domingo, 7 de novembro de 2010

Verbo transitivo direto.

Por falar em não entender e não explicar...
Por falar em coisas que nós sabemos e muito bem, e sem pensar...
E que ao mesmo tempo nem sequer sonhamos em sonhar...
Que sendo tão real ultrapassa o próprio imaginar...
Um fato, simples...
Irredutível, eterno...
Que eu chamo de amar...
Lembrei de súbito que hoje ao acordar...
Tive a impressão de ali não estar...
Pois o meu coração pretendia viajar...
Até onde você poderia se encontrar...
Em qualquer lugar...
Se tivesse você seria "o" lugar...
Se tivesse você seria especial esse ali estar...
Se tivesse você seria inesquecível esse ali...
E só falo do ali...
Só falo do chão onde você poderia pisar...
De você, em si, nem ouso falar...
Pois de você eu no máximo posso calar...
Porque a língua que eu deveria explorar...
Para descrever ao menos um pouco do seu olhar...
Não pode ser falada, nem ouvida, nem escrita...
Só sentida...
Gozada, suprimida...
Em toda a minha memória, em todos meus atos, em todo meu ser...
Estar...
Permanecer...
Ficar...
Mudar...
Aceitar...
Crer...
Respirar...
Existir...
Perecer...
Renascer...
E desse ciclo constante a que chamo de vida...
Você seria tão e tão somente só a partida...
Você seria o trajeto, o caminho, a ida...
A volta, a chegada, a despedida...
De tudo que ainda impuro perduraria...
De tudo que eu poderia me trair, me arrepender...
Você seria meu verbo transitivo direto...
Sem escalas, de rumo incerto...
Mas tomado de certezas vãs que não poderia aqui explicar...
Que não poderia aqui compreender...
Só certeza, e nada mais...
Nem do que, nem do quando, nem do como...
Só certeza, e nada mais.

Felipe Ribeiro

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Confusões e Contradições.

Há pessoas que confundem a mudança de opinião com uma possível contradição. A questão é mais complexa, porque essa confusão se dá justamente porque se confunde fidelidade com imobilidade de idéias, o que, a meu ver, nada mais é que um passo para o fanatismo. Acredito que mudar de opinião não seja uma contradição, seria, antes, uma prova cabal do que se decidiu de fato ser ou seguir ou fazer. Toda decisão é uma renúncia, pois se você decide você renuncia alguma escolha em prol de outra ou em detrimento de outra. Contradição não seria não saber o que se quer ou o que se pretende ser, isso é simplesmente ignorância de si mesmo. Contradição é, antes, uma espécie de traição, é você se trair sabendo que se trai, é você mentir para si e para os outros, sabendo que mente, mesmo que seja em prol dos outros ou em detrimento dos outros. E o que mais posso observar é uma onda de contradição, para não dizer mentira, invadindo o cotidiano silenciosamente, sutilmente, imperceptivelmente... É o amigo que lhe diz ser especialista em mulher quando, todos nós sabemos, nem mesmo as mulheres são especialistas nelas mesmas; é o sujeito que se mata no trabalho, que só lhe traz humilhação para a alma, mas que mesmo assim é fiel à imagem de bom cidadão que tenta e busca passar... A contradição está solta e com ela há apenas e tão somente desespero na medida em que não se pode mais controlar o próprio querer, a própria vontade. Em resumo, a mentira leva a mais mentira e, consequentemente a mais e mais prisão da própria vontade, o que os mentirosos não conseguem ver simplesmente porque confundem o ato de mentir com o ato de ser esperto que o engano consequente dessa mentira pode causar. Ser esperto, aliás, é outro predicado caro nos dias de hoje. Um predicado, ao que tudo indica, neutro, amoral, sem cor, apenas refletindo a vontade cada vez mais dependente de mentiras da pessoa que utiliza essa qualidade. Um ato de liberdade seria portando a verdade, tão somente a verdade. E se dizem que a verdade dói é porque não estamos acostumados com ela. A verdade dói mas a mentira destrói. Outra confusão que a maioria das pessoas tendem a fazer... Nem tudo que dói é destrutivo, mas tudo que é destrutivo sempre dói, e muito mais no fim das contas. Outra confusão é entre prazer, gozo e paz. Ter paz não significa propriamente ter prazer, a paz é alcançada, na maioria das vezes senão em todas, pela busca individual da verdade de cada um. E essa busca pode significar dor, renúncias dolorosas. Mas, a verdade é a única coisa que liberta cada um e se liberta é possível suportar e se suporta tudo fica mais fácil, mais fraco, mais viável. A questão é que nos inviabilizamos a nós mesmos a todo instante com as mentiras, e isso tem por consequência o estranhamento gradativo de nós por nós mesmos. Daí as confusões, os medos, os receios, os encantos desencantados, os desencantos encantados. Não se deve, claro, resumir o homem e seus problemas só e tão somente só nisso. O ser humano é por demais rico, por demais complexo e por demais confuso e contraditório para se dizer alguma coisa com toda a certeza, com toda a calma. Mas esboço aqui apenas um esboço. E esse esboço esboça apenas outro esboço daquilo que presumivelmente pode ser. E se é, não sei, mas aceito que pode ser sim. E entre saber e aceitar há de fato uma distância imensa...

Felipe Ribeiro