde se encontra a paz.

Não estou num bom momento para escrever; aliás, fico pensando se já tive algum bom momento e se já consegui capturá-lo no que escrevo... Geralmente gasto meus bons momentos com alguma outra coisa, o que eu não sei dizer, ou mais provavelmente nem me lembro. De fato fica dificil responder quando me perguntam o que me deixaria feliz. Já me acostumei tanto com essa situação enfadonha, triste, bamba, que meu momento de felicidade seria no máximo um pouco de empolgação por estar fazendo alguma coisa fora da rotina e que durasse talvez algumas horas, ou alguns minutos... ou quem sabe, alguns segundos... Ou quem sabe, não durassem de fato nada porque nunca existiriam, foram todos ilusões, doces ilusões... Causas sonhadas mas que na realidade não causaram nada, só mais e mais fuga e consequentemente mais e mais fadiga... E consequentemente mais e mais peso para as minhas costas. Sinto-me arrastando um peso muito grande, um peso quase insuportavel... Parece que ando de joelhos, talvez a implorar inconscientemente e constantemente para que me deixem em paz, para que não me encham mais de esperanças, para que não me façam perder meu precioso tempo em tentativas vãs de ser no minimo decente para mim mesmo ou para alguém. Meu precioso tempo... Nem sei porque escrevi assim, força do hábito insano que carrego dessa cultura introjetada em mim desde pequeno e que pretende me tornar no futuro um pequeno burguês careca, barrigudo e constantemente preocupado com seus negócios... Meu tempo de fato é tudo o que eu tenho. Não sei dizer o quanto ele vai durar, mas sei que ao menos eu tenho isso... Mas existe uma grande diferença em saber o que se tem e saber o que fazer com o que se tem. Tento doar meu tempo para os problemas alheios, já que, aparentemente, não tenho nenhum problema; apesar de me sentir sempre atormentado por uma grande angustia e tristeza. O alivio de cada um esta em saber o porque de sua angustia... Todo mundo procura um porque para seus problemas; pelo menos aqueles que tem um compromisso sério com seu próprio bem estar. Para outros é um alivio não saber do porque de sua própria angústia, porque ela dá um porque, ainda que misterioso, em suas vidas... Há pessoas que se acostumam com ela, tornam-na sua melhor amiga, fazem piada dela, amam-na mais que a própria razão... Viciam-se em suas dores e fazem questão de ficar atoladas sempre que puderem em suas auto-piedades pseudo-confortadoras... Quando é que vou me desatolar, é o que me pergunto neste instante... Quando eu quiser, me responde o meu orgulho sempre triunfante, sempre fugindo da verdadeira batalha, sempre me apontando o caminho mais comodo, mais indigno... O problema de ser orgulhoso é a fuga constante. Na hora do vamos ver não se ve nada mais do que alguém correndo e olhando para trás triunfante de sua fuga, de mais uma vez não lutar, de mais uma vez poupar suas forças. Há algo de patético em mim, e deve ser isso... Talvez a prova de fogo ainda venha, talvez eu ainda consiga passar por ela, talvez eu prove a mim mesmo que sou mais do que isso que minha vaidade insiste em dizer que sou para mim mesmo; mais do que isso tudo que eu construi a preço de mentiras, de engenhosos desfiles de beleza moral, de surubas éticas em que me comprometi cegamente comprado por uma imagem que talvez me deixasse em paz com os outros, mas não comigo mesmo. Todos tem a sua prova, essa é uma das verdades dessa existencia... Todos têm a sua prova, e essa prova prova tudo o que somos, prova tudo o que deixamos de ser, tudo o que devemos ser e tudo o que escolhemos ser... No fim, é a prova que nos faz ser alguma coisa de fato para nós mesmos... A linha imaginária que basta um passo, um ato de coragem e determinação, um ato de compromisso e de fé em si mesmo, para fazer de nós algo raro, único, imprescindivel, belo e digno para nós mesmos... A beleza estaria ai e a paz estaria logo adiante.


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Ápice.

Deixa subir a ilusão.
Penetrar o estrondo da esperança.
O delírio da paz, o entrar da confiança.
O transbordar da emoção.
Deixa aliviar o ego do peso de si mesmo.
Deitar os sonhos num berço de satisfação,
E esquecer por um instante do mundo, da vida, do tudo...
Em nome do ser sendo, do coração.
Do apelo já rouco, frouxo, murcho.
De anos de pedido de socorro.
Do convite insano ao absurdo.
Deixa e deleite-se.
E irá sentir o imenso vazio.
O profundo silêncio da alma.
E é ai, no ápice onde o terreno é baldio
Que começarás enfim a cultivar a sua descida.
O seu pouso, o seu findar;
O porque dos seus pés andarem e pisarem sobre a terra.
E é ai que serás poderoso,
Verdadeiramente poderoso para si,
Para o mundo, para mim e para a fera...
Que aguarda ansiosamente para te devorar.
E que por muito tempo houve apenas medo e derrota...
Dúvida e paralisia...
Hoje tenha apenas a certeza da vitória...
Mesmo que ainda o seja fantasia.
Mesmo que ainda o seja fantasia.

Felipe Ribeiro

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A avalanche

O mais frustrante em não se ter certeza se se é louco de fato é justamente não ter certeza se se é normal; mesmo que isso não signifique nada para quem leia ou para quem escreva isso. Nos deparamos nos comparando ao que seria loucura e normalidade em nós mesmos e adivinhem só, não se tem lá muita diferença. Na verdade eu ainda não sei se sou um louco que pensa que é normal ou um normal que pensa que as vezes é louco, ou quem sabe deve haver uma terceira via... A de realmente achar que se é alguma coisa e deixar pra lá. De fato essa terceira via é a que a maioria das pessoas usam, por preguiça de realmente buscar saber o que se é ou por pura prepotencia em afirmar que sabe de fato o que se é.
A maioria das pessoas se esquecem que há uma grande diferença entre saber alguma coisa e estar certo a respeito de alguma coisa, qualquer coisa, no minimo. E com isso apenas aceitam alguma coisa e colocam o nome daquilo de saber, não por respeito, não por admiração, não por que aquilo em si traz um sentido mais profundo em sua existência... A maioria aceita por preguiça e por vaidade; por saberem que o saber X e o saber Y concedem-lhes um status superior perante os outros ou por simplesmente saber que um saber X e um saber Y são as portas de entrada para uma futura carreira de sucessos, como se o saber fosse uma arma contra todos que querem tomar a cadeira naquele jogo infantil da dança das cadeiras.
Agora penso eu se a minha loucura é ainda achar que sou normal. Talvez o seja, já que ser normal hoje em dia nada mais é do que colecionar o que não se é em nome simplesmente do que acha que é melhor ser, não para si, mas para o jogo mesquinho que ai esta e que confere um premio, ao final de tudo, de bajulação vazia de quem não conseguiu ser pior do que o vencedor.

Felipe Ribeiro

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Da misericórdia.

Noite. Obviamente eu estava andando pelas ruas do centro da cidade e, obviamente, estava com fome. Como de praxis escolhi um boteco de esquina, todo fodido de velho e que cheirava a coisa ultrapassada, estagnada, doentia e um tanto quanto maléfica. Antes de chegar ao estabelecimento porém, fui abordado por um ciclista (mais conhecido como bicicleteiro aqui aonde moro) que me pediu com toda a educação:
-Tem fogo maluco?
-Não.
Diante de tal diálogo automatizado eu continuei andando em frente rumo ao tal buteco. Ao avistar o tal buteco percebi que o ciclista escolhera o mesmo estabelecimento para pedir fogo. Afinal, ele tinha bom gosto, pensei. Esse boteco ficava bem na frente de um bar de esquina, aquilo que hoje em dia costumam chamar de point do momento, e que vivia cheio de gente. Por essa razão em especifico entrei no boteco fodido. Dentro dele haviam quatro pessoas. Um cara no balcão que bebia uma cerveja vestindo um uniforme de alguma empresa de transportes; dois sujeitos sentados numa mesa escondida bem ao lado do freezer das cervejas, os tipicos sujeitos soturnos que não se podia olhar demais; o ciclista que a essa altura estava chegando no balcão e o balconista que, certamente, era o dono daquela espelunca. O cara parecia uma múmia. Muito velho, com dentes cavalares faltando e amarelados, muito magro, branco e com a pele toda rugosa. Seus cabelos eram ralos e brancos. Tinha-se a impressão de que ele poderia soltar pó a cada movimento. Cheguei faminto, entrei e a primeira coisa que procurei foi a estufa para saber o que é que se vendia para comer ali. Me deparei com uma coxinha triste e solitária, duas maias uma em cima da outra e um quibe tão solitário quanto a coxinha. Sentei num banco em frente ao balcão e o balconista estava falando com o ciclista:
-Você vai comprar?
-Vou.
Diante disso o velho balconista agaixou-se e pegou um embrulho de papel quadrado contendo muitas caixas de fósforo. Pegou uma das caixas e entregou ao ciclista. Este por sua vez abriu a caixa e ascendeu um fósforo tentando a todo custo ascender um cigarro que estava praticamente no quimba. Ao fazer isso pegou a caixa de fósforo e colocou em cima do balcão e saiu do estabelecimento. A fúria da múmia atrás do balcão foi gigantesca.
-Como é que você faz uma coisa dessas comigo?! Comigo! Você falou que ia comprar o fósforo!
O ciclista porém já estava do lado de fora do boteco, já montando em sua bicicleta. Olhou pra dentro e disse:
-Ce viaja demais maluco!
O velho ficou mais furioso ainda, saiu de trás do balcão e xingou abertamente o ciclista.
-Seu filho de uma puta! Sua cobra! Como você faz isso comigo!
E virando-se para mim perguntou:
-Você viu não é? Você viu o que aquele desgraçado fez!
-Sim, gastou um fósforo...
-Exatamente! Desgraçado, disse que ia comprar uma caixa!
Aquilo era demais para mim. Mas a fome estava me apertando. Pedi logo uma maia e um refigerante pequeno. O velho ao ouvir a palavra refrigerante deu uma risada e falou entre dentes balançando a cabeça negativamente "refrigerante, tsc". Pegou a maia com um pegador engordurado e colocou num microondas escondido atras de uma pilastra.
-Desgraçado, disse que ia comprar, desgraçado!
Repetia isso consigo mesmo. O pessoal que ali estava nem deu moral para aquilo tudo. Os dois rapazes soturnos continuavam a beber sua cerveja e a falar baixo um com o outro; o cara vestindo o uniforme fixara sua atenção na pequena televisão pendurada na parede em frente ao balcão. O programa, é claro, era esportivo e falava a respeito do jogo do Corinthians e Grêmio. Soltei um suspiro e o velho me trouxe a guaraná e logo em seguida, depois de um apito do microondas, me trouxe a pequena maia esquentada. Na primeira mordida vi que ela estava seca, murcha e com um gosto horrivel de velharia. Deveria estar ali no minimo três dias. De qualquer maneira comi aquilo tudo. Paguei o velho que ainda balançava negativamente a cabeça por causa de um fósforo roubado. "Ele disse que ia comprar, você viu!", repetiu isso esperando alguma palavra de consolo de minha parte. Olhei bem para o velho. Ele não merecia um pingo de respeito. Ele estava transtornado por causa de um fósforo. Segurei minha mão para não socá-lo bem no meio da cara, só Deus sabe o quanto segurei. Sai de lá sem dizer nada, apenas um obrigado. Ele teve a cara de pau de ainda me abençoar com um "vai com Deus". Aquilo foi demais pra mim. Voltei e me virei, mas o velho estava conversando com o cara do uniforme:
-Você viu que filho da puta?
-Me traz outra cerveja.
-Um desgraçado desses me roubou, me roubou!
Fui tomado por uma misericórdia que beirava ao enjoo. Tive que sair dali e sem olhar para trás andei pelas ruas do centro da cidade, sentei-me num banco de praça e fiquei por ali imaginando se alguém iria ainda me aporrinhar e pedir aprovação pelas pequenas injustiças que o mundo poderia acometer e que seria terrível demais para o orgulho esquecer.


Felipe Ribeiro

sábado, 3 de outubro de 2009

Até findar o fenômeno.

É bom ver a batalha,
As forças em ação...
O fervilhar da vida..
O mistério todo se infiltrando no mundo.
Nas coisas, nos seres, em tudo.
Se infiltrando nos homens e em suas ações.
Ações constantemente ignoradas...
Assim como as suas consequências.
Gigantescas consequências.
Redes de acasos, de poder de decisão.
De alcance incalculável...
De morte, de vida, de atração.
Um poder jorrado nas ações, nas palavras...
Imperceptível.
Necessário porém...
Instável mas que consegue ser ordem.
Ou uma ilusão de ordem, uma falsa paz...
Em meio a batalha constante dos acasos e ocasos...
De sentidos, de valores, de conflitos, de paixões...
De terrores, de angustias, de aflições?
Quem pode medir o vento que deixa escapar do próprio assopro?
Até onde vão as palavras lançadas com ele?
Até onde os gestos podem alcançar?
Até quando, até como?
Até o porque se calar.


