terça-feira, 26 de maio de 2009

Carta ao contribuinte.

Há algum tempo eu já venho dizendo a mim mesmo o quanto me sinto sujo. Isso se reflete mais na faculdade em que estudo história ou coisa parecida, enfim...
Nessas circunstâncias eu observo algumas pessoas que se dizem estudantes, em sua maioria composta por adolescentes que falam asneiras sem o menor pudor, tão tapados que não conseguem enxergar a própria sujera em que rolam. Digo isso porque a faculdade em que estudo é federal, ou seja, ela é sustentada por dinheiro público que por sua vez é derivado de impostos que, por sua vez, vem dos bolsos de quem trabalha. E esses impostos em sua maior parte vêm dos bolsos dos pobres, porque os pobres são quem mais pagam impostos no Brasil. A classe média, o cachorrinho desmamado que vive querendo entrar na fila dos cachorrinhos que mamam nas poucas tetas que há para todos, vive reclamando dos impostos, mas os mesmos só atrapalham na compra de suas futilidades, então para o pobre é muito mais pesada a carga tributária. Enfim, neste sentido me sinto um tanto quanto perverso por estar utilizando o dinheiro dos pobres em encheção de linguiça em projetos que não vão dar retorno nenhum para a sociedade. Projetos esses que só servem para enriquecer um currículo que vai ser usado apenas e tão somente por e para mim mesmo na esperança imbecil de tentar o mestrado e mais tarde um doutorado para me livrar de dar aula em ensino público e viver de uma aparente competência acadêmica. De fato o pobre ajuda a auxiliar nessa desgraça toda ao pagar os seus impostos, ao ser honesto em manter, inconsciente do fim do seu dinheiro, essa picaretagem toda que acontece dentro das universidades federais. E como o canudo de uma universidade federal tem mais prestígio o pobre ajuda a bancar, indiretamente, a formação do idiota que vai um dia falar na sua cara: "Sabe com quem está falando?" Essa pervesidade só é possível graças ao jogo de disputas por poder acadêmico/político interno que ocorre nas universidades e que deixam cegos de ganancia algumas figuras que de fato venderam sua alma para a fama e para a glória de se passar por mais um especialista em tal assunto inútil para a sociedade em geral. Gastamos o dinheiro público em conversas e estudos vazios de sentido político, vazios de valores éticos e de comprometimento social. Claro que isso que estou dizendo é generalizante, ainda há alguns projetos que salvam e que tem esse compromisso com o social. Mas o que me deixa mais angustiado é o fato de que no curso de graduação em história, doravante um curso estigmatizado, principalmente pelo seu passado, como um curso forte e que é constante nas lutas pela justiça social, vermos tão poucos projetos com essa finalidade política. Parece mesmo que a maior parte dos novos alunos não tem idéia de seu custo social ao sentar a bunda na cadeira de uma universidade federal. O minimo que eu posso fazer aqui é pedir desculpas pelo mal uso do dinheiro dos impostos, pelo mal uso do meu tempo, pela oportunidade perdida quando poderia contribuir na mudança de alguma coisa nesse mundo injusto, pela comodidade que um canudo parece dar àqueles que estudam, pelo mal uso de todo o conhecimento acumulado durante 5 anos de estudos. Ah, e é claro, desculpem a minha hipocrisia...


Felipe Ribeiro

domingo, 24 de maio de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 5.

-Escuta aqui eu não quero criar caso! Você pegou ou não na bunda da minha mulher?
Olhei bem pra onde o sujeito estava apontando. Era uma loira linda, coxas grossas, firmes, seios medianos, rosto diabolicamente angelical.
-Olha... Não tive essa sorte... ainda...
-Escuta seu bosta, quero saber quem foi que pegou na bunda dela!
-Por que heim, quer que ele pegue na sua bunda também?
Nisso o pessoal começou a rir. O sujeito ficou puto. Me deu uma gravata e disse:
-Repete seu filho da puta!
Bom, não dava pra repetir, eu tava ficando roxo e sem ar. Enfim alguém colocou a mão no ombro do cara e o acalmou. Me desvencilhei dele e voltei a sentar no sofá.
-Quem foi que encostou nela!?
O cara era um babaca. A mulher estava quase estourando pelo tanto que ele inflava seu ego. Ela gostava de confusão e acho mesmo que ninguém encostou na bunda dela. O pessoal lá era de paz, não eram folgados a esse ponto. O cara só veio tirar satisfação comigo porque, penso eu, tenho cara de tarado e sou muito fraco pra tentar bater nele. Enfim, ele continuou com o interrogatório.
-Quem foi que encostou nela?!
O anfitrião tentou acalmar o cara. Não deu muito certo. Enfim o cara apontou o dedo pra mim e disse:
-Você tá fodido! Você tá fodido!
-Porque você não pergunta pra ela? - Sugeriu uma das moças que estavam na festa.
A loirona disse que não sabia, mas tinha certeza que pegaram nela assim que eu sai da cozinha e passei por detrás dela. Bom, o apartamento estava cheio de gente, poderia ser qualquer um.
Dei de ombros e continuei bebendo a cerveja. Ele e sua mulher tesuda sairam do apartamento onde estava rolando a festa. Um amigo meu me perguntou se eu estava bem, respondi que sim. Todos me olhavam como se eu estivesse a beira da morte. Era pra eu me sentir assim, um condenado? Enfim, deixei pra lá. Um relacionamento assim, movido ao vampirismo de uma mulher que se alimenta de ciumes e orgulho de ser protegida, merece toda a minha pena.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 19 de maio de 2009

