sexta-feira, 26 de março de 2010

O bom e velho livro.

Ora muito bem, estava eu deitado na cama lendo um livro, senão me engano "O homem duplicado", de José Saramago, quando me deparei pela primeira vez com uma daquelas verdades universais que te arrebatam por alguns segundos e que te deixa sem fala, sem ar e completamente embasbacado. Essa verdade universal me apanhou de surpresa, sem querer, e se baseia numa coisa simples que até então eu não havia me tocado: Como um livro pode ser tão importante para mim! Essa verdade universal se demonstrou ser, afinal de contas, uma coisa muito particular, mas tudo bem, é a minha verdade universal e ninguém tasca! Bom, o raio que me atingiu a consciência aconteceu de madrugada, no meio de uma insônia brava e numa fase de minha vida em que o tédio era derrubado a golpes de "livradas". Eu sempre tive a companhia dos livros, sempre fui apaixonado por eles e para sempre, assim espero até durar minha vida, lerei um bom livro. E numa dessas observações a respeito das minhas leituras cheguei a conclusão simples de que um bom livro é aquele que te traz algum alento, aquele que te incomoda de certa maneira e que te absorve por completo, faz você fugir de si mesmo e se encarnar em outro personagem, em outro contexto, em outra situação, em outra vida enfim. Para tanto não é preciso que o escritor escreva bem, que saiba todas as regras gramaticais, mas simplesmente escreva com paixão, com sentimento, seja ele de qualquer espécie, seja triste, alegre, irado, mas que seja sincero, autentico e que nos faça acreditar a tal ponto que possamos sentir pena, alegria ou mesmo ira. É uma troca... O livro esta ali, a espera da fatalidade que só os vivos podem causar, mas quando há essa troca o livro surge como um sujeito vivo que interage e te faz mudar interiormente, te faz mover uma força oculta que nem você mesmo sabia existir em si. É por isso que talvez Voltaire uma vez disse, o que por acaso eu li em um livro que não me lembro o nome agora (mas o que importa esquecer-se do nome se o que você tira dele vai te acompanhar para sempre? É assim também com algumas pessoas...): "Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera; esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora". Afinal de contas o livro é escrito por pessoas de carne, osso, sentimentos e intenções; pessoas que deixam ali sua marca, seu diagnóstico do mundo, de si e de tudo, para sempre até durar o interesse das outras pessoas, de uma pessoa que seja, contanto que tenha a bondade de doar a eternidade para quem escreveu.


Felipe Ribeiro

domingo, 7 de março de 2010

O caçador de borboletas.

Eu me vejo como uma rede que dança pelo ar caçando borboletas. Quando tenho a sorte de apanhar alguma eu paro, observo bem suas asas e depois as liberto. As vezes as asas não estão abertas para se mostrarem, dai dou um leve cutucão para que elas se abram para que eu possa ver suas cores, suas individualidades, aquilo que as tornam únicas. Dai as solto, com a certeza plena de que nunca mais verei asas assim novamente. Isso me deixa triste por um tempo, mas logo a tristeza é substituida por uma nova onda de empolgação e a rede novamente dança pelo ar na esperança de ver novas asas, novas cores, novas formas que me marcam de uma maneira única a cada olhadela, a cada observação curiosa e cheia de esperança pela beleza que ali vai se mostrar. Nunca vi uma asa igual a outra, deveras sim parecidas, mas nunca igual. Isso faz com que eu me sinta como um colecionador de beleza, como um amante de coisas únicas... Mas quem não é? Essas asas, quando bem observadas, marcam por um tempo a minha vida. Enquanto isso a rede dança no ar, ao acaso, as vezes captura, as vezes nada tem. A maior parte do tempo ela esta vazia, voando pelo ar, em movimentos suaves, constantes, quase enfadonhos. Agora por exemplo essa rede acabou de soltar mais uma cujas asas eram de uma cor violeta, meio avermelhado... Ha asas com essas cores fortes, ha outras que são de uma coloração sem graça alguma, mas cujo desenho espanta de tão belo. Geralmente a coloração mais forte, mais viva, vem em pequenas asas que voam rapidamente, desajeitadas... As cores mais suaves são acompanhadas por asas maiores, mais bem desenhadas e com um voo lento. São mais fáceis de se capturar, porém são as mais dificeis de se soltar. O desenho unico fica encravado em sua mente e isso te deixa num estado de paixão que te faz querer empalhar a borboleta com as asas abertas e guarda-la dentro de uma caixa de vidro para se observar quando bem quiser. Nunca farei isso. Não há razão para se caçar se a finalidade é a morte e o troféu. Prefiro deixar a beleza viver, se espalhar, unicamente a sua maneira, unicamente. Vez por outra a rede se enche de borboletas, e fica dificil decidir qual é a melhor, a mais bela. Não existe isso de melhor quando de fato todas as asas são únicas.