Felipe Ribeiro

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A onda.

Há pessoas que são como pedras jogadas em água parada e espelhada.
Chegam fazendo ondas enormes que desfiguram qualquer limpidez, qualquer claridade.
Qualquer certeza, qualquer vaidade.
Trazem consigo o caos, e com isso a graça.
Ao todo cinza da banalidade.
Ao entorno que deixou de refletir.
São expoentes da loucura, do tapa na cara.
Da falácia tão necessária.
Em tempos de certeza ingrata.
De nobreza inútil.
De torpeza polida e fútil.
O mundo as criam como as árvores criam as folhas.
Mas só vemos essas pessoas quando se deixam cair.
Quando se deixam fazer notar.
Seja num sorriso, num insano olhar.
Destemperado pela felicidade pura, simples, burra.
São essas pessoas que te fazem flutuar.
Que temperam a vida com o despudor.
E com isso te faz sonhar.
Sonhar com outras possibilidades.
Libertar da mesma falsidade.
Assombrar com a verdade.
Pura e ingenua verdade.
Essa tão presente necessidade.
Dos corações mais aflitos por paz.

Felipe Ribeiro

domingo, 20 de setembro de 2009

Quando.

Como de costume eu deixo morrer certas emoções antes mesmo de elas nascerem.
Não costumo ver a graça do todo, conforme se apresenta, no momento mais apropriado.
Sempre é tarde demais, ou cedo demais.
O momento é tudo.
O momento é tudo.
É importante ressaltar o quando, mais do que o como, mais do que o porque.
É no quando que se agride com mais ou menos força.
É no quando que se traça o destino.
É no quando que se caminha, que se finda o compromisso.
E eu não sei lidar com o quando.
O meu como com o quando não é nada senão um talvez.
Um tardio talvez.
Ou um sempre quem sabe.
E quem sabe quando meu quando virá oportuno?
Talvez quando eu possuir a vontade de poder ser quando quiser.
Ou a vontade de quando quiser ser.
É certo porém que o quando é ocasionado, muitas vezes, ao acaso.
E que ao acaso é que vemos quando o quando chega.
É certo também que quando se esta atento nada escapa.
E quando se sabe o que quer a atenção se foca.
E quando se foca prende.
E quando prende liberta.
É quando o tal quando acontece.


Felipe Ribeiro

sábado, 5 de setembro de 2009

Desfibrilador

Ele fixou seu olhar no bule de café que estava a sua frente no fogão. A cozinha estava fria, o silêncio daquela manhã chuvosa aumentava a sensação de solidão daquele sujeito que ainda estava com sono, de cueca, mau hálito, cabelo bagunçado, cara amassada e uma falta de humor para com qualquer coisa. O que ele esperava de um sábado? A casa vazia, a rua vazia, somente o barulho da chuva e o vento frio vindo da porta aberta que dava para o quintal. Tudo estava estranhamente calmo. O café esquentando, a louça para lavar, o chão gorduroso, a gata dormindo no sofá, o cachorro dormindo no quintal... Qual era o sentido daquilo tudo? Hábito? O nada as vezes tomava conta daquele sujeito. E nada adiantava ele simplesmente não sabia, não sentia... Estava no automático. Tomou seu café muito doce engolindo devagar. E a cada golada era como se não existisse. Era isso. Ele fixou sua atenção naquilo tudo e não sentiu. Pensou estar sonhando mas o frio do vento e o quente do café lhe deram outra expectativa. Ele enfim respirou fundo, tratou de tomar um banho, escovar os dentes, se tornar mais salutar, mais limpo e quem sabe mais digno. Em vão. Colocou uma roupa, algo mais quente, uma blusa, uma calça, meias e sapatos... E nada. Olhou para o telefone, pensou em ligar para alguém mas ninguém veio a sua mente. Foi até seu quarto, alcançou uma caneta e um caderno e pensou em escrever alguma coisa. E nada lhe veio também. Estava sufocado pelo tédio. Pensou em chegar segunda feira para recomeçar a trabalhar, mas a idéia surgiu como um golpe de martelo no dedo mindinho. Estava se desesperando. pensou em todas as mulheres com quem ele já havia saido, pensou em ligar para uma ou duas, mas a idéia lhe veio como outra martelada. Pensou em fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas no fim decidiu-se por esperar, talvez algo aconteceria se ele ficasse parado. Ligou a televisão mas tudo que ali se apresentava não fazia o menor sentido.. Imagens, vozes, músicas... Tudo se misturou com tal violência que ele teve que desligar o aparelho. A chuva não cessava. Ele saiu de casa, tomou um pouco de chuva e vento mas nem aquilo lhe serviu. Não há nada pior do que não sentir, do que não valorizar, do que não significar, do que não sonhar, do que não amar, do que não querer... Ele estava imerso numa areia movediça, quanto mais queria sair mais ficava preso, parado, sufocado. Ele sabia que tinha tudo o que precisava, tudo estava ali na sua frente, ainda que sujo, pouco e ruim, mas tudo estava ali clamando para ser usado, desejado, vivido, experimentado. Ele sabia disso, mas não sabia como acessar a graça daquilo tudo. Foi para o passado na velocidade do pensamento buscar com desespero tudo aquilo que lhe fez feliz, triste, arrasado e glorioso... Voltou com um certo gosto de esperança na boca, com um certo brilho de remorso no olhar, com um certo modo de novo no caminhar... Tudo se misturou àquele nada e logo ele teve a sensação de respirar como antes respirava. Logo percebeu que um dia ele foi um fracasso, um dia ele foi um sucesso, um dia ele foi amado, um dia ele amou, um dia ele foi odiado, um dia ele odiou, um dia ele foi esperto, um dia ele foi ingênuo, um dia ele foi humilde, um dia ele foi orgulhoso, um dia ele foi egoista, um dia ele foi caridoso, um dia ele foi cego e um dia ele viu mais que os outros todos. Enfim ele buscou motivar a sua engrenagem enferrujada, borrifou um pouco de confiança, um pouco de coragem e um pouco de curiosidade e enfim começou a sair da grande imobilidade para enfim tentar. Não importava para ele o que estava em jogo e o seu fim... Não importava o resultado, pois ele não partia de nenhuma premissa... O que importava para aquele sujeito era ser atingido.

Felipe Ribeiro

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A angustia do belo.

Lá estava a garota que vivia fazendo pose.
Sua cara era carregada de maquiagem,
Seu sorriso carregado de desespero.
Mas nem por isso ela perdia a maldita pose.
Parecia uma fotografia, vivia com o mesmo tom,
Com a mesma crina, com a mesma ilusão.
Andava ereta, empinada, mostrando tudo o que tinha.
Mas nem tudo era de fato tudo.
Tudo nela gritava socorro.
Tudo nela queria ser.
Só ser, autenticamente.
Maquiagem, roupa da moda, bijuterias, perfumes...
Ela vivia trabalhando com os sentidos,
Com os instintos alheios...
E só.
Nisso se baseava toda a sua existencia.
Um grande imã de sentidos.
De olhares, de desejos, de vontades.
Tudo nela girava em torno disso.
De impulsos orgiásticos, nervosos, inquietos.
Era nisso que ela procurava dar o seu melhor.
Era nisso que ela depositava todo o seu poder.
Era nisso que ela não poderia deixar de viver.
Era nisso que ela se prendia.
Cada vez mais dependia disso.
Cada vez mais gostava disso.
Cada vez mais morreria por isso.
O mundo era uma grande passarela para ela.
O mundo era a sua vitrine.
E ela posava para o mundo.
E como todo astro ficava parado.
E o resto todo a girar em seu redor.
Era pelo menos nisso que ela acreditava tão seriamente,
E era pelo menos nisso que ela sangraria eternamente.
Todos os olhares...
Mas nenhum toque.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Da serenidade.

Olhei nos meus bolsos e tinha o suficiente para encher a cara até a noite. Eu já estava um pouco tonto e resolvi andar pra sentir, quem sabe, um pouco de alguma coisa. Fui até uma praça no centro da cidade. O lugar era cheio de árvores e havia uma igrejinha muito antiga pintada de azul celeste. Era tranquilo, mas apesar de tudo ainda sentia as garras do desespero se agarrando a minha vida. Não sabia bem o porque, mas naquela época eu me sentia profundamente melancólico. Observei um casal de jovens se beijando e trocando carícias, sorrisos e risadas contidas em palavras ditas baixinhas ao pé do ouvido. A moça deitada com sua cabeça no colo do rapaz adormecera. Ele a acariciava. Estavam os dois sentados num banco ao pé de uma mangueira enorme. Eu estava escorado num poste da praça a mais ou menos uns 20 metros de distância do casal. Gente ia, gente vinha. Carros iam e vinham. Pardais faziam estardalhaço e cagavam no chão. O mundo parecia alegre naquela tarde. A coerência do mundo se fazia presente naquilo que chamam de alegria. E eu via a alegria plena na serenidade do casal de namorados. Por alguma razão aquilo tudo me fez lembrar do quanto eu era panaca, bunda mole, frouxo e vagabundo. Não caminhava no mesmo ritmo das outras pessoas. Cheguei a pensar que era algum retardado, coisa que aliás eu tenho lá minhas dúvidas se não sou. Nunca corri para alcançar um ônibus, nunca corri para entregar a produção do dia no horário estipulado pelo patrão. Nunca li alucinadamente na tentativa de aproveitar o tempo para ler de tudo. Sempre tive meu tempo, ou melhor, sempre fiz meu tempo; e te digo uma coisa, sou lerdo para com isso. Nunca consegui suportar a idéia de que eu teria a oportunidade de ser "melhor" do que fulano ou beltrano. Para que tanta pretensão? Sempre deixei escapar a chance de me dar bem na vida através daquilo que os moldes hipocritas da sociedade de consumo tenta pregar e disciplinar. Agora lá estava eu, meio zonzo pela cerveja olhando toda aquela serenidade do casal que realmente não se importava nem um pouco com tudo isso que eu estava ruminando. Ainda bem, eu pensei, ainda bem...


Felipe Ribeiro

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Do mergulho.

Me sinto esmagado pela sombra de uma futura dor...
Uma dor inevitável que vem ao longe...
Acenando com um sorriso, de braços abertos...
Para mim que um dia lhe amei.
Ela vem a passos largos
Carregando um olhar de cúmplice.
Cumplicidade de velhos tempos
Que só pertence àqueles que viveram juntos.
Na atual conjuntura ela até que é bem vinda...
Dar-me-ia um sentido, algo mais profundo...
Quem sabe ela venha pra me destruir de vez?
Quem sabe ela venha para me deixar mais manco?
Mais sábio?
Mais duro?
Mais brando?
Só sei que ela vem...
Ansiosamente aguardada, desejada...
Amada até.
Será que mudaria meus sonhos?
Minha visão?
Minha paixão?
No que eu mudaria?
Que vontade teria?
Que coragem surgiria?
Em que me arruinaria o seu abraço?
Não me importa...
Ela vem, disso eu sei...
Ela vem.
Como a tempestade ao longe
Com seus trovões, seus ventos, seu cheiro.
Ela vem.
E só a sua sombra já me faz perder o fôlego...
Talvez porque eu esteja aguardando o saltar.
Para o mergulho.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

As garras da gata.

Não se escuta os passos, mas sabe que esta ali
Do lado, caminhando, serena
Reservadamente fiel a si
Mas esperançosa por ser a outrem.
É em outro que ela afia as garras
É em outro que pode mostrar a graça
De saber ser forte e leve
Como a navalha.
Graciosa em sua pequenez
Espantosa em sua astucia
Vive a vida com fluidez
Para soltar a sua fúria.
E é nela que sobrevive o seu amor
É nela que ela mesma acha o seu melhor
E é nela que ela cria o seu valor
Seu valor que a livra do seu pior...
Enquanto isso suas garras estão escondidas
Esperando o momento para cortar com frieza
Para abrir espaço a suas causas perdidas
E tratar a vida com mais leveza...


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Do expurgo.

