domingo, 20 de junho de 2010

Sejamos.

Não que existam as pessoas más ou as pessoas boas. Existem os dispostos a fazerem o bem e os dispostos a fazerem mal o bem que lhes cabem. A vontade é tudo que resta nas pessoas que estão vivas; essa mesma vontade que ataca a própria Vida, a modifica, a desvirtua conforme a convicção, a fé que cada um carrega dentro de si mesmo... Conforme o amor a causa, por mínima que seja, conforme o amor a causa... Essa causa pode ser feita por nós, buscada por nós, sentida por nós, querida por nós... afinal ela é nossa, só nós possuímos a vontade de ter uma causa. Para tanto basta querer... O que, via de regra parece-nos a coisa mais difícil do mundo. Mas, do que é que se precisa de fato para se querer de verdade o próprio querer? A maioria das pessoas só querem aquilo que lhes assegure segurança, conforto, satisfação diante da vida... Então parece-me que elas precisam de coragem para querer de fato por conta própria algo que só elas poderiam querer. Mas, penso eu, é preciso coragem para de fato querer aquilo que lhe cabe e uma dose extra de sacrificio para deixar de querer aquilo que lhe cabe para realizar-se de fato naquilo que lhe cabe. Disposição e vontade então é tudo o que resta para as pessoas que estão vivas, e estar vivo é realizar o seu querer no tempo que lhe cabe, no seu próprio ritmo, mas que seja realizável em cada conduta. E como vamos saber o que queremos de fato, perguntará alguns. Meu caro, só você pode responder isso por você, mas ai vai uma dica: Escute a sua consciência, sempre. O resto, enfim, deixe por conta do grande fluxo da Vida que a tudo e a todos suga e cospe no balde da vitória ou da derrota, que a tudo e a todos exige cada vez mais coragem, que a tudo e a todos exige cada vez mais ousadia e mais amor e confiança nela mesma. Até nisso podemos escolher, vermos as coisas como uma derrota constante ou como uma vitória gradual. Cabe à sua consciência decidir o que fazer perante a vida e perante os golpes que ela lhe aplica, a todo o momento. Enfim... Sejamos.


Felipe Ribeiro

domingo, 6 de junho de 2010

Conversas pra boi dormir, parte 7.

Cansado de fazer nada em casa a noite resolvi sair para fazer nada na rua. Chego ao ponto de ônibus, num frio de rachar os lábios, e encontro com uma vizinha que estava ali esperando o mesmo ônibus que eu. Acho que ela tinha a minha idade, nos conhecíamos tinha no mínimo uns 15 anos, mas nunca fomos de falar muito um com o outro. Ela até que era bonita pensando bem. Bom... talvez a minha seca fosse muita, mas o único problema dela era que ela falava demais. Nesse dia não foi diferente:
-Oi Felipe!
-Oi.
-E ai, fez a matrícula lá na academia?
-Heim?
-Não se lembra da última vez que a gente se viu e eu te disse para fazer musculação?
-Ah... Sim, agora me lembro.
-E ai, fez matrícula?
-Não.
-E a carteira de motorista?
-Bom... estamos ambos no ponto de ônibus, isso já te responde.
-Porque você não faz as mesmas coisas que os outros caras?
-Que coisas?
-Essas coisas normais.
-Normais?
-Aham... Todos os meninos que eu conheço são assim: tem carro, tem onde pegar, trabalham, ganham um dinheirinho bom... Você insiste nisso de ser magro e pobre! Mulher nenhuma gosta disso não viu! Vai lá, faz musculação, compra umas proteinas e engorda. Tira a carteira depois e compra um carro que esse negócio de ficar no ponto de ônibus passando frio não dá mais não...
-Então essa é a fórmula mágica?
-Ajuda...
-Sei.
-Falar nisso onde você vai?
-Vou ver minha namorada. - Menti.
-Ahhh sim...
-E você?
-Vou fazer uns negócios pra minha mãe...
-É... Mesmo porque se você tivesse namorado você não estaria passando frio aqui, não é verdade?
-Não mesmo!
-É...
-Então você tem uma namorada?
-Tenho... Coitada, ela é pobre, gosta de caras magros e sem carteira de motorista... Ela não é normal como você, graças a Deus.
-Você me acha chata?
-Sim, muito.
-É... mas eu falo isso para o seu bem Felipe... Sério, se voce fosse normal teria chance comigo...
-Deve ser por isso mesmo que insisto em não ser normal...
-Você é muito chato mesmo!
-É tanto faz...
-O ônibus está chegando... Vai nesse?
-Não, vou em outro. - Menti novamente.
-Bom... Até mais.
-Até.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 1 de junho de 2010

Da timidez.