Enquanto o sol não aponta.

O mundo é dos melhores...
Essa é a máxima da História...
E enquanto isso há os escravos...
Do belo, do máximo...
E do estúpido.
Enquanto isso há os fiascos...
Felizes como podem, contentes com o mínimo...
Com o pouco respeito que conseguem de si mesmos...
E com a moral que vos regem...
Enquanto isso há os zombeteiros...
Verdadeiras fraudes, opacos, sujos...
Sem a menor autonomia de movimento...
O mundo foi feito para esses que tentam...
Tetam ser o que nunca poderiam ser...
O auto engano, o fulano de tal...
Doutô e o escambau...
Enquanto isso há os fiascos...
Corajosos na medida em que se manifestam...
Virtuosos na medida em que vivem...
Na medida em que engolem toda a merda...
Há os virgens, os drogados, as loucas e os esfarrapados...
Há os feios, os muito gordos, os muito magros, os tortos, os fracos...
Há aqueles que apanham só porque saem de casa...
Os que nem mais temem ser maltratados...
Os que se acostumaram com a desgraça...
Esses são os fiascos...
Mas antes eles do que as fraudes...
Os que se negam...
Os que ostentam coisas...
Como fama, familia, carreira, mulheres, carros, televisões...
Ternos, charutos, perfumes caros...
E um mega crédito...
Esses são os melhores...
Os que mamam das tetas da generosidade...
Salutares, cults, artistas, polivalentes, especialistas!
Cheirosos, extravagantes, empinados, armados de blasé...
Como diria uma grande amiga...
Prefiro ser um fiasco a uma fraude.
Então... Fica aqui minha solidariedade...
Boa sorte!


Felipe Ribeiro

sábado, 9 de maio de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 4.

Eu estava tentando imaginar algo que me deixasse melhor e provar, sem sucesso, pra mim mesmo que não sou de todo inútil. Obviamente estava esperando a tontura do vinho vagabundo de dois reais passar, sentado num ponto de ônibus às 2 da madruga quando, no outro banco do ponto, sentou-se um senhor mal trapilho que cheirava a urina. Barba um tanto quanto comprida para os dias de hoje, toda desarumada, de um amarelo quase branco. Estava usando uma sandália já ha muito desgastada e realmente ele parecia não se importar muito com isso. Então ele começou:
- Ô colega, me vê um gole!
Passei-lhe a garrafa de vinho.
- Do bão, do bão!
Respondeu depois de uma longa golada.
-Toma ae!
-Pode ficar...
-Opa, tá com nojo da minha boca?
-É claro que tô... E outra, eu já to meio tonto, não quero ficar mais a ponto de dormir na rua.
-Cê num sabe o que é fica tonto...
-É... tanto faz.
-Aê, que um toque?
-Fala.
-Vai toma no seu cú, você não sabe de nada.
-É...
-Morô?
-É... to sabendo.
Nisso eu comecei a refletir sobre a constatação daquele nobre senhor. Comecei a rir porque ele tinha razão. Ele me olhou com um sorriso perceptivel no meio daquela barba oleosa, deu uma piscada com o olho direito, e bebeu outro longo gole. Depois começou a rir, não parava mais de rir em meio a pigarros barulhentos e consistentes, olhava pra mim, apontava o dedo pra mim, e ria. Rimos juntos. Sabiamos de tudo, derrepente, sabiamos de tudo, tinhamos essa sensação. Ele escarrou o nariz muito alto, cuspiu no chão e se levantou.
-Falou vacilão!
Disse ele rindo pra mim.
-Falou maluco.
Subiu a avenida e nunca mais o vi de novo.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Regina