Longe de ser uma noite agradável aquilo parecia uma noite sem sabor, sem cor, fria, opaca, cinza e o pior de tudo era que aquilo tudo estava praticamente virando um hábito. Eu suado depois de fazer um esforço quase que humilhante pra tentar ser no minimo agradavel para aquela mulher que eu nem fazia lá muita questão de conhecer, ela falando sem parar da vida mediocre que levava, um grande blablabla que as vezes se misturava ao meu sono e que não dava pra entender muito bem. Já estava quase dormindo se não fosse o vinho para me distrair. O mais foda disso tudo é que a garrafa estava com ela e ela não fazia muita questão de dividir aquilo. O meu tempo foi novamente roubado pela atenção que ela pedia para si. Aliás, meu tempo não me pertence muito ultimamente, vivo dando ele para as baratas e para as futilidades frivolas desse mundo. Enfim, pedi-lhe a garrafa. Ela me devolve. Vazia. Dou um grande suspiro, olho pra ela e ela me pede um beijo. Dou outro grande suspiro e fecho os olhos. Os bafos de vinho barato se encontrando, o gosto acre da lingua dela se encontrando com a minha me fez pensar bem na vida que eu estava levando, no meu futuro, no que eu tinha feito pra merecer aquilo e quem sabe pensava um pouco em dignidade... Na dignidade que naquela hora estava me fazendo falta. Ela se senta no meu colo e começa a tirar a blusa... Ora, vamos lá, pensei, vamos lá... E fomos. Foi tristemente bom, se é que isso pode ser possível, mas foi. Não deu muita cor praquela noite, mas ao menos foi agradável. Salvo o incoviniente de ela resolver começar a falar depois do esforço, foi agradável. Ela começa a mecher na minha cabeça, faz um afago nos meus cabelos. Enfim, tive que perguntar:
-Então, que é que ce tá fazendo?
-Nada... Por isso to angustiada...
-Sei...
-Eu sei que sou uma fútil, sabe? Eu sei que sou uma narcisista...
-Poxa... Obrigado pela parte que me toca.
-Não é isso que quis dizer, desculpa... mas eu me sinto tão... fútil...
-É, de fato, você liga demais pra sua imagem... vive colocando maquiagem, roupas justas, decotes enormes...
-Você me acha a maior narcisista né?
-Não sei se um narcisista sabe se é narcisista...
-Por isso mesmo eu me assusto... Eu sei o que é um narcisista e repito certas práticas, sou muito vaidosa!
-É, pode ser isso mesmo... Mas, vaidade não precisa de um outro como alvo? O Narcisista só atinge ele mesmo, ele é o alvo, não?
-Mas é pra mim mesma! Eu tenho a necessidade de provar pra mim mesma que sou a mais bonita, a mais inteligente a mais uma porrada de coisas do que as outras garotas...
-Enfim... - soltei um suspiro - Isso pra mim é perda de tempo.
Ela ascendeu um cigarro, ficou fitando o teto. Talvez ficou esperando eu falar alguma coisa, não entendo muito as mulheres, graças a Deus.
-Por que é que você tem essa necessidade de provar que é melhor que as outras mulheres? - Enfim perguntei.
-Sinceramente... Não sei. Acho que é porque eu acho um saco essa mania que as pessoas tem de confundir consciência social, altruismo ou seja lá o que for com feiura...Odeio o estilo porra louca só porque faço Ciências Sociais. E noventa por cento das meninas desse curso são feias!
-É... Concordo.
-E to pouco me fudendo se as pessoas me acham futil por causa do meu estilo!
-Sei... Bom, porra, se você se sente bem com imagem, vai fundo... Digo, fundo não porque imagem é superficial...
-ahahaha... É verdade. Mas o lance é que eu adoro fazer o papel de guria fatal!
-É... já notei isso mesmo... E nem ligo como você pode reparar...
-Não liga mas tá aqui pelado do meu lado...
-Você implorou por isso.
-Vá se foder!
Ficamos em silêncio por algum tempo... Ela ascendeu outro cigarro. Então eu recomecei.
-Olha, acho que você está tremedamente errada, mas não te condeno por isso... quem não erra né?
-Do que você tá falando?
-Porra... Da sua atitude perante você mesma.
-Hum?
-Na boa... Eu sei que esse é seu jeito, sua estratégia de sobrevivência nesse mundinho de merda, mas é o seu jeito, sua estratégia, não você em si. É a sua escolha, infeliz, mas é a sua escolha...
-Posso ser sincera?
-Já era hora né?
-Engraçadinho... Bom, sinceramente eu não sou infeliz por ter escolhido isso, e outra, eu não sou nenhuma puta, não vivo disso! Eu simplesmente gosto disso, sabe, desse jogo!
-Então... você gosta desse joguinho de sedução? Desse poder, dessa sensação de superioridade que a imagem pode causar, é isso?
-Exatamente, agora você me entendeu...
-Poxa... Você de fato é uma fútil mesmo... Poder é uma coisa tão imbecil!
-Discordo plenamente!
-Tá.. então me fala, o que te atrai nisso tudo, esse negócio de poder?
-Uai... O poder!
-Tá... Poder de que? Pra que você usa isso? Porque você usa isso? De que vale isso? Até onde isso te traz respeito?
-Acho que um pouco de identidade... Odeio ser comum.
-Isso é neurótico!
-Cada um com suas neuroses! Eu sempre fui ligada a ideia da loira gostosa, louca e extrovertida...
-Isso é besteira, isso é imagem! Você mesma me disse agora a pouco que não se sente bem com isso... Voce se sente segura mas não bem, isso é diferente! Isso é uma máscara, um escudo inutil...
-FODA-SE - Ela gritou.
-Enfim... Foda-se.
-Cansei de criticar tudo, sabe?
-Não é criticar sua cretina imbecil! É ser você mesma! Você se vende a preço de imagem!
-Foda-se! Eu ganho com isso!
-Ganha?
-Pelo menos tenho alguns privilégios...
-Privilégios né? Sei... Você não nota que esta afundando cada vez mais nessa prisão? No fim das contas espero que a ignorância te cegue para o verdadeiro problema e você viva feliz...
-Ignorância, eu? Impossível!
-Tá, que seja... Você é uma acomodada.
-Hum, pode ser, ganhei muito pouca sendo revoltada, comunista...
-Isso é imagem também... Você não consegue desvincular um estereotipo de você mesma...
-Não mesmo...
-Falta a segurança necessária pra você ser você mesma... Você liga demais para o que os outros pensam, caso contrário não usaria essa mascara toda.... E cade seu poder nisso tudo? Você é uma medrosa, isso sim uma medrosa! Se eu estiver enganado, bom, foda-se!
-Não... pode falar...
-Já falei o que tinha pra falar, porra. É isso! As pessoas simplesmente não me surpreendem mais. É por isso que sua banca toda não causa o menor efeito em mim, entende? É por isso também que eu sinto pena dessa sua escolha idiota. Poder reside nisso mulher, em ser autônomo, e não escravo de uma imagem que lhe convém! Não ficar escorado numa imagem pra sobrepujar outras pessoas... Isso é desespero! E eu vejo essa sua opção como a mais equivocada de todas.
-Equivocada... Em que medida, porque você fala isso?
-Equivocada na medida em que isso só alimenta a futilidade do mundo. E ao fazer isso aumenta a injustiça e a indiferença perante o outro, como se o outro fosse apenas e tão somente um degrau pra se pisar.

Depois disso ela ficou em silêncio, fitando o teto daquela sala imunda. Eu não tinha mais nada pra falar, estava cansado. Dormi. No outro dia, pela tarde quando acordei, nem vi mais sinal dela na sala ou na casa. Tomei um banho e pensei na vida. Só pensei, nada além disso.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Do sucesso.

A existência só pode ser preenchida com a vontade.
A vontade só pode ser preenchida com a motivação.
A motivação só pode ser preencida com a esperança.
A esperança só pode ser preenchida com a confiança.
E a confiança com uma dose letal de ingenuidade.
No fundo temos que nos entregar...
Nos jogarmos num abismo...
Nos permitimos e colhermos alguma autonomia.
Se libertar, enfim.
Isso é ser Fé.



Felipe Ribeiro

Do fracasso

É como se todos os dias fossem a mesmíssima coisa...
Sem surpresas, sem aquela esperança tola...
Aquela que nos faz ficar acordados...
Buscando um foco para se distrair, um ser amado, encantado...
Uma imagem perfeita daquilo que se poderia querer...
Mas, nem isso, nem ao menos um ser...
Nem ao menos uma vontade...
Nem ao menos uma coragem.
E a cada tentativa permitida você se sente mais fraco...
Mais triste, desiludido...
Mais trapo...
Do que individuo...
Mais lixo do que vivo.
E nessas horas você sente o bom senso lhe pedindo clemência...
Como se o seu sangue, sua vida pedisse urgência...
E de relance você observa algo que poderia ser...
Mas respira fundo e se pergunta o por que...
A vida perde se não escutamo-la...
E só a ouvimos quando paramos de vivê-la...
É um som baixinho no pensamento, na cabeça...
E é o que te faz ter firmeza...
Firmeza é outra proeza...
Felizes dos distraídos que se encantam facilmente...
Eles não se atormentam constantemente.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 21 de julho de 2009

Pequenos deuses

Assim como o paradoxo esbofeteia a lógica
Eu tento fazer o mesmo com a falsa moral
Aquela que cada um de nós carrega
E que deixa a mostra
Sem o menor pudor ou consciência.
Mas o que me impressiona mais
É que não consigo mais me impressionar.
Não que eu queira achar alguém de alma completamente pura
Não que eu queira achar um santo
Ou um demônio completo.
Mas ao menos um humilde...
Ao menos um sincero...
Ao menos um descontente com algo real.
Não simplesmente com fantasmas insanos.
O que eu encontro no caminho são pequenos deuses
Pequenos deuses...
Todo poderosos em sua arrogância
Todo poderosos em sua busca insana
Em seu auto engano constante
De dissimular aquele tirano moral
Que come a carne, a vida, a espinha dorsal
De quem quer que entre em seu caminho.
Projetos de moralidade
E futilidade plenas.
Matam sem ao menos saberem disso
Cospem fora o sumo que não lhes convém.
E assim caminham entre nós, a maioria.
Um panteão de ignorantes.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 14 de julho de 2009

Conversas com uma amiga.

Ora muito bem... O apartamento era simples, a festa banal, a música boa e as companhias essenciais... Enquanto a música rolava e alguns amigos iam pra varanda, eu e ela ficamos sentados no chão, um de frente para o outro, cada um com seu cigarro e seu copo de vinho tinto barato. E o vinho, ahh o vinho! E os cigarros pra ambientar melhor a atmosfera daquele momento mágico de uma conversa um tanto bebâda, mas franca, com uma grande amiga.
Olhei para ela e dei de ombros, num sorriso sem dentes. Ela então começou...
-Então Frank... O que é que há?
-Olha... boa pergunta. Eu não sei.
-Quem é que sabe de alguma coisa nessa vida?
-É... porra... é... Enfim, eu acredito que cheguei a uma conclusão bastante interessante sobre tudo isso...
-Sobre tudo isso o que?
-Isso tudo... Veja, acho mesmo que podemos falar no máximo daquilo que nos condiciona, saca, da nossa condição ignorante no mundo? Mas, o que somos em si acho que é pura especulação.
-Concordo contigo Frank...
-Porque somos tudo e nada ao mesmo tempo, somos uma comparação, entende? E por sermos uma constante comparação nós mudamos constantemente...
-Exatamente! Eu acho que nunca somos, apenas estamos, apesar de sermos algo, entende?
-Sei... interessante porque enquanto somos, estamos... E enquanto estamos, somos.
-É! Logo nem nós e nem ninguém sabe de fato o que somos, tipo, sabemos que somos algo, mas nos conhecemos a partir do quando em que estamos, em diferentes momentos...
-Sim porra... É essa a nossa condição no mundo, perante ele e perante os outros e perante a nós mesmos... É disso que podemos falar sem medo, ou melhor, especular seguramente... Pode isso tudo não passar de um sonho de um maluco?
-Poxa Frank... Vivo me perguntando isso! É mais um mistério que me enlouquece...
-Porra... Pergunte isso vivendo... entende?
-Sim, é isso que tenho feito nos ultimos tempos...
-Quer mais vinho?
-Quero, enche ai...
-Então... Que bom... Sabe, viver a vida e esquecer de certas coisas servem justamente para não nos enlouquecer de vez, ou melhor, não perder o fio da meada... saca? Aquela pouca fé que temos e que de vez em quando nos sustenta...
-Exato! É por isso que tenho me sentido tão bem... Tem fogo ai?
-Perae... Toma o isqueiro...
-Sabe... eu cheguei a conclusão de que cada um fica bem ao seu modo Frank... Mesmo aquelas pessoas que vivem se punindo e blablabla, se aquele é o jeito delas, então porque não deixá-las serem assim?
-É... te entendo, mas ainda acho que deve ter um limite... Senão a pessoa se auto-obseca e fica se fodendo pensando que esta bem...
-Aham... Concordo contigo, mas digo que cada um tem seu jeito de ser feliz. Não existe um estereotipo de felicidade, apesar de usarmos muitos sem querer e sem notar...
-Felicidade... Puta que pariu... Felicidade... Que é ela pra você?
-Olha... pra mim felicidade é o que passamos a vida inteira conquistando, saca? É a falta de algo, a angústia do não ter e a alegria por conquistar. É partir pra outra Frank, é o motor da sociedade!
-Isso é insatisfação, não?
-Acho que não, porque satisfação nos deixa deprimidos, as vezes pode sim nos impulsionar e tal... mas nos impulsiona pra ir de encontro com a nossa felicidade que, na minha concepção, nunca é plena.
-É.. mesmo porque se for plena não tem mais porque ser feliz. É como a lamentação... Quando acaba a causa dela não tem mais um porque existir... vira um fantasma.
-Isso mesmo!
-Legal, legal... então a falta é o que nos impulsiona... E não pode ser plena porque falta?
-É.. penso assim. Pode não ser verdade, mas penso assim...
-Pra mim faz todo o sentido.
-Bom então... vinho por favor!
-Opa...
Nessa hora ficamos bebericando cada um o seu copo de vinho, pensando em tudo que acabávamos de dizer... A coisa fluia... Ficava claro, apesar de sabermos o quão ignorantes ainda o erámos para com qualquer coisa que fosse. Olhei pra ela e ela sugava lentamente seu cigarro, olhando pra varanda, para o céu escuro daquela madrugada... O vinho acabou e fui buscar mais. Alguém a chamou na varanda. Bebi uma garrafa inteira sozinho. A festa valeu a pena.


