sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Liberdade ainda que tardia...

É incrível minha falta de fé. Mais incrível ainda é constatar que eu me surpreendo com ela. Porque quando nossa fé é testada algo acontece que nos faz ficar abobados, imbecilizados pela certeza férrea que vai nos deixando, escorrendo pelas mãos. Essa mesma certeza que nos faz ser tão cegos ao ponto de não acreditar em nada que os olhos não possam ver, em nada que os sentidos não possam sentir, em nada além que possamos crer. Essa mesma certeza que nos faz ser tão prepotentes e ao mesmo tempo tão dependentes, tão seguros de nossa segurança ilusória que nos faz ser sempre inseguros a tudo que nos escapa, tudo que ultrapassa os limites estipulados pela simples fé que foi testada, experimentada, tornada sensível no campo do consciente. Porque não crer se nós não estamos na condição de saber? Sabemos mesmo ou achamos por acaso que sabemos? O que é o saber senão uma fé disfarçada, apequenada nas condições impostas pelos sentidos mais densos, mais ridiculos e superficiais? Ter fé é ter a coragem de confiar no invisível, no insondável, no indescritível, no insustentável... E quantos de nós não a temos e nem ao menos sabemos? Dependemos dela e nem notamos, guiamo-nos por ela e confundimos com livre arbítrio... E o que é essa mesma liberdade a que todos almejamos senão a vontade imensa de ser enfim sem as dependências todas que nos tolhem e nos agridem a todo instante? E se eu disser que somos livres, sempre o fomos, acreditariam? Alguns sim, e nem precisariam de provas, outros não e me estenderiam as mãos como pedintes por um punhado de provas que satisfariam suas necessidades de paz. Ai vai a prova: Você pode acreditar, ter a fé nisso e ser livre, ou não. Quer maior liberdade? O que nos impede de sermos livres são os receios, os medos, ou, simplesmente, um mal entendido que nos faz pensar que liberdade é o mesmo que libertinagem. Liberdade advém uma grande responsabilidade e nem todos estão aptos a responder por tudo o que fazem ou deixam de fazer... Por isso preferem esquecer e delegar toda a responsabilidade que lhes cabem em órgãos competentes, em autoridades, em celebridades que ditam as normas, as regras, que norteiam e facilitam suas escolhas. E suas escolhas se tornam o reflexo da sua falta de coragem em confiar em seu discernimento próprio. e meu próprio discernimento me diz: Tenha fé, pois és livre.

Felipe Ribeiro.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O limite do si.

Sofrer é tentador... Ser feliz é uma escolha pra lá de dolorosa. Niguém neste mundo consegue a paz sem levar consigo uma dose de completa insegurança. É no contrário que se busca o certo, e é essa contradição que faz dos homens homens. Um gato não sabe de nada disso, mas, no entanto, ele cumpre seu papel de gato sem ao menos perceber que o faz. O homem tem seu papel também, mas entre ele e o seu cumprimento estão as escolhas. Talvez seja o homem isso, as escolhas que ele faz. E toda escolha abre um campo ilimitado de novas perspectivas, novos meios, novos medos, novos tombos e novas conquistas. Tudo é uma questão de como encaramos o tudo que escolhemos viver. E quando digo que sofrer é tentador não falo de uma teoria abstrata, mas sim na prática. As paixões nos assolam o tempo todo e com elas vem as correntes, as jaulas douradas que nos enganam o tempo todo, que nos tolem e nos faz achar que os limites não são ultrapassáveis. Isso é sofrer, sofrer no gozo, pelo gozo, para o gozo. Ser isso não faz do ser um ser completo, mas antes um ser que busca eternamente a paz. Pascal mesmo já dizia que a vida do homem é isso, aventurar-se para logo cair no tédio. A felicidade é um parto. É dolorosa porque nela há muita renuncia de si. E renunciar-se é mais dificil do que parece porque há na maioria das pessoas o hábito de serem caprichosas, vaidosas, completamente egocentricas e com isso há o enfraquecimento da vontade de ser mais do que se é, porque o limite é sempre imposto pelo desejo de ter atentido tudo o que se quer ser ou ter. Só se é verdadeiramente quando não se é, ou seja, é o contrário do que achamos que somos. É o belo, é a bondade, é o fruto de uma escolha certa que vai contra nossos principios animalescos e egoistas... Como é bom saber disso e como é melhor fazê-lo.


