terça-feira, 25 de agosto de 2009

A angustia do belo.

Lá estava a garota que vivia fazendo pose.
Sua cara era carregada de maquiagem,
Seu sorriso carregado de desespero.
Mas nem por isso ela perdia a maldita pose.
Parecia uma fotografia, vivia com o mesmo tom,
Com a mesma crina, com a mesma ilusão.
Andava ereta, empinada, mostrando tudo o que tinha.
Mas nem tudo era de fato tudo.
Tudo nela gritava socorro.
Tudo nela queria ser.
Só ser, autenticamente.
Maquiagem, roupa da moda, bijuterias, perfumes...
Ela vivia trabalhando com os sentidos,
Com os instintos alheios...
E só.
Nisso se baseava toda a sua existencia.
Um grande imã de sentidos.
De olhares, de desejos, de vontades.
Tudo nela girava em torno disso.
De impulsos orgiásticos, nervosos, inquietos.
Era nisso que ela procurava dar o seu melhor.
Era nisso que ela depositava todo o seu poder.
Era nisso que ela não poderia deixar de viver.
Era nisso que ela se prendia.
Cada vez mais dependia disso.
Cada vez mais gostava disso.
Cada vez mais morreria por isso.
O mundo era uma grande passarela para ela.
O mundo era a sua vitrine.
E ela posava para o mundo.
E como todo astro ficava parado.
E o resto todo a girar em seu redor.
Era pelo menos nisso que ela acreditava tão seriamente,
E era pelo menos nisso que ela sangraria eternamente.
Todos os olhares...
Mas nenhum toque.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Da serenidade.

Olhei nos meus bolsos e tinha o suficiente para encher a cara até a noite. Eu já estava um pouco tonto e resolvi andar pra sentir, quem sabe, um pouco de alguma coisa. Fui até uma praça no centro da cidade. O lugar era cheio de árvores e havia uma igrejinha muito antiga pintada de azul celeste. Era tranquilo, mas apesar de tudo ainda sentia as garras do desespero se agarrando a minha vida. Não sabia bem o porque, mas naquela época eu me sentia profundamente melancólico. Observei um casal de jovens se beijando e trocando carícias, sorrisos e risadas contidas em palavras ditas baixinhas ao pé do ouvido. A moça deitada com sua cabeça no colo do rapaz adormecera. Ele a acariciava. Estavam os dois sentados num banco ao pé de uma mangueira enorme. Eu estava escorado num poste da praça a mais ou menos uns 20 metros de distância do casal. Gente ia, gente vinha. Carros iam e vinham. Pardais faziam estardalhaço e cagavam no chão. O mundo parecia alegre naquela tarde. A coerência do mundo se fazia presente naquilo que chamam de alegria. E eu via a alegria plena na serenidade do casal de namorados. Por alguma razão aquilo tudo me fez lembrar do quanto eu era panaca, bunda mole, frouxo e vagabundo. Não caminhava no mesmo ritmo das outras pessoas. Cheguei a pensar que era algum retardado, coisa que aliás eu tenho lá minhas dúvidas se não sou. Nunca corri para alcançar um ônibus, nunca corri para entregar a produção do dia no horário estipulado pelo patrão. Nunca li alucinadamente na tentativa de aproveitar o tempo para ler de tudo. Sempre tive meu tempo, ou melhor, sempre fiz meu tempo; e te digo uma coisa, sou lerdo para com isso. Nunca consegui suportar a idéia de que eu teria a oportunidade de ser "melhor" do que fulano ou beltrano. Para que tanta pretensão? Sempre deixei escapar a chance de me dar bem na vida através daquilo que os moldes hipocritas da sociedade de consumo tenta pregar e disciplinar. Agora lá estava eu, meio zonzo pela cerveja olhando toda aquela serenidade do casal que realmente não se importava nem um pouco com tudo isso que eu estava ruminando. Ainda bem, eu pensei, ainda bem...


Felipe Ribeiro

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Do mergulho.

Me sinto esmagado pela sombra de uma futura dor...
Uma dor inevitável que vem ao longe...
Acenando com um sorriso, de braços abertos...
Para mim que um dia lhe amei.
Ela vem a passos largos
Carregando um olhar de cúmplice.
Cumplicidade de velhos tempos
Que só pertence àqueles que viveram juntos.
Na atual conjuntura ela até que é bem vinda...
Dar-me-ia um sentido, algo mais profundo...
Quem sabe ela venha pra me destruir de vez?
Quem sabe ela venha para me deixar mais manco?
Mais sábio?
Mais duro?
Mais brando?
Só sei que ela vem...
Ansiosamente aguardada, desejada...
Amada até.
Será que mudaria meus sonhos?
Minha visão?
Minha paixão?
No que eu mudaria?
Que vontade teria?
Que coragem surgiria?
Em que me arruinaria o seu abraço?
Não me importa...
Ela vem, disso eu sei...
Ela vem.
Como a tempestade ao longe
Com seus trovões, seus ventos, seu cheiro.
Ela vem.
E só a sua sombra já me faz perder o fôlego...
Talvez porque eu esteja aguardando o saltar.
Para o mergulho.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

As garras da gata.