Ser tímido é uma arte. Se nasce com essa áurea e ao passar do tempo ela só tende a se fortalecer. Ser tímido é saber fugir constantemente da própria Razão que, inexoravelmente, te atormenta com o simples fato do bom senso existir. Para um tímido isso de bom senso é tão pesado quanto uma bola de aço amarrada ao pescoço, tão insuportável quanto uma atmosfera fétida. Ser tímido é de fato uma arte, porque ser tímido é saber lidar constantemente com inspirações que lhe surgem como um raio e que te dizem para entrar em ação... As pessoas ditas normais tem isso como um movimento natural, os tímidos não: Esperam até o momento do limite entre o certo e o certo para escolherem de fato entre o certo e o certo... Algumas vezes erram porque fogem simplesmente do que é mais certo, tamanha é a sua inclinação para com o hábito de perscrutar tudo e todos detalhadamente. São as pessoas também mais sensíveis, mais vulneráveis ao vento da desconfiança... Geralmente não aguentam mentiras, mas são os que sabem melhor fingir a sua verdadeira natureza. E fingem não por malícia mas antes por uma auto-preservação natural que faz com que se fechem para todos. Geralmente são pessoas boas, se algum tímido for uma má pessoa é porque alguém fez com que ele se transformasse nisso e daí se torna a pessoa mais perigosa de todas. Quando dois timidos resolvem querer alguma coisa juntos o que se pode observar é um verdadeiro festival de patinação, qualquer erro de calculo é o suficiente para desequilibrar e para travar ambas as partes. E esse cálculo não é um cálculo frio de interesse necessariamente econômico onde cada um observa pura e simplesmente as vantagens que tem a oferecer um ao outro... É um cálculo baseado na quentura da alma, dos rápidos e ousados olhares um para com o outro e que já são o suficiente para ruborizar a ambos, é o sorriso tirado de um a custa de muito sacrificio e que é comemorado no íntimo como a maior vitória de todas... É um interesse mútuo porque o tímido não se interessa apenas em se mostrar (aos poucos) como é de fato, mas antes ele analisa se é mesmo compensatório para o outro fazer com que ele se mostre para o outro... São criaturas compassivas, são criaturas que se apaixonam rapidamente e que não demonstram de jeito nenhum o enorme entusiasmo que a simples presença do outro pode lhe causar. São criaturas, enfim, que acompanham de longe tudo aquilo que um dia poderão ser de perto, que sonham de fato com tudo aquilo que de fato podem ser mas não tem a menor convicção de que podem ser de fato. São humildes no fim das contas, mas não consigo mesmas, porque todas as suas cobranças recaem apenas e tão somente nelas mesmas o que não é pouco porque de fato se há alguém que sabe cobrar (ao menos de si mesmo) são os tímidos. E quanto mais se cobram das duas uma: ou mais se enchem de coragem e arriscam um pouco (o que já representa quase tudo para um tímido)ou simplesmente não arriscam e fogem (o que é a coisa mais fácil para um tímido), o que já é em si mesmo correr outro risco, o de se arrepender por isso. A vida de um tímido é correr esses dois riscos o tempo todo... Na verdade todas as pessoas correm esses riscos, todos os dias da vida, mas para um tímido a coisa toda toma proporções gigantescas. E, para finalizar, quero deixar claro aqui que as pessoas tímidas têm laços duradouros com as poucas (e sinceras) amizades que fazem, mas se duram é porque são temperados com a sinceridade com que só um timido, que deixou de alguma maneira de o ser, pode demonstrar.


Felipe Ribeiro