Felipe Ribeiro & Dinah Lorena

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Amanda

Então tinha aquela velha vizinha que eu conhecia tão bem quanto a minha mãe. Essa vizinha, por sua vez, tinha uma filha linda que trabalhava o dia inteiro e que, por sua vez, tinha uma filhinha de seus 5 anos de idade que, por sua vez, passava o dia todo na creche ou escolinha ou hotel escola, enfim, porra, não sei o nome mais disso. A avó trabalhava de doméstica numa casa de madame longe da cidade e também passava e lavava roupas de estudantes vagabundos de república. Nesse dia em particular ela estava com mais de cinquenta quilos de roupas pra passar e por esta razão me pediu pra ir buscar sua netinha, de nome Amanda, na creche ou escolinha ou hotel escola naquele dia. Não era a primeira vez que eu buscava a menina lá naquele antro de meninos catarentos e barulhentos, de modo que eu já era conhecido pelas professoras. A Amanda, naquela época, era a única criança que eu conhecia. Não, talvez ela fosse a única criança que me conhecia de verdade, e só por isso eu gostava dela, de verdade. Bom, enfim, quando cheguei no local as crianças já estavam saindo e se juntando a seus respectivos pais.
- Vim buscar a Amanda. - Disse para uma professora gorda e com cara de cansada.
- Ah sim, um minuto. - Me respondeu com um suspiro, como se tivesse corrido uma maratona.
Aquele barulho todo insuportável de crianças rindo, gritando e algumas chorando me fez ter por alguns instantes nauseas. Aquele cheiro de giz de cera, massinha de modelar e alcool do mimiografo me fez lembrar da minha infância.
-Tio Xelipe! - Gritou a Amanda que veio correndo em minha direção arrastando sua mochila de rodas. Ela estava gripada e por isso mesmo falava tudo mais errado do que de costume. Me deu um abraço que envolveu minhas coxas e não queria mais se desgrudar.
-Olha, ela tem dever de matemática pra fazer, fala pra avó dela. - Disse a professora.
-Pode deixar.
-Cadê vovó Dinha? - Perguntou a menina.
-Tá trabalhando, agora desgruda pra eu poder te levar pra casa.
Ela me deu a mão e fomos andando. Ela andava muito devagar e a todo o momento me pedia para carrega-la no colo. A inssistência foi tanta que sugeri sentarmos na calçada um pouco pra que ela pudesse descansar. Sentamos na calçada, ela tirou as sandálias e ficou jogando pedras no meio da rua. Aproveitei pra deitar na calçada e curtir um pouco a sombra da árvore em que estávamos embaixo. Ela parou de jogar as pedras e se deitou ao meu lado e ficou lá me fitando até me deixar sem graça. Por fim ela me obrigou a perguntar:
-Que que ce tanto olha menina?
-Seu naliz. É bremeião!
Sim, claro, depois de ter passado a tarde toda bebendo uma garrafa de tinto meu nariz fica um pouco vermelho mesmo.
-Tá... E o que que tem ele assim?
-Palece um paiaço! Ce é paiaço?
Sim, ela era honesta, ainda tinha o compromisso com o que sentia, com o que via, e não fazia menssura de não compartilhar isso com os outros... Quando é que isso acaba nas pessoas?
-Ahahahahaha! Boa! Sou sim princesa...
-Então puque você não sorri?
-Porra, como assim? Não acabei de rir?
-Mas ce não faiz ri! Que cicu você é?
-O circo que eu trabalhava fechou.
-E ce já plocurou otô cicu?
-Não, ainda não.
-AATCHIN!
-Deus te crie princesa...
-Ameín!
-Já descansou né? Vamo bora então!
-Ah não! Num quelo i pra casa!- Dizia isso enquanto calçava suas sandálias.
-Que bobagem é essa agora?
-A vovó semple me pegunta se eu tenho deve di casa. Aí eu tenho que fazê!
Sim... Ela ainda tinha inocência, ainda era dura de caráter, não sabia mentir... Quando é que isso acaba nas pessoas? A avó trabalhava o tempo todo na cozinha passando as roupas, e quando a menina tinha dever pra fazer ficava muito mais fácil vigiá-la. Isso era uma tortura pra pequena que gostava de brincar o dia inteiro com seu cachorro.
-Me mostra o dever de matemática ai vai...
Ela buscou o caderno de matemática dentro da mochila de rodas e me entregou. Nada de mais, mesmo para mim que não sabia muita coisa de matemática ou de algo exato no mundo. Podia fazer aquilo tudo em 5 minutos. Foi daí que tive uma idéia.
-Vem comigo Amanda.
-Onde qui a gente vai?
Estava levando ela num pequeno armazém que tinha numa esquina perto de casa. Chegando lá me sentei na calçada e entreguei 5 reais para a Amanda gastar com o que ela quisesse lá dentro. Fiquei esperando ela do lado de fora com seu dever de matemática em mãos. Fiz todo o dever. Ela voltou com dois pacotes de salgadinho e um saco de papel lotado de balas. Me entregou um dos pacotes e eu devolvi pra ela. Sim, ela ainda tinha decência de se lembrar dos outros... Quando é que isso acaba nas pessoas?
Entreguei o caderno com o dever de matemática pra ela. Ela guardou e nem desconfiou de nada. Sim, ela era pura, quando é que isso acaba nas pessoas? Fomos embora pra sua casa e sua avó já estava maluca atrás da gente.
-Oceis que me mata! -Disse a velha aliviada por nos ver.
-Calma dona Dinha, tava dando uns agrado pra menina.
-Ela vai fica mal acostumada com isso! É por isso que ela gosta do cê, ce vive comprando essas bestera pra ela come!
-Tá bom, tá bom...
-Tem dever hoje? - A velha me perguntou.
-Tem de matemática. -Respondi.
A menina soltou um suspiro enquanto descascava uma das balas. Despedi da velha e Amanda me abraçou. Falei pra ela ir brincar com o cachorro dela. Ela disse, relutante, que tinha dever pra fazer. Quando é que o medo quebra a vontade? Não disse a ela que tinha feito o seu dever. Queria que ela tivesse uma surpresa. E teve, claro que teve, pois naquela mesma tarde, enquanto eu estava sentado na calçada esperando qualquer coisa eu a vi brincar na garagem de sua casa com o seu cachorro. Ela me olhou e me deu um tchau com as mãos. Eu dei outro e ela continuou a brincar com o cachorro.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 30 de junho de 2009

Da leveza.

Há a brisa
Há o mar
E há a moça.
Mas os três em separados não são.
Não são aquele espetáculo esperado.
Há o cheiro, há o momento pausado.
E há o encontro do vento.
E a brisa ao rosto
Soprando os cabelos
Agora há a magia, há aquele gosto.
Ei-lá!
Mágicamente leve
Ei-lá!
Magia pura.
Ei-lá!
Navegando a passos lentos
Atravessando a vida
Como uma força maior que o próprio mistério
Como se levada pela Verdade
Como se soubesse de algo a mais
Como se trouxesse a imortalidade
Aos pobres mortais.

Felipe Ribeiro

domingo, 21 de junho de 2009

Aos que voam.

Há pessoas que tem mais vida do que as outras...
São mais leves que o ar...
Mais brilhantes que um raio...
Tão quentes como fogo...
São cintilantes, pequenas estrelas na Terra.
Dançam como uma pluma perdida ao vento...
Não se cansam de encantar...
Há pessoas que salvam o mundo sem ao menos o sabe-lo.
Há pessoas que salvam a si mesmas sem querer.
Vivem apenas todas as intensidades que lhe são permitidas...
Dançam com a vida...
Riem da morte que espera a sua vez de dançar.
São indiferentes a tristeza
Porque o tempo não deve ser preenchido com lamentações.
São pessoas essenciais...
Porque são belas
Porque são arte
Porque são amor
Porque são força
Porque são vida
Porque são leveza
Porque são alegria
Porque são gentileza
Porque são compaixão
Porque são luz...
Luz na escuridão.
Do tédio supremo
Do sim elas são o não.
E do não elas são o sim.
São flechas, pedras.
São a perfuração, o rasgo.
São as que ferem com a maciez
Do toque da magia vital.

Felipe Ribeiro

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Extremus.

Sempre quando tratamos como nunca
É quando nunca tratamos como sempre.
E alguém que trata tudo como nada,
Alguém que trata todos como nenhum,
É um alguém que vê o nada como tudo,
Alguém que vê os outros como ninguém,
É alguém, simplesmente alguém.
Sozinho.
E ninguém é alguém, sozinho.
E sozinho é alguém que não é ninguém.
E assim tratamos os nossos semelhantes.
Ao preço de nunca, nada, basta.
Nos extremos entre o nada e o nada.

Felipe Ribeiro

quarta-feira, 10 de junho de 2009

À moça mais cheia de graça que eu conheço.

Os olhos dela são como doces jaboticabas.
Grandes e flutuantes...
Em meio a pele clara...
E o seu sorriso é como uma espada vibrante...
Corta suavemente o ar, a pele, a alma, a fala...
Sua voz é tímida...
Seus passos poucos...
Sua vontade é mínima...
Seus sonhos loucos...
E em meio as tentativas há a esperança...
E em meio a vida há temperança...
E em suas convulções internas há o quanto pediria...
Para mostrar o quanto poderia, o quanto deveria...
E se sente o calor...
E se sente o valor...
E se sente o terror...
E se sente o amor...
E no fim acaba se sentindo...
Vivo...
Tão vivo que você se sente mentindo...
Para algo mais sublime que a beleza, que a vida...
Para o todo que é visto por sua própria vista...
E é ai que você busca melhorar...
É ai que você busca achar...
O seu melhor.
O seu pior.
Ou o que há.
Se há.
Que seja.


Felipe Ribeiro.

domingo, 7 de junho de 2009

De cada dia.

Aquelas velhas contradições...
Paixões, desejos, terrores...
Tudo isso misturado a projetos de existência...
De valores...
Fundamentais corações...
Murchos ou cheios de vida, clemência...
Vivendo mais um dia...
Esperando mais um brilho, um momento...
Indo e vindo...
Absurdos tormentos...
Bons, ruins, vazios...
E o vinho tinto ali...
Como uma val...
A iluminar o oceano tedioso do mundo...
E dar um vislumbre que seja vital...
Aos bons, aos fracos, aos fortes, aos maus.
Aos que esperam pelo próprio futuro...
Ou a apenas um milagre...
Homens e mulheres com vontade...
Só vontade...


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Quando se está certo.

Há algo de encantador quando se esta perdido...
Na verdade quando se esta indeciso...
Pois perdida a pessoa nunca esta quando se apaixona...
Aquela sensação, aquele impeto contido...
Aquele suor, e aquela mania maluca de achar que estamos enganados...
A todo o instante...
Não significam nada...
Pois no fundo sabemos muito bem o que queremos...
E talvez seja por isso que nos sentimos tão amedrontados...
Cuidamos de nossos passos
De nossas palavras
De nossos olhares...
Tomamos uma grande parte do tempo em suspensão...
Suspensão que nos deixa parados
Sem nenhum movimento...
Apenas o sorriso amarelo do fracasso
Da raiva interna pela falta de coragem
De seguir firme os gritos da vontade do coração...
E no instante da fagulha nos sentimos perdidos
No instante da fagulha nos sentimos desamparados...
No instante... Pequeno instante...
Ao qual todos vivemos para viver...
Nos sentimos vivos...
Vivos em dor...
Vivemos pela fagulha...
E ela dura o instante da coragem...
Da coragem de cada um...
E também do medo de cada um...
É o único momento em que se confundem essas duas forças...
E o tempo simplesmente é indiferente...
Não quer saber qual das duas prevalecerá...
E é ai que você se sente só...
Pois é daí que parte toda a sua ação...
Toda a sua responsabilidade...
Todo o seu desejo...
Todo o seu medo...
Toda a sua alma...