Não se escuta os passos, mas sabe que esta ali
Do lado, caminhando, serena
Reservadamente fiel a si
Mas esperançosa por ser a outrem.
É em outro que ela afia as garras
É em outro que pode mostrar a graça
De saber ser forte e leve
Como a navalha.
Graciosa em sua pequenez
Espantosa em sua astucia
Vive a vida com fluidez
Para soltar a sua fúria.
E é nela que sobrevive o seu amor
É nela que ela mesma acha o seu melhor
E é nela que ela cria o seu valor
Seu valor que a livra do seu pior...
Enquanto isso suas garras estão escondidas
Esperando o momento para cortar com frieza
Para abrir espaço a suas causas perdidas
E tratar a vida com mais leveza...


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Do expurgo.

Longe de ser uma noite agradável aquilo parecia uma noite sem sabor, sem cor, fria, opaca, cinza e o pior de tudo era que aquilo tudo estava praticamente virando um hábito. Eu suado depois de fazer um esforço quase que humilhante pra tentar ser no minimo agradavel para aquela mulher que eu nem fazia lá muita questão de conhecer, ela falando sem parar da vida mediocre que levava, um grande blablabla que as vezes se misturava ao meu sono e que não dava pra entender muito bem. Já estava quase dormindo se não fosse o vinho para me distrair. O mais foda disso tudo é que a garrafa estava com ela e ela não fazia muita questão de dividir aquilo. O meu tempo foi novamente roubado pela atenção que ela pedia para si. Aliás, meu tempo não me pertence muito ultimamente, vivo dando ele para as baratas e para as futilidades frivolas desse mundo. Enfim, pedi-lhe a garrafa. Ela me devolve. Vazia. Dou um grande suspiro, olho pra ela e ela me pede um beijo. Dou outro grande suspiro e fecho os olhos. Os bafos de vinho barato se encontrando, o gosto acre da lingua dela se encontrando com a minha me fez pensar bem na vida que eu estava levando, no meu futuro, no que eu tinha feito pra merecer aquilo e quem sabe pensava um pouco em dignidade... Na dignidade que naquela hora estava me fazendo falta. Ela se senta no meu colo e começa a tirar a blusa... Ora, vamos lá, pensei, vamos lá... E fomos. Foi tristemente bom, se é que isso pode ser possível, mas foi. Não deu muita cor praquela noite, mas ao menos foi agradável. Salvo o incoviniente de ela resolver começar a falar depois do esforço, foi agradável. Ela começa a mecher na minha cabeça, faz um afago nos meus cabelos. Enfim, tive que perguntar:
-Então, que é que ce tá fazendo?
-Nada... Por isso to angustiada...
-Sei...
-Eu sei que sou uma fútil, sabe? Eu sei que sou uma narcisista...
-Poxa... Obrigado pela parte que me toca.
-Não é isso que quis dizer, desculpa... mas eu me sinto tão... fútil...
-É, de fato, você liga demais pra sua imagem... vive colocando maquiagem, roupas justas, decotes enormes...
-Você me acha a maior narcisista né?
-Não sei se um narcisista sabe se é narcisista...
-Por isso mesmo eu me assusto... Eu sei o que é um narcisista e repito certas práticas, sou muito vaidosa!
-É, pode ser isso mesmo... Mas, vaidade não precisa de um outro como alvo? O Narcisista só atinge ele mesmo, ele é o alvo, não?
-Mas é pra mim mesma! Eu tenho a necessidade de provar pra mim mesma que sou a mais bonita, a mais inteligente a mais uma porrada de coisas do que as outras garotas...
-Enfim... - soltei um suspiro - Isso pra mim é perda de tempo.
Ela ascendeu um cigarro, ficou fitando o teto. Talvez ficou esperando eu falar alguma coisa, não entendo muito as mulheres, graças a Deus.
-Por que é que você tem essa necessidade de provar que é melhor que as outras mulheres? - Enfim perguntei.
-Sinceramente... Não sei. Acho que é porque eu acho um saco essa mania que as pessoas tem de confundir consciência social, altruismo ou seja lá o que for com feiura...Odeio o estilo porra louca só porque faço Ciências Sociais. E noventa por cento das meninas desse curso são feias!