Felipe Ribeiro.

domingo, 26 de junho de 2011

Ar rarefeito.

Quando você desiste acontece algo no minimo anormal. Você se encontra de repente numa paz interior que te deixa num estado de letargia, num estado em que nada mais pode te atingir. E daí se eu perder o ônibus? Já o havia perdido mesmo... e daí se eu chegar atrasado em casa? O que iria fazer? Muito provavelmente dormir e acordar de manhã pra mais um dia de serviço... Sabem, a rotina chega a um estado que não mais massacra porque já não sobrou nada para massacrar de você. Então, esse estado de paz interior faz com que você se anestesie... Não sei se é ruim, mas quando isso acontece um zumbido aparece sempre no meu ouvido esquerdo, interessante... Acho que é um processo natural de sobrevivência social que impede a pessoa de explodir e cometer alguma besteira. Natural? Tenho minhas dúvidas... O medo é natural, mas como eles trabalham com esse medo é completamente artificial e cruel. te impelem o tempo todo a ser o que se pode ser, o que é designado para se ser e isso vira uma bola de neve que acaba esmagando de fato aquilo que você de fato é, ou seja, aquilo que no intimo você se preocupa em preservar e que a maioria das pessoas nem fazem muita questão de saber. Tudo isso somado ao pavor da rejeição social facultam a uma atmosfera no minimo asfixiante. A maioria das pessoas já se acostumaram com esse ar rarefeito. E quando ele quase acaba vem a paz interior, o dispositivo automático que impede a pessoa de explodir e ganhar a verdadeira dignidade que lhe foi tirada ao preço de uma provável rejeição social, a uma provavel falta de dinheiro, a uma provavel demissão por justa causa, a um provavel deserdar de seus pais, enfim, a toda uma gama de prováveis que provavelmente podem acontecer muito provavelmente. A verdade que nos dizem é que o ar sempre foi rarefeito nesse mundo. Poucos conseguem de fato respirar verdadeiramente. Respirar verdadeiramente é respirar a plenos pulmões, é se sentir pleno de saúde física, mental e o escambau. Mas a verdade é que existe ar pra todo mundo, as pessoas é que acham que existem pouco, e esse pouco que tem é disputado por todos os narizes possíveis. É essa sensação de peso que acompanha todos as pessoas, essa sensação de que o ar pode acabar a qualquer instante e você morrer de sufocamento... Entendem? Acho que estou falando besteira, afinal nos ensinam que devemos nos tornar melhores naquilo que fazemos sempre, nunca parar no caminho, nunca ficar satisfeito com o que tem e com o que se faz com o que se tem, ou seja, com o que se é de acordo com a perspectiva do que se tem, e que tudo isso dignifica a pessoa. O que vem a ser dignificar um ser humano? O que é dignidade? Qual regra você tem de seguir para se tornar digno? Existe alguma regra? E o que vale a dignidade se o jogo que ai esta é completamente insano e indigno? Sim, sim, vou compartilhar a minha dignidade com as pessoas dando um exemplo de cidadania, vou pagar meus impostos porque sou digno, vou trabalhar porque sou digno, vou consumir porque sou digno... A pergunta é: Por que sou digno? Porque tenho que respirar o pouco ar que dizem existir e que nos deixam respirar, tenho que ser digno de respirá-lo para sobreviver e conseguir alcançar a tão sonhada vitória na minha vida... E daí... sim, e daí estarei em paz, com a consciência limpa de que eu de fato vivi dignamente... Consegui sobreviver. Estranho, o zumbido no meu ouvido esquerdo está aparecendo de novo enquanto escrevo isso... Eu desisti, internamente. O fato de eu continuar com meus afazeres e continuar simplesmente não demonstra uma hipocrisia... Demonstra uma vitória, porque eu consigo respirar a plenos pulmões. A plenos pulmões, estou em paz, a plenos pulmões no ar rarefeito que me deram a respirar, a plenos pulmões... Pois a liberdade se encontra sempre à disposição de quem a quer vivenciar, mesmo estando atado o ser livre é livre em qualquer estado. Não tenham medo de respirar... Há ar para todos.

Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Desculpem por isso, parte 2.

Perguntaram-me porque não ando escrevendo mais no meu blog. Porque não tenho o que escrever, talvez. Porque deveria? Quem sabe? Eu não sei de nada. Apesar disso ando contente. Não, talvez seja apenas o velho tédio que voltou depois de alguns anos de profunda tristeza. Nesses anos eu escrevia muito, confesso. Não porque eu tinha o que escrever, mas talvez porque eu necessitava escrever, necessitava extravazar. Agora não tem nada para extravazar, já extravazou. Extravazou porque a jara estava quebrada e tudo que estava dentro escorreu para fora, agora só sobrou os cacos e os remendos que não foram muito bem remendados. Enfim, apesar disso tudo eeu juro que me esforço para escrever um texto inteligente, um texto ácido, um texto enfim que me exponha de uma maneira favorável no cenário daqueles que se dizem escritores. Sim, eu sei, ridículo, eu sei, os escritores. E os que acham que o são então, melhor nem dizer. Eu acho que sou um desses que pensam que são escritores. Eu não sou, apesar de gostar de escrever. Aliás, sobre o que eu estou divagando? Agora mesmo me peguei numa indisposição absurda, aliás, estou com ela agora enquanto tento escrever alguma coisa aqui para as poucas pessoas que sentem a falta dos meus escritos, se é que sentem. Nunca consegui entender as pessoas, nunca pensei em termos do tipo "essa pessoa é hipócrita" ou "essa pessoa é honesta". Sou muito burro para pensar assim, e demasiado despretencioso para tanto. Penso nas pessoas em apenas um único termo que nem sei bem ao certo se é o mais válido. Não, na verdade nem isso. Não, na verdade não mesmo. Ando cansado, sei disso. Porque ando cansado? O mundo grita pela justiça, há coisas horriveis e belas ai para serem escritas, há coisas lindas e belas que ainda me chocam, há coisas tristes que me fascinam, ou seria o contrário, nunca sei. Talvez o que me falte é a emoção. Emoção vem do latim que significa mover-se. O que me faz mover agora não é bem uma vontade, mas sim a própria inércia do que foi um dia uma vontade terrível de escrever. Essa mesma inércia, que é a tendência de os corpos que estavam em movimento continuarem em movimento, esta se extinguindo aos poucos. Tenho um emprego, confere. Amo uma mulher, confere. Tenho saúde, confere. Tenho amigos, confere. Não devo na praça, confere. Tenho uma família, confere. Todas as coisas boas da vida me acusam e me fazem tremer de emoção quando penso que poderia ser pior. Isso é assustador, pensar no pior. Lógico, sempre é assustador. Mas, estou perdendo de novo o fio da meada... O que eu quero dizer é que não tenho motivos para me entristecer. E a tristeza me faz uma falta danada. Vai entender! Talvez eu tenho é saudade do tempo que eu tinha disposição para escrever sobre qualquer coisa, sem pretensão alguma. O grande problema hoje é que eu preciso de alguma pretensão para escrever, porque é uma necessidade eu me tornar útil, porque eu me sinto um inútil. E a bem da verdade, quando eu era de fato um inútil, e não como hoje que eu só me sinto um, me sentia muito mais livre para escrever. Melhor dizendo: Agora que sou útil para a sociedade porque eu trabalho, porque eu amo, pago minhas dívidas, não dou trabalho para minha familia, tenho uma saúde impecável e sou aquilo que dizem ser o objeto social do homem de bem me sinto podre por dentro a tal ponto de não ter nada para escrever. Uma amiga me disse que eu estava possuido hoje. Deve ser o verme da comodidade, o parasita da normalidade que se instalou em mim e que esta a comer velhos ímpetos de criatividade e a cagar sonhos que antes eu não tinha, como por exemplo entrar com um financiamento de uma casa, ajuntar dinheiro para não me preocupar futuramente, contar os anos para minha aposentadoria... E minha amiga acertou em cheio: Onde esta o Felipe? Aquele felipe chato, carrancudo, calado, machista, idiota, hipócrita, mentiroso, bêbado, triste, sofrido, miserável, mas que tinha a sua alma intacta e a sua liberdade de expressão, porque tinha o que expremir? Não sei. Confesso que não sei. Mudei, para melhor, o que me tornou pior. E não tem culpados, não tem inocentes. O que se tem é isso. Fato. Desculpem por isso, outra vez.


