quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A onda.

Há pessoas que são como pedras jogadas em água parada e espelhada.
Chegam fazendo ondas enormes que desfiguram qualquer limpidez, qualquer claridade.
Qualquer certeza, qualquer vaidade.
Trazem consigo o caos, e com isso a graça.
Ao todo cinza da banalidade.
Ao entorno que deixou de refletir.
São expoentes da loucura, do tapa na cara.
Da falácia tão necessária.
Em tempos de certeza ingrata.
De nobreza inútil.
De torpeza polida e fútil.
O mundo as criam como as árvores criam as folhas.
Mas só vemos essas pessoas quando se deixam cair.
Quando se deixam fazer notar.
Seja num sorriso, num insano olhar.
Destemperado pela felicidade pura, simples, burra.
São essas pessoas que te fazem flutuar.
Que temperam a vida com o despudor.
E com isso te faz sonhar.
Sonhar com outras possibilidades.
Libertar da mesma falsidade.
Assombrar com a verdade.
Pura e ingenua verdade.
Essa tão presente necessidade.
Dos corações mais aflitos por paz.

Felipe Ribeiro

domingo, 20 de setembro de 2009

Quando.

Como de costume eu deixo morrer certas emoções antes mesmo de elas nascerem.
Não costumo ver a graça do todo, conforme se apresenta, no momento mais apropriado.
Sempre é tarde demais, ou cedo demais.
O momento é tudo.
O momento é tudo.
É importante ressaltar o quando, mais do que o como, mais do que o porque.
É no quando que se agride com mais ou menos força.
É no quando que se traça o destino.
É no quando que se caminha, que se finda o compromisso.
E eu não sei lidar com o quando.
O meu como com o quando não é nada senão um talvez.
Um tardio talvez.
Ou um sempre quem sabe.
E quem sabe quando meu quando virá oportuno?
Talvez quando eu possuir a vontade de poder ser quando quiser.
Ou a vontade de quando quiser ser.
É certo porém que o quando é ocasionado, muitas vezes, ao acaso.
E que ao acaso é que vemos quando o quando chega.
É certo também que quando se esta atento nada escapa.
E quando se sabe o que quer a atenção se foca.
E quando se foca prende.
E quando prende liberta.
É quando o tal quando acontece.


Felipe Ribeiro

sábado, 5 de setembro de 2009

Desfibrilador

Ele fixou seu olhar no bule de café que estava a sua frente no fogão. A cozinha estava fria, o silêncio daquela manhã chuvosa aumentava a sensação de solidão daquele sujeito que ainda estava com sono, de cueca, mau hálito, cabelo bagunçado, cara amassada e uma falta de humor para com qualquer coisa. O que ele esperava de um sábado? A casa vazia, a rua vazia, somente o barulho da chuva e o vento frio vindo da porta aberta que dava para o quintal. Tudo estava estranhamente calmo. O café esquentando, a louça para lavar, o chão gorduroso, a gata dormindo no sofá, o cachorro dormindo no quintal... Qual era o sentido daquilo tudo? Hábito? O nada as vezes tomava conta daquele sujeito. E nada adiantava ele simplesmente não sabia, não sentia... Estava no automático. Tomou seu café muito doce engolindo devagar. E a cada golada era como se não existisse. Era isso. Ele fixou sua atenção naquilo tudo e não sentiu. Pensou estar sonhando mas o frio do vento e o quente do café lhe deram outra expectativa. Ele enfim respirou fundo, tratou de tomar um banho, escovar os dentes, se tornar mais salutar, mais limpo e quem sabe mais digno. Em vão. Colocou uma roupa, algo mais quente, uma blusa, uma calça, meias e sapatos... E nada. Olhou para o telefone, pensou em ligar para alguém mas ninguém veio a sua mente. Foi até seu quarto, alcançou uma caneta e um caderno e pensou em escrever alguma coisa. E nada lhe veio também. Estava sufocado pelo tédio. Pensou em chegar segunda feira para recomeçar a trabalhar, mas a idéia surgiu como um golpe de martelo no dedo mindinho. Estava se desesperando. pensou em todas as mulheres com quem ele já havia saido, pensou em ligar para uma ou duas, mas a idéia lhe veio como outra martelada. Pensou em fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas no fim decidiu-se por esperar, talvez algo aconteceria se ele ficasse parado. Ligou a televisão mas tudo que ali se apresentava não fazia o menor sentido.. Imagens, vozes, músicas... Tudo se misturou com tal violência que ele teve que desligar o aparelho. A chuva não cessava. Ele saiu de casa, tomou um pouco de chuva e vento mas nem aquilo lhe serviu. Não há nada pior do que não sentir, do que não valorizar, do que não significar, do que não sonhar, do que não amar, do que não querer... Ele estava imerso numa areia movediça, quanto mais queria sair mais ficava preso, parado, sufocado. Ele sabia que tinha tudo o que precisava, tudo estava ali na sua frente, ainda que sujo, pouco e ruim, mas tudo estava ali clamando para ser usado, desejado, vivido, experimentado. Ele sabia disso, mas não sabia como acessar a graça daquilo tudo. Foi para o passado na velocidade do pensamento buscar com desespero tudo aquilo que lhe fez feliz, triste, arrasado e glorioso... Voltou com um certo gosto de esperança na boca, com um certo brilho de remorso no olhar, com um certo modo de novo no caminhar... Tudo se misturou àquele nada e logo ele teve a sensação de respirar como antes respirava. Logo percebeu que um dia ele foi um fracasso, um dia ele foi um sucesso, um dia ele foi amado, um dia ele amou, um dia ele foi odiado, um dia ele odiou, um dia ele foi esperto, um dia ele foi ingênuo, um dia ele foi humilde, um dia ele foi orgulhoso, um dia ele foi egoista, um dia ele foi caridoso, um dia ele foi cego e um dia ele viu mais que os outros todos. Enfim ele buscou motivar a sua engrenagem enferrujada, borrifou um pouco de confiança, um pouco de coragem e um pouco de curiosidade e enfim começou a sair da grande imobilidade para enfim tentar. Não importava para ele o que estava em jogo e o seu fim... Não importava o resultado, pois ele não partia de nenhuma premissa... O que importava para aquele sujeito era ser atingido.

Felipe Ribeiro