-É... Concordo.
-E to pouco me fudendo se as pessoas me acham futil por causa do meu estilo!
-Sei... Bom, porra, se você se sente bem com imagem, vai fundo... Digo, fundo não porque imagem é superficial...
-ahahaha... É verdade. Mas o lance é que eu adoro fazer o papel de guria fatal!
-É... já notei isso mesmo... E nem ligo como você pode reparar...
-Não liga mas tá aqui pelado do meu lado...
-Você implorou por isso.
-Vá se foder!
Ficamos em silêncio por algum tempo... Ela ascendeu outro cigarro. Então eu recomecei.
-Olha, acho que você está tremedamente errada, mas não te condeno por isso... quem não erra né?
-Do que você tá falando?
-Porra... Da sua atitude perante você mesma.
-Hum?
-Na boa... Eu sei que esse é seu jeito, sua estratégia de sobrevivência nesse mundinho de merda, mas é o seu jeito, sua estratégia, não você em si. É a sua escolha, infeliz, mas é a sua escolha...
-Posso ser sincera?
-Já era hora né?
-Engraçadinho... Bom, sinceramente eu não sou infeliz por ter escolhido isso, e outra, eu não sou nenhuma puta, não vivo disso! Eu simplesmente gosto disso, sabe, desse jogo!
-Então... você gosta desse joguinho de sedução? Desse poder, dessa sensação de superioridade que a imagem pode causar, é isso?
-Exatamente, agora você me entendeu...
-Poxa... Você de fato é uma fútil mesmo... Poder é uma coisa tão imbecil!
-Discordo plenamente!
-Tá.. então me fala, o que te atrai nisso tudo, esse negócio de poder?
-Uai... O poder!
-Tá... Poder de que? Pra que você usa isso? Porque você usa isso? De que vale isso? Até onde isso te traz respeito?
-Acho que um pouco de identidade... Odeio ser comum.
-Isso é neurótico!
-Cada um com suas neuroses! Eu sempre fui ligada a ideia da loira gostosa, louca e extrovertida...
-Isso é besteira, isso é imagem! Você mesma me disse agora a pouco que não se sente bem com isso... Voce se sente segura mas não bem, isso é diferente! Isso é uma máscara, um escudo inutil...
-FODA-SE - Ela gritou.
-Enfim... Foda-se.
-Cansei de criticar tudo, sabe?
-Não é criticar sua cretina imbecil! É ser você mesma! Você se vende a preço de imagem!
-Foda-se! Eu ganho com isso!
-Ganha?
-Pelo menos tenho alguns privilégios...
-Privilégios né? Sei... Você não nota que esta afundando cada vez mais nessa prisão? No fim das contas espero que a ignorância te cegue para o verdadeiro problema e você viva feliz...
-Ignorância, eu? Impossível!
-Tá, que seja... Você é uma acomodada.
-Hum, pode ser, ganhei muito pouca sendo revoltada, comunista...
-Isso é imagem também... Você não consegue desvincular um estereotipo de você mesma...
-Não mesmo...
-Falta a segurança necessária pra você ser você mesma... Você liga demais para o que os outros pensam, caso contrário não usaria essa mascara toda.... E cade seu poder nisso tudo? Você é uma medrosa, isso sim uma medrosa! Se eu estiver enganado, bom, foda-se!
-Não... pode falar...
-Já falei o que tinha pra falar, porra. É isso! As pessoas simplesmente não me surpreendem mais. É por isso que sua banca toda não causa o menor efeito em mim, entende? É por isso também que eu sinto pena dessa sua escolha idiota. Poder reside nisso mulher, em ser autônomo, e não escravo de uma imagem que lhe convém! Não ficar escorado numa imagem pra sobrepujar outras pessoas... Isso é desespero! E eu vejo essa sua opção como a mais equivocada de todas.
-Equivocada... Em que medida, porque você fala isso?
-Equivocada na medida em que isso só alimenta a futilidade do mundo. E ao fazer isso aumenta a injustiça e a indiferença perante o outro, como se o outro fosse apenas e tão somente um degrau pra se pisar.

Depois disso ela ficou em silêncio, fitando o teto daquela sala imunda. Eu não tinha mais nada pra falar, estava cansado. Dormi. No outro dia, pela tarde quando acordei, nem vi mais sinal dela na sala ou na casa. Tomei um banho e pensei na vida. Só pensei, nada além disso.


Felipe Ribeiro