Felipe Ribeiro

terça-feira, 26 de maio de 2009

Carta ao contribuinte.

Há algum tempo eu já venho dizendo a mim mesmo o quanto me sinto sujo. Isso se reflete mais na faculdade em que estudo história ou coisa parecida, enfim...
Nessas circunstâncias eu observo algumas pessoas que se dizem estudantes, em sua maioria composta por adolescentes que falam asneiras sem o menor pudor, tão tapados que não conseguem enxergar a própria sujera em que rolam. Digo isso porque a faculdade em que estudo é federal, ou seja, ela é sustentada por dinheiro público que por sua vez é derivado de impostos que, por sua vez, vem dos bolsos de quem trabalha. E esses impostos em sua maior parte vêm dos bolsos dos pobres, porque os pobres são quem mais pagam impostos no Brasil. A classe média, o cachorrinho desmamado que vive querendo entrar na fila dos cachorrinhos que mamam nas poucas tetas que há para todos, vive reclamando dos impostos, mas os mesmos só atrapalham na compra de suas futilidades, então para o pobre é muito mais pesada a carga tributária. Enfim, neste sentido me sinto um tanto quanto perverso por estar utilizando o dinheiro dos pobres em encheção de linguiça em projetos que não vão dar retorno nenhum para a sociedade. Projetos esses que só servem para enriquecer um currículo que vai ser usado apenas e tão somente por e para mim mesmo na esperança imbecil de tentar o mestrado e mais tarde um doutorado para me livrar de dar aula em ensino público e viver de uma aparente competência acadêmica. De fato o pobre ajuda a auxiliar nessa desgraça toda ao pagar os seus impostos, ao ser honesto em manter, inconsciente do fim do seu dinheiro, essa picaretagem toda que acontece dentro das universidades federais. E como o canudo de uma universidade federal tem mais prestígio o pobre ajuda a bancar, indiretamente, a formação do idiota que vai um dia falar na sua cara: "Sabe com quem está falando?" Essa pervesidade só é possível graças ao jogo de disputas por poder acadêmico/político interno que ocorre nas universidades e que deixam cegos de ganancia algumas figuras que de fato venderam sua alma para a fama e para a glória de se passar por mais um especialista em tal assunto inútil para a sociedade em geral. Gastamos o dinheiro público em conversas e estudos vazios de sentido político, vazios de valores éticos e de comprometimento social. Claro que isso que estou dizendo é generalizante, ainda há alguns projetos que salvam e que tem esse compromisso com o social. Mas o que me deixa mais angustiado é o fato de que no curso de graduação em história, doravante um curso estigmatizado, principalmente pelo seu passado, como um curso forte e que é constante nas lutas pela justiça social, vermos tão poucos projetos com essa finalidade política. Parece mesmo que a maior parte dos novos alunos não tem idéia de seu custo social ao sentar a bunda na cadeira de uma universidade federal. O minimo que eu posso fazer aqui é pedir desculpas pelo mal uso do dinheiro dos impostos, pelo mal uso do meu tempo, pela oportunidade perdida quando poderia contribuir na mudança de alguma coisa nesse mundo injusto, pela comodidade que um canudo parece dar àqueles que estudam, pelo mal uso de todo o conhecimento acumulado durante 5 anos de estudos. Ah, e é claro, desculpem a minha hipocrisia...


Felipe Ribeiro

domingo, 24 de maio de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 5.

-Escuta aqui eu não quero criar caso! Você pegou ou não na bunda da minha mulher?
Olhei bem pra onde o sujeito estava apontando. Era uma loira linda, coxas grossas, firmes, seios medianos, rosto diabolicamente angelical.
-Olha... Não tive essa sorte... ainda...
-Escuta seu bosta, quero saber quem foi que pegou na bunda dela!
-Por que heim, quer que ele pegue na sua bunda também?
Nisso o pessoal começou a rir. O sujeito ficou puto. Me deu uma gravata e disse:
-Repete seu filho da puta!
Bom, não dava pra repetir, eu tava ficando roxo e sem ar. Enfim alguém colocou a mão no ombro do cara e o acalmou. Me desvencilhei dele e voltei a sentar no sofá.
-Quem foi que encostou nela!?
O cara era um babaca. A mulher estava quase estourando pelo tanto que ele inflava seu ego. Ela gostava de confusão e acho mesmo que ninguém encostou na bunda dela. O pessoal lá era de paz, não eram folgados a esse ponto. O cara só veio tirar satisfação comigo porque, penso eu, tenho cara de tarado e sou muito fraco pra tentar bater nele. Enfim, ele continuou com o interrogatório.
-Quem foi que encostou nela?!
O anfitrião tentou acalmar o cara. Não deu muito certo. Enfim o cara apontou o dedo pra mim e disse:
-Você tá fodido! Você tá fodido!
-Porque você não pergunta pra ela? - Sugeriu uma das moças que estavam na festa.
A loirona disse que não sabia, mas tinha certeza que pegaram nela assim que eu sai da cozinha e passei por detrás dela. Bom, o apartamento estava cheio de gente, poderia ser qualquer um.
Dei de ombros e continuei bebendo a cerveja. Ele e sua mulher tesuda sairam do apartamento onde estava rolando a festa. Um amigo meu me perguntou se eu estava bem, respondi que sim. Todos me olhavam como se eu estivesse a beira da morte. Era pra eu me sentir assim, um condenado? Enfim, deixei pra lá. Um relacionamento assim, movido ao vampirismo de uma mulher que se alimenta de ciumes e orgulho de ser protegida, merece toda a minha pena.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 19 de maio de 2009

Enquanto o sol não aponta.

O mundo é dos melhores...
Essa é a máxima da História...
E enquanto isso há os escravos...
Do belo, do máximo...
E do estúpido.
Enquanto isso há os fiascos...
Felizes como podem, contentes com o mínimo...
Com o pouco respeito que conseguem de si mesmos...
E com a moral que vos regem...
Enquanto isso há os zombeteiros...
Verdadeiras fraudes, opacos, sujos...
Sem a menor autonomia de movimento...
O mundo foi feito para esses que tentam...
Tetam ser o que nunca poderiam ser...
O auto engano, o fulano de tal...
Doutô e o escambau...
Enquanto isso há os fiascos...
Corajosos na medida em que se manifestam...
Virtuosos na medida em que vivem...
Na medida em que engolem toda a merda...
Há os virgens, os drogados, as loucas e os esfarrapados...
Há os feios, os muito gordos, os muito magros, os tortos, os fracos...
Há aqueles que apanham só porque saem de casa...
Os que nem mais temem ser maltratados...
Os que se acostumaram com a desgraça...
Esses são os fiascos...
Mas antes eles do que as fraudes...
Os que se negam...
Os que ostentam coisas...
Como fama, familia, carreira, mulheres, carros, televisões...
Ternos, charutos, perfumes caros...
E um mega crédito...
Esses são os melhores...
Os que mamam das tetas da generosidade...
Salutares, cults, artistas, polivalentes, especialistas!
Cheirosos, extravagantes, empinados, armados de blasé...
Como diria uma grande amiga...
Prefiro ser um fiasco a uma fraude.
Então... Fica aqui minha solidariedade...
Boa sorte!


Felipe Ribeiro

sábado, 9 de maio de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 4.

Eu estava tentando imaginar algo que me deixasse melhor e provar, sem sucesso, pra mim mesmo que não sou de todo inútil. Obviamente estava esperando a tontura do vinho vagabundo de dois reais passar, sentado num ponto de ônibus às 2 da madruga quando, no outro banco do ponto, sentou-se um senhor mal trapilho que cheirava a urina. Barba um tanto quanto comprida para os dias de hoje, toda desarumada, de um amarelo quase branco. Estava usando uma sandália já ha muito desgastada e realmente ele parecia não se importar muito com isso. Então ele começou:
- Ô colega, me vê um gole!
Passei-lhe a garrafa de vinho.
- Do bão, do bão!
Respondeu depois de uma longa golada.
-Toma ae!
-Pode ficar...
-Opa, tá com nojo da minha boca?
-É claro que tô... E outra, eu já to meio tonto, não quero ficar mais a ponto de dormir na rua.
-Cê num sabe o que é fica tonto...
-É... tanto faz.
-Aê, que um toque?
-Fala.
-Vai toma no seu cú, você não sabe de nada.
-É...
-Morô?
-É... to sabendo.
Nisso eu comecei a refletir sobre a constatação daquele nobre senhor. Comecei a rir porque ele tinha razão. Ele me olhou com um sorriso perceptivel no meio daquela barba oleosa, deu uma piscada com o olho direito, e bebeu outro longo gole. Depois começou a rir, não parava mais de rir em meio a pigarros barulhentos e consistentes, olhava pra mim, apontava o dedo pra mim, e ria. Rimos juntos. Sabiamos de tudo, derrepente, sabiamos de tudo, tinhamos essa sensação. Ele escarrou o nariz muito alto, cuspiu no chão e se levantou.
-Falou vacilão!
Disse ele rindo pra mim.
-Falou maluco.
Subiu a avenida e nunca mais o vi de novo.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Regina

Regina foi uma das minhas melhores fodas. Ela era uma moça alegre que tinha ataques de risos, verdadeiras explosões de gargalhadas que geralmente eram tidas logo depois que ela falava algum absurdo. De fato, nunca vi ninguém dizer tantos absurdos como a Regina. Mas isso não fazia com que ela merecesse menos consideração. No fundo a maioria de seus absurdos fazia todo o sentido se se pensado e analizado anos depois, com outra cabeça. Nada tirava aquele sorriso insano de sua boca, nada fazia com que ela tremesse, nada podia tomar conta de seus impulsos. A gente geralmente conhece uma pessoa pelo impulso que ela deixa escapar, e todo o impulso que Regina tinha era ou para o bem do próximo ou para a loucura exagerada do belo. Ela deveria ser uns 4 anos mais velha do que eu. Ela sabia das coisas, sabia muito bem o que queria e não queria muito, só ser feliz no momento presente. Isso fazia dela uma moça muito espontânea e quando algo impedia ela de ser feliz ela fazia como a água: Contornava tudo, infiltrava nas brechas, nas fendas que existiam nos problemas que possibilitavam algum escoamento para a sua ambição de ser feliz. Ela enfrentava o problema pra ser feliz, isso é o que um guerreiro faz. E assim como a água a Regina secou. Encontrei-me com ela alguns anos mais tarde, talvez uns 8 anos, não sei, e pra minha desagradável surpresa ela havia mudado. Não sorria mais com o mesmo brilho, não gritava mais de alegria e saia correndo como uma galinha sem cabeça ao encontro dos amigos, não dizia mais absurdos! De fato isso é que era um absurdo. Sua fala era seca, simples e, pior de tudo, coerente, tristemente coerente. Havia menos utopia no seu tom de voz, havia menos ambição de ser feliz no momento, naquele momento, em qualquer momento ouso dizer. Ela tinha casado, estava com dois filhos mas não parecia que isso a fazia feliz. Parece mesmo que o tédio da vida com começo meio e fim certos tinha tomado conta de seus impulsos. Fiquei triste por ela. Regina, a mulher que trocou o colorido pelo cinza, o belo pelo trivial...

Felipe Ribeiro

domingo, 3 de maio de 2009

Da nossa misera Alma.

Aqueles que vivem a sua dor...
Podem vive-la muito bem...
Se souberem o que fazer com ela;
Se souberem se comportar com ela, apesar dela.
Essa seria a solução dos nossos problemas, talvez...
Mas isso pode, com toda a certeza, trazer novos problemas...
Mas, porra...
A vida é isso...
Só somos porque somos.
Sempre ha uma maldita dor.
E isso é porque somos eternos insatisfeitos.
E o somos porque somos eternos gananciosos...
A vida depende muito de como a fazemos.
Apesar de saber bem que não temos controle nenhum sobre as consequencias.
Mas, quem sabe, sobre as escolhas?
Bom, ai se encontra outro problema...
Sempre nos esquecemos que toda escolha tem uma consequencia.
E isso nunca podemos prever...
Ora, porra, se pudessemos preve-la nunca sairiamos do lugar.
Porque a gente simplesmente age, sem pensar na maioria das vezes...
Movidos sempre pelas possibilidades, seja lá qual for.
E o mais desesperado de todos é o que joga pra acertar, querendo acertar.
Significa que quer o poder.
E a gente não tem isso...
É uma ilusão e geralmente a gente sabe disso...
Porque a gente logo perde o tesão da coisa...
E procura mudar.
Dae vira vício.
Como num maldito jogo.
A vida é um grande jogo.
Quem ganha?
Quem simplesmente é limitado.
Por saber exatamente o que quer.
A vida pra esses é simples.
Opaca.
E possivel.
A felicidade é o consolo deles...
E a perdição dos que não tem limites.
Essa mesma felicidade que queremos sem contar os custos.
Instantanea, ahistórica...
Nunca contamos os custos dela, talvez porque nos deixaria infelizes.
Vivemos desperdiçando...
O melhor e o pior de nós mesmos.
A preço de miragem...
De gozo.
De falsidade.
É por isso que gostamos de não gostar...
Gostamos de reclamar...
Gostamos de gastar nosso gosto...
Eternamente em erros...
Em descrenças que são alimentadas com toda a fé
Da crença necessária para fortalecer a nossa dor...
E esconde-la de mais ninguém...
Porque só cabe a nós sentirmos isso...
A falta eterna...
Do vazio cheio de si.
Da conformidade com a velha e inseparavel...
Miséria.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 28 de abril de 2009

Da indiferença da coragem.