Felipe Ribeiro.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Minto, logo sobrevivo.

Qual é a verdade a que estamos sujeitos?
Qual a verdadeira verdade a que estamos imersos?
No mudo, fundo e obscuro ingresso
Do misterioso e universal preceito
Que temos total certeza que nos afeta
E afetando nos afastamos
Assustadiços, envergonhados, submissos...
A qual verdade estamos incluidos?
Todos nós, sem nenhuma falta, nenhuma excessão...
A fuga é a verdadeira mentira...
A mentira é a verdade nos dias atuais...
O esforço se transformou no domínio das coisas banais...
E a banalidade não precisa de nenhum esforço...
Nos dias atuais ela é a regra...
E a excessão é a Lei.
E essa mesma Lei é inexorável...
Universal pois afeta a todos...
Há os que fogem na máscara da independência...
Prorrogando o inevitável...
E o inevitável é evitável de todas as maneiras...
Em vão.
E em vão vamos pondo a falsa vontade...
Em vão pensamos que podemos muito...
Em vão achamos que temos o poder sobre...
Um absurdo...
Um orgasmo egoístico de fundo...
E a pretensão como medida certa.
E certamente não mede nada...
E como medir se nem sabemos usar a régua?
E a Verdade impera, sempre...
Fortemente nos corações bons...
Avassalodaramente nos ignorantes...
Nos bêbados de si mesmos...
Nos fantoches alheios a sua verdadeira vontade...
E nos que mesclam perfeitamente o seu orgulho
E a sua vaidade...
Criando assim a indiferença e a fatalidade...
Da mentira da verdade de hoje em dia...
E da verdadeira mentira de todos os dias...


Felipe Ribeiro.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Alienado, graças a Deus!