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 3 de março de 2010

Da força nossa de cada dia.

Alguns dias atrás estava eu sentado na calçada, como não haveria de ser, depois de passar o dia todo tentando sem muito esforço ou comoção de minha parte arranjar um emprego por ai, quando me deparei com uma cena no minimo curiosa. Um menino de seus seis anos de idade estava acompanhado por um outro garotinho, talvez seu irmão mais novo sentados logo ali, perto de mim. Até ai tudo bem, mas o que me deixou mais curioso foi quando uma senhora passou por eles e deu um bombom ao menino mais velho. Este por sua vez agradeceu, e colocou a lingua para fora tentando abrir o bombom... Pensei comigo, porque é tão dificil abrir um bombom e logo obtive a resposta: O garotinho não tinha dedos. O que havia no lugar dos dedos eram apenas pequenas protuberancias com unhas, mas havia sim um polegar em cada mão ao menos, e isso ajudava o garoto. Ao final de 5 minutos de batalha ele consegue abrir o bombom, come a metade e dá a outra para o seu irmão mais novo. Foi uma cena no minimo estimulante para mim, que logo ficou corado de alguma vergonha por ter as mãos perfeitas e não cometer a muito tempo gesto tão nobre com elas como o fez aquele garotinho. Foi então que eu reparei que logo depois apareceu num portão a duas casas de distancia um outro menino que era um pouco mais velho. Ele perguntou com um grito o que o outro estava comendo e ele acabando de engolir disse num outro grito: - Bombom. O outro então pediu um bombom pra ele e este, com toda a inocencia, mostrou as mãos vazias que carregava apenas o papel do bombom. Foi então que começou o suplicio...
-Nossa, que isso na sua mão?
O menino, por sua vez, muito embaraçado escondeu as mãos nas costas e ficou tentando pensar numa resposta enquanto o outro continuava a perguntar: -Deixa eu ver!Como que ce faz isso? Deixa eu ver!
O menino então disse, depois de muita pressão: - É mágica!
-Mágica? Como que faz?
-É mágica! - Mostrou novamente as mãos.
-Humm... Como que faz pra elas voltarem ao normal?
Com essa pergunta ficou nitido no rosto do menino a derrota. Foi uma das cenas mais tristes que já presenciei nessa minha curta vida. O menino escondeu de novo as mãos nas costas e caminhou até o muro onde se encostou e ficou cabisbaixo. Seu irmão mais novo corria pela calçada, usando apenas uma fralda, e reparou no seu irmão quieto. O menino estava quase chorando enquanto o outro do portão continuava: - Faz ela ficar normal pra eu ver!
Então o menino mais novo correu para dentro de uma casa e chamou pela mãe. Esta apareceu logo depois e foi até o filho mais velho.
-Mãe... Como que eu faço pra minha mão ficar normal?
-Papai do céu quem fez elas assim...
-Porque que ele fez assim?
-Porque ele quis... E suas mãos são normais. Fala praquele menino que Papai do céu fez elas assim.
O menino foi até o outro que aguardava as mãos ficarem normais e disse que as mãos dele eram daquele jeito porque o tal do papai do céu quis assim.
-Papai do céu? Nossa... ahahahahahahha - Disse o outro menino.
O menino voltou para a mãe de cabeça baixa e mordendo os lábios inferiores segurando o choro mais que podia e entrou na casa. A mãe tentava consola-lo dizendo que ele era o melhor filho do mundo, o que eu não duvidaria por nada. Aquele menino sabia ser forte naquela idade, não derramara uma gota de seus olhos. Eu estava presenciando o nascimento de um grande ser humano no sentido moral do termo. Não tive pena do garoto, nem raiva do outro menino que ficou surpreso pelas mãos do outro. Eu tentei observar a consequencia daquela cena tanto pra um quanto pra outro. E reparei que o mundo vive moldando vencedores e perdedores, o mundo vive construindo e destruindo sentimentos, fortalecendo e enfraquecendo as misérias, permitindo superações fiéis e devastações duradouras...


Felipe Ribeiro