Ser é querer... Quando não se quer não se está em si. Isso explicaria muito a maior parte do meu tempo, do seu tempo, do nosso tempo. O tal do sacrifício para uma vida feliz não faz o menor sentido se não for querido. No entanto o que mais vemos são pessoas decepcionadas, insatisfeitas e constrangidas por serem tão infiéis ao seu próprio bem. Aí se encontra um outro tipo de problema: O de não saber o que querer. Isso, em minha opinião, é processual, efeito de uma causa bastante cruel, mas que naturalizamos a tal ponto em nossas vidas que sequer pensamos que possuimos: O medo. A disciplinarização meio que forçada pela naturalidade da ignortancia de nossos anseios nos transformou paulatinamente em pessoas receosas, indiferentes às próprias vontades e projetos. O que de fato levaria uma pessoa a colocar por 8 horas seguidas por dia a sua bunda numa cadeira pra ficar ouvindo reclamações de pessoas insatisfeitas senão o medo? Medo da mudança, de sair por ai, de pensar... Preguiça? Não, apenas uma grande dose de intolerancia para com sua capacidade, apenas uma dose de indiferença à sua necessidade mais elementar, essencial... E assim vamos nos esquecendo daquilo que nunca fomos para nós mesmos, talvez só em pensamentos ou em devaneios diante da brutal realidade da escravidão dos sentimentos perversos de caráter duvidoso, egoísta e simples... Cíclico e razo, vazio e insassiável. O que te faz querer, o que me faz querer, o que nos faz querer? O que é querer senão atender a vontade da coragem que grita constantemente dentro de você, de mim, de nós? Do bom senso, da paz interna em saber que isso tudo ao qual estamos sujeitos, e pelo qual não fazemos respeitar a nós mesmos, não passa de vazio, de totalitarismo da vaidade e do orgulho?
Saibamos atender o que mais queremos. Saibamos ser isso tudo que queremos ser... E eu acredito, ainda, que o que todos querem é o próprio bem. Porém, esse mesmo bem foi desvirtuado e confundido com egocentrismo. Vivemos por que estamos em relação, caso contrário comeríamos os olhos uns dos outros, ainda que esta realidade não esteja muito longe de acontecer literalmente. Queiramos então viver corajosamente a nossa humildade em reconhecer que não somos nada se não somos tudo uns com os outros.


Felipe Ribeiro

sábado, 25 de abril de 2009

À única.

Há vida no caos...
Há paz no caos...
A paz é uma estaca no olho do furacão...
Rodeada de desesperos...
De portas fechadas...
De velocidade nauseante...
De flechas salpicando venenos...
E você tendo que se virar...
Há vida no caos.
Há paz no caos.
O que se propõe é o que importa...
Mesmo estando voando em meio aos escombros...
Mesmo estando fora de si...
O que se propõe...
Ser mais de si...
Aceitar acreditar
Se permitir
E se fincar
Na mudança.
E se findar.
Na ignorância de não ser mais do que se é...
Cada vez mais...
A todo o momento.

Felipe Ribeiro

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A jaula aberta.

Chorar pelo tempo perdido em brigas, indiferenças e afins é fácil, difícil é você aceitar o quão estúpido foi em perder tanto tempo com esse tipo de empreendimento. Esse é o tipo de coisa que aceito facilmente, mas mesmo assim, devo confessar, ainda me dói. É aquela história de catarse... Ela estava recomeçando na medida em que esvaziava mais e mais copos. Na verdade acreditava apenas estar criando justiça para comigo mesmo, algo como um tribunal em minha vida que decretasse que eu estaria condenado a beber e a ser infeliz por um prazo estipulado pela força da lembrança da cagada feita, algo do tipo que perdurasse até que me redimisse e me fizesse voltar a ser mais uma vez a mesma e velha pessoa de sempre; ou seja, aquela livre para errar e livre para aceitar seus erros como uma espécie de permissão permanente que a vida traz a todo o instante em que você se atreve a viver.
O atrevimento, ao meu ver, é libertador. As pessoas admiram os atrevidos confundindo-os com os corajosos e duros de caráter. Eu acredito que o atrevido não é corajoso, mas apenas honesto para consigo, ele apenas cumpri um compromisso firmado a base de sinceridade por e para si mesmo. A maioria das pessoas são medrosas, não almejam nada por conta própria, são infiéis a si mesmas. Sinto pena desse tipo de gente. Nunca sentirão o gosto da vida e das possibilidades escondidas em si mesmas e que nem sonham possuir, do projeto autentico que só o atrevimento pode trazer. Abdicarão o auto-conhecimento em nome da ilusória e comoda segurança. Um brinde a todos os cagões, eles me fazem sentir menos miserável e infeliz. Digo com toda a confiança que antes infeliz do que escravo da segurança ilusória que o medo teima em confundir quando chama de prudencia. Peço outra cerveja. Bebo outra garrafa. Recomeça a catarse expurgadora das lembranças que outrora foram vividas verdadeiramente com todo o atrevimento de que necessitavam para romper a barreira fria da trivialidade murcha e mortal.
A vida é assim... Valorizamo-na quando perdemo-na. Não deveria sê-lo, mas só assim para aprendermos algo na vida... Como um querido amigo meu me disse uma vez (na qual foram suas ultimas palavras dirigidas a mim depois de saber que ele morreria alguns meses depois) : Só se pode aprender por duas vias nesse mundo; pelo amor ou pela dor. A escolha que fazemos não importa, o que importa é termos humildade em aprendermos a mudar com aquilo que aprendemos...


Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ao que clamo!

Olhe então para o seu lado.
O que não lhe é permitido.
Procure imaginar apenas o que não está.
E verás o infinito.
Talvez quem sabe vislumbraria um pouco.
Das barbas do gênio.
Das lágrimas do louco.
Do conflito e do tormento.
Mas para tanto teria que sofrer.
Com a dor e o ressentimento.
Para que tanto nisso pudesse crer.
No mundo dos firmamentos.
Pareceria loucura se não fosse invisivel.
Mas a loucura está em pensar demais.
E sentir de menos.
E quanto mais gosto eu sinto.
Mais afogado eu me encontro.
Nos gestos, nas luzes...
No estrondo.
E, senão vejamos...
Partilhamos da banalidade.
E por ela nos esqueçamos...
Do quão frutífero é a vontade.
De querer, no mínimo querer...
De se ter o mínimo.
E sonhar com no máximo o impossível.
Naufragar no veio, cuspir o sal.
Partir da ausência.
E buscar o essencial.
No caos do improvável...
Ter o sonho dos bravos.
Que não somente buscam.
Mas tornam-se real.
Aquilo que não pode...
Aquilo que não pode...
Por que não poderia?
Qual a regra, a mais valia?
Por que não pode?
Qual o medo que explode?
Qual o medo que lhe implode?
Qual o fantasma que o sacode?
Qual o chicote que te orienta?
E que direciona todos os seus movimentos?
Buscai aquilo que te alimenta!
E não o porque do seu sofrimento.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 7 de abril de 2009

Ao que busco!

Andando na avenida...
Suando ao sol...
Buscando a vida.
Ou um poema imortal.
Sentando no banco...
Caçando a razão como um chacal...
Buscando o quando...
Ou um poema banal.
O que viesse...
O meu atiço...
O que me marcasse, quem sabe...
Apenas isso.
Mas eu era só.
E mais uma vez gritei
Mais uma vez virei pó
Mais uma vez chorei.
Penei
Amargurei
vivi
ri
sofri pra não sofrer
Por um gosto que pudesse
Fazer em mim feliz o viver.
E não o não
Do em vão
Da auto comiseração
Solidão.
Era isso... mais uma paixão.
Tola, fresca, barata... Imunda
Fétida, gasta...
Sagrada.
Profunda.
Nua.
Crua.
Insana.
Profana.


Felipe Ribeiro

sábado, 4 de abril de 2009

Gênios perdidos.

Certa vez, cansado de esperar com uma senha na mão o atendimento de mais uma instituição estatal falida de serviço jurídico, me sentei numa praça lotada de gente que ia e vinha e fiquei a contemplar as coisas... Você sabe, as coisas... Os pombos brigando por um pedaço de salgado jogado fora, as velhas gordas e fumantes esperando o ônibus no ponto entupido de gente, os rapazes com suas pastas e seus perfumes baratos que poderiam jurar dar alguma esperança de dignidade para aquelas almas perdidas, as mocinhas que iam e viam com seus rebolados que quase diziam desesperadamente "socorro me dêem uma alma"... Enfim, foi numa tarde dessas que pude ter a sorte de escutar uma conversa entre dois distintos cavalheiros que com bastante dignidade fumavam seus baseados tentando se livrar de uma provável ressaca. Poderia dizer que de uma forma até romantica eles estavam tratando de filosofar a respeito do mistério do mundo. Era mais ou menos assim:
-Cara... Que que é a vida ô meu!
-Vixe... Vixe!
-Cara... Que doidera!
-Vixe, vixe!
-Que doidera...
-Cara... a vida é isso ae...
-Heim?
-Viche... Nu!
-Heim?
-É isso ae ô... O ar, olha o ar... quando ce bota pra dentro ce come a vida...
-Heim?
-É... porra, o ar, é.. isso ae!
-Viche! É...
-Num é?
-Viche... é...
-A vida tá ae ô... Olha ela ae!
-Vi... Porra... ce tá me tirando!
-Tirando o que rapaize... olha ela ae!
-Hum... é... to oiando...
-Viu?
-Soah...
-Viche rapaize... veio com tudo agora!
-Heim?
-Ela vei com tudo!
-Ahhh... vai se fudê...
-Viche, viche...

De uma forma um tanto quanto satisfatória eu vi ela vindo com tudo. E aquela tarde ficou mais saborosa, de certo modo, mais saborosa. O mundo está cheio de gênios, foi a minha conclusão.


Felipe Ribeiro

domingo, 29 de março de 2009

Mulher

Eu gosto da mulher.
Das pupilas puras
Dos suspiros que vier
Suas curvas nuas
Daquele cheiro suave, dormente.
Dos lugares frios.
Dos lugares quentes.
Da voz aflita.
Da voz carente.
Da voz que grita.
Do gemido.
Da barriga suada.
Da vontade de ser amada
E de tornar tudo um perigo.
Num sorriso.
Paraíso.
Paraliso.
Precipicio.
E no deleite nos arremessamos.
Morrendo na queda.
E por mais que esperamos.
Vivemos por ela.
Para ela.
Somente nela, em suma.
Toda ela.
O jeito de andar
Respirar
Falar
beijar
gritar.
Indiferentemente.
Ai esta.
Vida de repente.

Felipe Ribeiro

sábado, 28 de março de 2009

Como perder um amigo e ganhar a paz.