Então finalmente eu consegui ficar em casa sozinho durante algumas horas. Fazia alguns meses que não assistia a nenhuma programação de nenhum canal de televisão. Lá estava o controle, ali a televisão, ali o sofá. Perguntei-me se valeria a pena aquele torpor. Não valia, eu bem o sabia, mas por mera curiosidade resolvi ligar o aparelho e constatar o que estava se passando na programação de alguns canais. Assim que liguei o aparelho o canal respectivo era o mesmo que passava umas seis novelas por dia e que não era novidade alguma estar sintonizado nele. Meus familiares adoram novelas. Porém já havia passado o horário da última novela do dia e estava prestes a começar um programa designado "reality show", algo assim. Primeira cena: Uma mulher completamente embriagada tirando a calcinha e rebolando os quadris. Segunda cena: Alguns homens musculosos gritando e xingando uns aos outros. Terceira cena: Todos pulando e dançando ao ritmo de uma banda ao vivo, todos com suas respectivas bebidas em mãos. Mudei de canal. No outro estava passando um debate entre pensadores brasileiros sobre a politica de um país distante que estava sendo governado por um ditador a mais de vinte anos e que agora estava sob a insurreição da maioria da população. Assisti um pouco e ouvi todas as opiniões. Mudei de canal e estava a passar um programa humoristico onde havia algumas mulheres musculosas que rebolavam sem parar. Assisti um pouco e mudei. Outra entrevista. Mudei. Um pastor gritando aos seus fieis. Prestei um pouco de atenção. Mudei. Voltou ao primeiro canal onde ainda se passava o tal "reality show". Dessa vez uma mulher falava a outra sobre um plano terrivel em que a maioria estava empenhada para desmoraliza-la. Não sei se a mulher era a mesma que eu havia visto no começo, mas se fosse não precisaria de ninguém para desmoralizá-la, ela havia feito isso minutos antes. Desliguei a televisão. Não havia nada de novo em meses, absolutamente nada. A mesma vaidade, a mesma promiscuidade de sempre, a mesma apelação. Não havia o que se fazer, só mesmo desligar a televisão. A mim pareceu o mais sensato. Eu fiquei a imaginar quem poderia assistir aquilo tudo e conseguir gostar daquilo e por que? Logo em seguida minha familia retornou e a primeira coisa que fizeram foi ligar a televisão. O tal "reality show" já havia acabado, e minha mãe me pergunta se eu não havia visto. Disse que não. Minha irmã mais nova pega o controle e coloca num canal onde se paga para assistir à aquele "Reality show" durante 24 horas por dia. Ela ficou no sofá por quarenta minutos assistindo aquelas pessoas que não falavam coisa com coisa. Uma cena me marcou profundamente: Durante mais ou menos uns vinte segundos a camera do "reality show" focou numa mulher que estava dormindo. Vinte segundos. Eu observei minha irmã. Estava vidrada naquela cena. Observei novamente a cena e a moça ainda dormia. Cocei a cabeça e pensei: "Que diabos! O que é que ela esta vendo que eu não consigo ver?" Respirei fundo e fui para meu quarto terminar de ler um livro. Acho que o livro se chamava "As vinhas da ira". E ainda me chamam de alienado porque eu simplesmente não sei o que acontece nesse "reality show". Sim, eu sou um alienado, nesses termos, eu sou um alienado. Com orgulho, um alienado, um fora de sintonia, um ultrapassado, atrasado, mediocre, ignorante. Sim... nesses termos, sim, eu sou. E devo confessar que continuarei a sê-lo enquanto durar o pouco senso que eu tenho a respeito de minha dignidade.


Felipe Ribeiro

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Desculpem por isso. (parte 1)

Tenho cada vez menos tempo para escrever aqui, portanto tenho cada vez menos inspiração para escrever algo que realmente vale a pena ser escrito; o que não quer dizer que tudo que eu escrevi até aqui seja lá muito relevante para a humanidade. Portanto devo escrever que ultimamente me sinto cada vez menos eu. O que é engraçado porque a maior parte da minha vida tentei de fato descobrir quem sou eu para mim mesmo e agora que eu já me cansei de me procurar descubro que não estou sendo o que eu costumava ser e portanto estou sendo cada vez menos eu. É estranho discernir alguma coisa pela sua falta, mas é exatamente isso que acontece com os que de fato não são atentos para com as coisas mais essencias em si próprios. É estranho notar essa falta e como ela se faz presente. É como uma inércia, é como um motor quente que para de rodar mas que ainda esta estalando de quente. É como uma ventania, uma gigantesca tempestade que vai se acabando aos poucos... Bom, e o que é que eu quero dizer com isso afinal de contas? Não tenho a mínima idéia. Acho que estou escrevendo por tédio. E se alguém chegou até aqui nessa leitura significa que está mais entediado do que eu mesmo. Queria escrever um poema... Mas não consegui. Queria escrever um texto profundo, filosófico, uma anedota, alguma coisa com vida o suficiente para dilatar a pupila de alguém... Queria apenas escrever. E saiu isso. Desculpem por isso.