Regina foi uma das minhas melhores fodas. Ela era uma moça alegre que tinha ataques de risos, verdadeiras explosões de gargalhadas que geralmente eram tidas logo depois que ela falava algum absurdo. De fato, nunca vi ninguém dizer tantos absurdos como a Regina. Mas isso não fazia com que ela merecesse menos consideração. No fundo a maioria de seus absurdos fazia todo o sentido se se pensado e analizado anos depois, com outra cabeça. Nada tirava aquele sorriso insano de sua boca, nada fazia com que ela tremesse, nada podia tomar conta de seus impulsos. A gente geralmente conhece uma pessoa pelo impulso que ela deixa escapar, e todo o impulso que Regina tinha era ou para o bem do próximo ou para a loucura exagerada do belo. Ela deveria ser uns 4 anos mais velha do que eu. Ela sabia das coisas, sabia muito bem o que queria e não queria muito, só ser feliz no momento presente. Isso fazia dela uma moça muito espontânea e quando algo impedia ela de ser feliz ela fazia como a água: Contornava tudo, infiltrava nas brechas, nas fendas que existiam nos problemas que possibilitavam algum escoamento para a sua ambição de ser feliz. Ela enfrentava o problema pra ser feliz, isso é o que um guerreiro faz. E assim como a água a Regina secou. Encontrei-me com ela alguns anos mais tarde, talvez uns 8 anos, não sei, e pra minha desagradável surpresa ela havia mudado. Não sorria mais com o mesmo brilho, não gritava mais de alegria e saia correndo como uma galinha sem cabeça ao encontro dos amigos, não dizia mais absurdos! De fato isso é que era um absurdo. Sua fala era seca, simples e, pior de tudo, coerente, tristemente coerente. Havia menos utopia no seu tom de voz, havia menos ambição de ser feliz no momento, naquele momento, em qualquer momento ouso dizer. Ela tinha casado, estava com dois filhos mas não parecia que isso a fazia feliz. Parece mesmo que o tédio da vida com começo meio e fim certos tinha tomado conta de seus impulsos. Fiquei triste por ela. Regina, a mulher que trocou o colorido pelo cinza, o belo pelo trivial...

Felipe Ribeiro

domingo, 3 de maio de 2009

Da nossa misera Alma.

Aqueles que vivem a sua dor...
Podem vive-la muito bem...
Se souberem o que fazer com ela;
Se souberem se comportar com ela, apesar dela.
Essa seria a solução dos nossos problemas, talvez...
Mas isso pode, com toda a certeza, trazer novos problemas...
Mas, porra...
A vida é isso...
Só somos porque somos.
Sempre ha uma maldita dor.
E isso é porque somos eternos insatisfeitos.
E o somos porque somos eternos gananciosos...
A vida depende muito de como a fazemos.
Apesar de saber bem que não temos controle nenhum sobre as consequencias.
Mas, quem sabe, sobre as escolhas?
Bom, ai se encontra outro problema...
Sempre nos esquecemos que toda escolha tem uma consequencia.
E isso nunca podemos prever...
Ora, porra, se pudessemos preve-la nunca sairiamos do lugar.
Porque a gente simplesmente age, sem pensar na maioria das vezes...
Movidos sempre pelas possibilidades, seja lá qual for.
E o mais desesperado de todos é o que joga pra acertar, querendo acertar.
Significa que quer o poder.
E a gente não tem isso...
É uma ilusão e geralmente a gente sabe disso...
Porque a gente logo perde o tesão da coisa...
E procura mudar.
Dae vira vício.
Como num maldito jogo.
A vida é um grande jogo.
Quem ganha?
Quem simplesmente é limitado.
Por saber exatamente o que quer.
A vida pra esses é simples.
Opaca.
E possivel.
A felicidade é o consolo deles...
E a perdição dos que não tem limites.
Essa mesma felicidade que queremos sem contar os custos.
Instantanea, ahistórica...
Nunca contamos os custos dela, talvez porque nos deixaria infelizes.
Vivemos desperdiçando...
O melhor e o pior de nós mesmos.
A preço de miragem...
De gozo.
De falsidade.
É por isso que gostamos de não gostar...
Gostamos de reclamar...
Gostamos de gastar nosso gosto...
Eternamente em erros...
Em descrenças que são alimentadas com toda a fé
Da crença necessária para fortalecer a nossa dor...
E esconde-la de mais ninguém...
Porque só cabe a nós sentirmos isso...
A falta eterna...
Do vazio cheio de si.
Da conformidade com a velha e inseparavel...
Miséria.


Felipe Ribeiro