-Qual a sua opinião a respeito da atual conjuntura política dos EUA?
-Oh meu... vá se foder!
-Cara, você não lê os jornais?
-Porra... lá vamos nós de novo...
-Cara, é importante sabermos o que acontece no mundo, não? Onde está o seu engajamento político?
-Tá aqui ó... - Mostro-lhe o copo de cerveja.
-Cara... Enfim... Bom...
-Vamos lá, se esforce mais... Você sabe que pode ser melhor que isso...
-Como assim?
-Cara, aprenda a conversar com as pessoas... Isso que você está tentando comigo é papo furado, e você sabe disso. Pra que alimentar conversas vazias que não vão fazer a menor diferença para o mundo?
-Vazias? Acha que eu sou vazio?
-Mas é claro que acho.
-Com que autoridade você fala isso?
-Com a autoridade do meu saco que está prestes a explodir.
-Você é uma pessoa muito incoviniente... Você vive bebendo, vive calado, vive cagando pro que há de errado no mundo!
-Opa, com que autoridade você fala isso?
-Eu, não sei se você sabe, dou aula em um cursinho alternativo e filantrópico! Conheço as pessoas carentes que vão lá para melhorar a própria perspectiva de vida e...
-Meus parabéns. Pessoas carentes né, tá bom... Agora tenta me responder a pergunta que te fiz, não jogue na minha cara que você conhece a desgraça do mundo porque você não conhece.
-Eu tento mudar as coisas! E você, conhece a desgraça do mundo?
-Tenta o caralho! Você só tenta se enganar, só procura varrer a sua própria sujeira pra debaixo de uma aparência de bom samaritano, você é um filho da puta! Usa discursos humanísticos, bons discursos para tentar preencher a vida fútil e inútil que você vive constantemente. E já basta conhecer pessoas como você pra dizer que sim, conheço a desgraça do mundo. Você fede, cai fora da minha frente.
-O que?!
-Voce é uma anta... Cai fora da minhas vistas.
-Repete! Repete seu filho da puta!
-Vo-cê é uma an-ta...Cai fora das minhas vistas.
-Eu não vou brigar com você... Não compensa sujar minhas mãos.
-Tá bom, faça como quiser.
Passou-se um tempo, chegou outro amigo meu e começou:
-Cara... Vocês brigaram mesmo?
-Não.
-Então porque ele vive falando mal de você pelas costas?
-Porque ele se sentiu ofendido, porque ele tem espinha na bunda, porque a mãe dele é uma puta, porque o cachorro dele é um viado, porque a namorada dele o chamou pelo nome do ex... Enfim, vai saber. Todos nós avolumamos nossos problemas de uma maneira tão imbecil que o problema de um dirigente de estado pode parecer uma conversa produtiva, uma fuga necessária para liquidarmos com a nossa improdutiva maneira de nos portarmos perante nossos problemas pequenos e inúteis...
-O que?
-Nada... Pega um copo.

Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 27 de março de 2009

No escuro da tarde.

Não consigo tirar os olhos da parede.
Sei que ao seu lado tem uma janela.
E fora da janela há uma vista.
E eu fujo dela.
Estou em frangalhos.
Nem meu vício me reanima.
Perdi a teia dos fatos.
Estou a deriva.
E lá fora esta a vista.
Pessimista ou otimista.
Esta lá fora.
Converso com meus medos de outrora.
Eles me definham cada vez mais.
E não posso ter acesso ao que sou capaz.
Pois já me esqueci do que era.
Já me esqueci do que fui.
E do que me faz.
Talvez nunca me vi.
Talvez nunca escolhi.
Talvez sempre fiquei a deriva.
Desse grande fluxo da loucura.
Do amor, da paz, da ira.
Coisas que nunca estive a procura.
Ou que talvez já tive contato e perdi.
Perdi na memória do fato.
No ato, no contato, no obstáculo.


Felipe Ribeiro

domingo, 22 de março de 2009

A fronteira.

O que me limita não é o querer...
Esse sempre ultrapassa as barreiras
Como um fantasma ultrapassa a parede.
O que me limita é o poder...
Esse sim menor que as fronteiras...
As fronteiras do mundo, da rede dos sonhos.
Dos tão necessários sonhos...
Que adoçam o fel do murmúrio...
Que nos dá voz quando silenciamos
Que nos dá força quando precisamos
E ação quando paramos.
A prisão do mundo se desmancha no sorriso.
A visão do Todo se esparrama no aflito.
E tudo que nos cerca se refaz quando pairamos na sujeira.
Ha sonhos tão reais que duvidamos que o sejam.
E eles estão ai, o tempo todo, nos confundindo.
Nos fazendo sofrer pelo prazer do pranto.
Nos fazendo crer que há encanto.
E esse é tão real quanto nosso próprio sonho.
Por mais que ele o seja banal.
Ha momentos que, expelindo...
Ele se torna carne, dentes...
Febre e sorriso.

Felipe Ribeiro

quinta-feira, 19 de março de 2009

O Balde.

A corda estava esticada ao máximo.
E na ponta alguém empurrava a manivela.
Fez-se um estrondo.
E o choro da corda sendo enrolada aumentava a esperança.
Por fim o balde trazia apenas poeira.
Não havia naquele buraco água.
E todos sabiam disso.
Mas no entanto alguém ousou empurrar a manivela.
Alguém ousou fazer chorar a corda.
Alguém ousou fazer o estrondo.
Alguém ousou tirar o balde.
Alguém ousou tirar-lhe a poeira.
E amarrá-lo em outra corda.
Jogá-lo em outro buraco.
E puxar água.
O balde era o mesmo que outrora carregava poeira.
Só estava no fundo do poço seco.
Esperando para ser puxado
E usado naquilo que fora feito para fazer.
As coisas inanimadas dependem da escolha alheia...
Para se tornarem úteis e animadas, meio vivas.
Esses seres meio vivos ajudam os vivos inteiros.
Mas os vivos inteiros nem sempre ajudam seus semelhantes.
Talvez dependam de escolhas alheias ainda
Para se tornarem úteis, animados...
E deixarem de ser meio mortos...
Ou tão menos vivos do que um morto inteiro.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 17 de março de 2009

Ligeira Esperança.

Há em todos uma vontade.
Há em todos um querer maior que as forças.
Há nisso tudo uma ligeira esperança.
E é nela a quem todos confiam.
E é nela a quem todos se agarram.
Há nas manhãs a melancolia do açoite.
Há nas tardes a melancolia do relógio.
Há nas noites o desespero do açoite da manhã.
E nos agarramos mais ainda na ligeira esperança.
O mar de tolices que quase engolem a ilha da razão.
A montanha de tolices que tampam o sol da ilusão.
E vivemos na sombra de nossos medos.
E todos os nossos medos são nossos sonhos mais profundos.
Ligeira esperança...
Está dentro de nossas mãos fechadas...
E nossas mãos não se abrem, estão congeladas.
Paralisadas, enterradas no gelo seco da vergonha.
Da vergonha de ter sonho.
Da vergonha de ter medo.
E da própria vergonha de ter vergonha.
Há em todos nós a vontade...
E a vontade de ter vontade própria.


Felipe Ribeiro

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ao bêbado.

Ele tinha os olhos apertados
Pequenos, como se vissem luz
O tempo todo.
Ele balançava pra frente e pra trás
Quando ficava parado
E ao andar parecia uma garça
Com o S de suas costas.
Sempre que era chamado
Sorria sem mostrar os dentes
E seus olhos quase se fechavam.
Rugas corriam pelo pescoço vermelho
E quando sorria mostrava rugas profundas.
Vestia a mesma roupa durante semanas
Meses quem sabe.
Um fedor acre, ardido
Misturado a um forte cheiro de alcool
O preenchia por inteiro.
Suas mãos inchadas, suas unhas pretas
seus pés imundos
Seus chinelos gastos
Tudo nele fedia a isso.
E quando o chamavam ria sem mostrar os dentes.
Nunca consegui entende-lo.
Só ria quando chamado.
Talvez ele ainda ria por saber que ainda não desaparecera de vez.
Pode ser, pode não ser, nunca se sabe.
Nem nunca ninguém perguntou o porque de seu sorriso.
Nem nunca perguntarão.
Pra que?
Deixe estar rindo enquanto se lembra o que é sorrir.
Enquanto isso ele fica parado, como pode.
Nem pra frente, nem pra trás.
Mas sim hora pra frente, hora pra trás.
O que esta em torno, não importa.


Felipe Ribeiro

sábado, 14 de março de 2009

Sobre o que quer que seja.

Haviam as moscas e, claro, seus zumbidos. Havia também o calor e, claro, um sol de rachar. Havia também a preguiça e, claro, a casa desarumada. Havia o suor e, claro, o fedor. Não havia mais nada apesar de tudo. E, apesar de tudo, não havia mais nada. Tanto faz. Os pensamentos apenas rastejavam. O tempo virava pó. Bom, isso não é lá uma novidade, na verdade nem mesmo a escolha que eu tinha feito era uma novidade. E, na verdade, nem tinha escolhido nada, ou, quem é que pode saber, havia apenas escolhido pelo nada. O fato é que não sei porque havia ali um leve cheiro de novo. Ouvi o chuveiro. Taí uma novidade. Escutei uma voz feminina cantando alegremente enquanto eu me esforçava para lembrar quem é que estava usando o meu chuveiro. Não me veio nada na mente, o que não era novidade. O jeito era esperar a surpresa. A porta do quarto se abriu e me aproxima uma jovem com cabelos encaracolados, ruivos, com seus grandes olhos negros e curiosos e seu belo sorriso aperolado. Magra e branca como a porcelana da minha privada. De fato, foi uma visão agradável. Desagradável foi eu não ter me lembrado dela. Ela tira a toalha que enrolava seu corpo e, muito naturalmente, começa a falar comigo enquanto se vestia:
-Sabe, fazia um tempo que não acordava de manhã... Na verdade, nunca acordei tão bem quanto hoje... A festa ontem foi muito pra mim, nossa, bebi horrores! Eu realmente tenho que parar com isso... Falar nisso, muito obrigada por ter cuidado de mim. Ahh, estamos quites, eu cuidei de você também, direitinho.... ahahahaha. Você parece um menininho Felipe... Não, claro, não fisicamente falando, mas, sei lá... você chorou ontem, não se lembra? Bom, na verdade, nós choramos... Daí depois, bom, daí depois... ahhh você sabe... Obrigada... Felipe? Felipe, tudo bem?
-É... sim, sim, to bem sim...
-Desculpe, to falando muito e de manhã a gente precisa é de paz... - Veio e se deitou junto a mim.
-É... paz...
-Você sempre fala pouco assim pelas manhãs?
-É... sempre.
-Você é engraçado... Vou fazer o café, posso?
-Vá em frente, vou tomar um banho.
A água descia fria. Aquilo não poderia ser real. Me esforcei ao máximo para me lembrar da noite anterior. A julgar pela minha ereção e pelo cheiro de xampu feminino que estava grudado em meu peito e que impregnava meu nariz poderia jurar que eu transei com aquela moça e que ela passou a noite deitada sobre mim. Bom, foi só uma suposição, o que mais me apavorava era o fato de eu não saber o nome daquela moça por quem eu jurava estar na eminencia de me apaixonar. Bom, até ai tudo certo, é assim na maioria das vezes quando nos apaixonamos: Não sabemos nada a respeito da pessoa. Deve ser por isso que é tão bom. Tomamos o café, ela continuava a falar, falar, falar e falar. Eu continuava a não entendê-la e a não entender o que se passava em mim. Admirava-a aos poucos. Então ela beijou a minha testa e foi embora. Acabei meu café sozinho. Havia ali a dúvida e, claro, a angústia. Havia também o alivio e, claro, um pouco de paz. Havia também, de certa maneira, a certeza de que vivi uma coisa boa, mesmo não me lembrando de nada, e, claro, a sensação de que deveria fazer algo para que aquilo perdurasse. Corri atrás da ruiva antes de ela chegar na rua. Já estava em seu carro, corri e bati no vidro. Ela riu pois eu estava de cuecas. Enfim, pedi seu telefone, ela me passou o número e eu liguei no outro dia.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 13 de março de 2009

Do desperdício nosso de cada dia.

Ela fazia de um tudo pra não ser enxergada. Ele por sua vez, não ficava atrás. Ambos ali ficavam calados, parados, esperando a chuva do lado de fora da janela ou algum barulho para puxar, quem sabe, algum assunto. Assim descobriram que só havia o tédio, como se soubessem que o mundo não mais mudasse naquele momento. E, nessas circunstancias, ambos assumiam o compromisso de não esperarem mais nada um do outro, nem mesmo de si mesmos. Bebiam prostrados, de frente um para o outro. Ela com seu cigarro, ele com seu copo de plástico sujo de vinho barato. Ai veio o olhar, logo em seguida as sombrancelhas dele ergueram-se como se disessem "então, é isso?". Ela deu um leve sorriso e uma leve balançada de cabeça como se afirmando "Sim, é isso." Ele então deu de ombros, concordando com aquilo tudo. Ela virou o olhar para o lado, para a parede, para o nada, esperando ele olhar para outra coisa. E assim o fez. E assim acabou-se a noite, a oportunidade, a mudança, a possivel catástofre ou, quem sabe, o milagre que eles tanto procuravam um para o outro.

Felipe Ribeiro

quarta-feira, 11 de março de 2009

Casca Oca.

Eu sou uma casca oca
Movida pelo faro
E pela intensa vontade
De agarrar a própria alma.
Eu sou uma casca oca
Que só consegue agarrar a sombra
De seu sonho mais real.
E a alma fica sempre a frente
De mãos dadas a minha paz
E eu nunca as alcanço.
Eu sou uma casca oca.
Movida pelo suspiro.
Pela simples curiosidade
De querer sentir o gosto
Da minha força.
E ela estará lá, sempre a frente
De mãos dadas com a minha paz e a minha alma.
Sempre me chamando
Sempre correndo
Mas sempre deixando os rastros
Que chamo de esperança.

Felipe Ribeiro

sexta-feira, 6 de março de 2009

A sentença.

Andei brincando com a minha dignidade.
Tiro ao alvo.
Acertei-a bem na testa.
Do sangue que jorrou só restou a casca.
Seca, preta, fétida.
E da crosta veio o nada.
Cheio de cor, som, sabor...
Cheio de amor, surpresa, encanto
E tédio.
Tédio em cima de uma casaca vermelha.
Com pequenas bolinhas verdes.
E de longe se ouvia uma gargalhada,
Feminina, hedionda e satânica.
E de perto se via as luzes em redor
Se movendo pra lá, pra cá...
Me deixando cada vez mais tonto.
Não havia nada ao que se agarrar,
Estava consumado, todas as luzes,
Todos os sons, todos os cheiros.
Da crosta surgiu o nada
Carregado de cores, de amores
De feições rídiculas, vazias.
E de longe, só de longe.
Se via o que escapava.
E era quase que tudo
Dentro de um vento, de um ventre.
Estava mudo.
Nem mais gritar poderia.
E logo a garganta acumulou o susurro.
E o fundo veio como uma pedrada.
Da crosta fria e dura, quebradiça.
Surgiu o nada.
E do nada, veio a mim o fundo.
E o fundo veio como uma pedrada.
Bem dada.
No mundo.



Felipe Ribeiro

domingo, 1 de março de 2009

Conversas para boi dormir (parte 3)

-Veja, a vida não é assim. - Me disse o garoto. -Meu! Vamos lá, me diga o que é então!-Perguntei, deveras entusiasmado. -Você tem que viever o momento, sabe? -Sei! -Você tem que deixar as coisas virem, ter fé no seu taco! -Sei! -E é assim que as coisas funcionam. -É? -Sim... se não for assim, cara, não funciona! Agradeci pelas dicas. Tenho tentado colocar em prática o contrário para ver se de fato funciona. E vejam só, funciona perfeitamente. O que me leva a constatação de que, de fato, essa fórmula deva funcionar bem. Felipe Ribeiro.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Passos na noite.

Queime meus sonhos
Com seus lábios impuros
E as palavras mais frias
Que como a um susurro
Destroem a minha vida
E corroem o meu mundo...
O meu mundo...

Fria e escura
São as noites vazias
Das lembraças ingenuas
Do calor do futuro
Dos meus absurdos
louváveis absurdos

Esperança não tenho mais
O que me sobra a essa hora
Das vaidades mortas
É o nunca mais
É o nunca mais

Pego a estrada noturna
Ando olhando pra lua
Esquecendo a cada passo
Meu cansaço...
Meu cansaço...

Felipe Ribeiro

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Pelas noites.

Lá estava ela...
Fria, parada, me esperando...
Ou quem sabe qualquer outro
Que fosse ao seu encontro...
Mas só estavámos nós...
Sós, um aguardando o outro...
Bastava me aproximar e botar a coisa toda pra funcionar...
Bastava eu agir...
Bastava eu...
Bastava...
Basta!
Não poderia mais aguentar esse estado de coisas.
Aproximei-me munido de coragem,
De vontade,
De esquecimento.
Peguei-a, estava fria...
Pus ela para funcionar...
Não funcionou como eu queria.
Mas me obrigou a olhar para algumas coisas.
Coisas fora de foco, fora das vistas...
Fora de qualquer intenção que eu poderia sugerir.
Ela funcionou, para mim...
Mas ao contrário.
Quanto a ela...
Retornou ao seu esconderijo...
Fria, como sempre fora.


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 2.

Ahhh... quarta feira, seis e meia da tarde... Onibus mais do que lotado. Enfim, não se podia fazer muita coisa a não ser se equilibrar pra não enfiar a cara no suvaco da gorda alta e loira e de meia idade à sua frente... Fora isso aquela sensação de estar sendo espoliado, de terem enfiado uma faca no meio dos seus bagos e arrancado toda e qualquer manifestação de descencia própria que estaria em algum canto da consciencia. Eis que sai a gorda alta e loira e de meia idade e dá-se lugar a dois adolescentes, ambos usavam bonés coloridos, um litro de gel no cabelo e muitas espinhas na cara, e claro, só pra constar, conversavam muito, muito, muito alto... Aquela sensação de nausea, aquele pensamento cortante e constante: Deus, onde estava a minha coragem de ir a pé? Não pude deixar de ouvir a maldita conversa... Na verdade nem podia deixar de ouvir, não porque era uma conversa interessante mas sim porque simplesmente eu estava entre os dois... Cristo, onde é que a gente consegue forças para não perder a cabeça? Enfim... Lá vai a conversa. (sim, parece contraditório eu ter decorado toda a conversa, mas, como voces verão, ela é muito simples e por deveras repetitiva...)
-Cara! Puta que pareo, PUTA QUE PAREO!
-Fala maluco!
-Cara.. tipo assim, puta merda meo!
-Só... Também acho! Depois do que o professor falou pra Jaqueline... Meo, eu teria estourado a cara dele!
-Não cara, tipo... Foi foda!
-É... Cara... a Luana é uma gata heim?
-Pode crer... Só de ter beijado ela eu notei que ela é de boa...
-Qualé cara? Voce ficou com a Luana?
-Ihhhh, tá por fora... Pego memo!
-Ahhh cara, vai tomar no cu!
-Sério cara, to te falando...
-Nó... que paia heim? E o Diego, ficou sabendo?
-Que isso cara, lógico que não, deerrrrr!Ce acha que eu vou dar bobera assim? E outra cara, a Luana é de boa demais...
(nota mental, de minha parte, essa Luana era uma puta... voltando com a conversa.)
-Só...
-Cara, essa bosta de aparelho é uma merda! (nota mental, de minha parte outra vez... Redundancia, voltemos com isso.)
-Só...
-Fode com os beijos! De vez em quando eu arranco umas lascas do beiço das muié...
-Só...
(nota mental... Socorro!)
-Cara... Que paia... porque voce não pode ir lá em casa?
-Foda cara... Minha mãe grilou véi! (aqui tenho que fazer outro parenteses... em toda a conversa essa foi a frase em que mais se falou em tom baixo...)
-Foda...
-É.. foda demais...
-É...
-É... Falou fi, depois a gente se ve...
-Ou, falou...

Nesse momento uma cadeira se esvaziou na minha frente. O adolescente que ficou no onibus sentou-se nela de uma vez, quase sentando no colo da senhora que estava sentada antes. Eu estava carregando uma sacola plástica de um supermecado... Essa sacola pesava 4 quilos... Cheio de areia pra gato... Não fiz nada. Dei o sinal e desci. Mais pobre, mais sujo e mais infeliz.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Baboseiras de uma tarde de domingo.

Enfim, era um dia como outro qualquer... Levantei cedo, lá pelas três horas da tarde, peguei algumas moedas para ir até o mercado comprar uma aspirina pra minha bruta ressaca de dois dias... Claro, também queria colocar alguma coisa na barriga, o que fez com que a busca por mais moedas durasse mais uma hora e meia. Enfim, sai de casa para ir ao mercado. A rua estava vazia, a não ser por um homem que ia na mesma direção que eu, um homem negro, forte, sem camisa, só de bermudas, chinelos e uma lata de cerveja numa das mãos. Até ai tudo bem, o que me chamou a atenção foi um muleque de seus 12 anos andando numa velocidade absurda em sua bicicleta xingando todo mundo por quem passava fino. Passou por esse homem e o chamou de angolano, veio pra cima de mim com a bicicleta na fina, não sai do lugar, me chamou de viado. Bom, neste sentido alguma coisa me subiu a cabeça, talvez raiva ou algo do genero, mas algum comando me fez dar um chute na roda traseira da bicicleta do garoto. Nem vi o que aconteceu, não virei pra olhar, mas ouvi o barulho do ferro da bicicleta estourando no asfalto... depois um grito, depois um choro e depois mais alguns xingamentos, dessa vez dos tipos "filha da puta, corno, desgraçado". Onde foi que ele aprendeu tal vocabulário, na escola? Enfim, cheguei a conclusão de que não era comigo e continuei meu caminho. Ao voltar pra casa o garoto ainda estava na rua chorando. Pude ver o estrago, bom, foi pouco, merecia mais, mas pra ele tava bom. O garoto chorava e pagava de santo na frente de sua casa. Quando me viu chegando apontou pra mim e chamou pelo pai. Pensei, poxa, até que enfim um pouco de diversão. Engoli essas palavras ao ver o tamanho do sujeito. O cara era enorme! Respirei fundo, alguém tinha que fazer alguma coisa! Fiz o que estava a meu alcance, me virei e corri, corri o máximo que pude. O pai do pequeno filho da putinha estava de moto, logo me alcançou. Pulei um muro na tentativa de escapar dele, mas não deu muito certo, ele me puxou pelas calças e me arrastou pra baixo. Depois disso não me lembro bem quantos socos levei, ou o quanto a minha honrada mãe foi injustiçada, só sei que a dor de cabeça que tinha por conta da ressaca havia sumido, dando lugar a uma dor aguda no nariz que me fazia lacrimejar toda vez que tentava respirar. Voltei pra casa com apenas um olho aberto, passei pelo garoto da bicicleta, ele sorria e apontava o dedo pra mim. Pensei, o que é um peido pra quem já esta cagado? Dei-lhe um cascudo e um pontapé na bunda. Nem precisa falar que sai correndo pra casa antes mesmo de o garoto reclamar com o pai outra vez. Cheguei em casa, tomei a aspirina, comi os dois pães que pude comprar; fui ao banheiro e limpei minha cara, ou o que havia sobrado dela. Neste dia cheguei a conclusão de que nem sempre os mais fortes ou os mais justos vencem nesse mundo. Um mundo meio injusto, não acham?


Felipe Ribeiro

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Sobre a verdade. (parte 2)

O homem, simplório como era, não pôde entender de imediato o que o velho quis dizer... Saiu da caverna tomando mais cuidado para com os degraus, não só porque temesse cair, mas antes porque sabia o que era a dor de cair de uma escadaria. Com o auxilio da prudencia ele enfim reparou que a cada passo que dava sentia o vento em sua cara, ouvia o seu som, seu frio, seu sabor...
Desceu a montanha se sentindo renovado de alguma maneira, olhou para os lados e viu a pobreza do vilarejo... Mulheres idosas carregando fardos de gravetos imensos que as obrigava a quase andar de gato, crianças barrigudas que ha muito perderam a graça de brincar e que agora estavam a ajudar suas familias com o trabalho na lavoura... Como ele não pôde enchergar todos esses abusos do mundo? Foi o que ele se perguntou... Então, de súbito, ele reparou em outro absurdo: O seu antigo problema era mais simples do que ele pensava... Sentiu vergonha, quis andar sem ver todos os horrores ao seu redor... Quis fugir, e assim o fez. Chegando a uma cidade mais próxima dali entrou em um bar, pediu uma cerveja. Um rapaz de seus doze anos o atendeu. Era sujo e seus olhos não brilhavam nada, nem tristeza, nem agonia, nem mesmo indignação. Não continuou com a cerveja. Sentiu que uma mão havia pousado em seu ombro. Ele se virou e viu uma moça, simples, vestida minimamente e com um olhar escandalosamente triste. Era uma antiga freguesa. Ela deu-lhe a oferta habitual. Ele começou a chorar. Como não poderia não reparar nos olhos dela anteriormente, das outras vezes? Se sentiu imundo. Saiu do bar, já era noite alta. Entrou em um hotel barato. Não conseguiu dormir. Um pensamento latejava: "Como pude ser tão egoista?". A verdade não lhe deu paz, ao contrário de como haveria de imaginar. Decidiu ir no Guru outra vez, aquilo ficara mais insuportável quanto antes. Ele queria a paz, e não o caos!
Chegando ao altar viu-se a mesma cena. O velho estava sentado na pedra. Olhava serenamente para o homem. O homem então lhe disse:
- Essa verdade é insuportável! Não é essa verdade que eu gostaria de ver!
O velho suspirou, sorriu, e então lhe disse:
- A verdade é que fazer o chá de boldo dá muito mais trabalho do que tomá-lo. Mas, quando se toma, todo o sacrificio se torna aceitavel. Voce quer tomar o chá, mas para tanto voce quer que alguém o faça para voce... Como pode isso? E quando ninguém mais cooperar para com as suas dores, como vai ser? Preferirá não tomar o chá e se acostumar com as suas dores, ou irá faze-lo?
- Não sei fazer esse chá...
- Ora, é tão simples! Colha as folhas, encha uma panela com água e esquente... Fazer o fogo é mais dificil, esse é o trabalho... Para que o chá fique bom, a água tem de ser fervida, e fazer o fogo não é facil...
O homem então entendeu alguma coisa disso tudo. Ficou com medo, ou uma súbita preguiça. Mas lembrou-se das dores, da aflição e do desespero. Resolveu pintar o quadro a sua frente com fortes pinceladas, dar-lhe cor, tom, forma. Como? Cada um saberia a melhor maneira de o faze-lo.


Felipe Ribeiro