Felipe Ribeiro

sábado, 15 de janeiro de 2011

Conversas pra boi dormir - parte 8

Estava eu em mais um dia de serviço como vendedor de livros quando fui abordado por um garoto.
-Moço, eu queria um livro bom, o que você me indica?
Ahh... como é bom falar de livros bons. Mostrei-lhe Dostoievski, Kafka, Bukowski, Hemingway, Victor Hugo, Herman Hesse, John Steimbeck... Mostrei-lhe tudo que achava bom para o rapaz, tudo que poderia de alguma forma nutrir seu espirito, aquecer-lhe a dignidade, inquietar-lhe a monotonia dos pensamentos... tudo. Tudo em vão.
-Mas... Moço, esses livros são muito grossos...
-São o que? -Refreei meu impulso e respirei profundamente. Vi então que eu estava vendido, amarrado, subjugado, acorrentado na máxima "o cliente tem sempre razão".
-São muito grossos... Não tem um mais fininho ai não?
Olhei bem para o garoto... Meio gordo, gel no cabelo, bem perfumado, camisa social, calça jeans, tenis de marca, usava aparelho ortodontico... a boca meio aberta, mastigava chicletes...
-Quantos anos você têm? -Perguntei
-Eu? Quinze...
-O que você procura?
-Como assim?
-O que você quer ler?
-Um livro bom... Tipo, que me faça passar susto.
Pensei em sugerir-lhe algum livro sobre política internacional ou algo do tipo, mas a piada seria hermetica demais e ele muito provavelmente não entenderia...
-Que te faça passar susto? Terror?
-Isso! Terror... Tem?
Mostrei-lhe a bancada com os livros de terror.
-Ahhn... Não tem um mais fininho?
-Não... tenho só esses...
-Eu queria um livro bom... tipo da saga crepúsculo, entende? Aquela saga é boa!
"Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu, Criador da Terra, Criador de tudo e de todos... Dái-me força ó Pai... Dai-me força nessa hora sombria, porque mesmo que eu passe pelo vale das sombras e da morte, com Ti não perecerei..." Foi o que me passou no coração naquele instante. Não poderia perder as estribeiras, não poderia deixar tomar conta o comichão que me coçava pedindo para brincar com aquele garoto, mas que talvez me faria perder o emprego naquele mesmo dia... Todos temos que saber as consequências dos nossos atos...
-Escuta... Que tipo de livro você quer?
-Um livro que me faça ficar com trauma! É... traumatizado!
Pensei em lhe indicar alguns livros de auto-ajuda... Mas não, seria pesado demais para aquela idade saber que num futuro não muito distante as pessoas gastariam muito dinheiro comprando livros que ditariam o que é bom para elas serem felizes...
-Olha... Não é muito bom você ler livros assim...
-Olha! Eu tenho dinheiro! E minha mãe não vai ficar sabendo!
"Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu, Criador da Terra, Criador de tudo e de todos... Dái-me força ó Pai... Dai-me força nessa hora sombria, porque mesmo que eu passe pelo vale das sombras e da morte, com Ti não perecerei..." Respirei... Lembrei de súbito de um livro bom e fino do Camus: "A peste". Mera coincidência com o contexto, se é que coincidências acontecem... Mostrei o livro para o garoto explicando para ele mais ou menos a trama do livro.
-E é bom?
-Tem morte e podridão.
-Massa! Escuta, vou levar... E... Vocês tem livro ai de sacanagem?
-Sacanagem?
-É... Você sabe... Sacanagem... Mulher pelada! - E ficou vermelho como um pimentão rindo de leve...
-Não, não trabalhamos com isso... E eu nem poderia te vender isso, você é de menor...
-Sim, tá certo... Mas ninguém ficaria sabendo...
-Eu ficaria.
-Ahhh mas você é o vendedor, faz tudo que a gente pede...
"Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu, Criador da Terra, Criador de tudo e de todos... Dái-me força ó Pai... Dai-me força nessa hora sombria, porque mesmo que eu passe pelo vale das sombras e da morte, com Ti não perecerei..."
-Não dá... O pessoal do caixa não iria passar isso pra você.
-É verdade né...
-É...
-Tá bom moço, vou levar esse aqui, é fino...
"Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu, Criador da Terra, Criador de tudo e de todos... Dái-me força ó Pai... Dai-me força nessa hora sombria, porque mesmo que eu passe pelo vale das sombras e da morte, com Ti não perecerei..."
-Você vai gostar...
-Será? Eu li a orelha dele e não entendi muito bem...
"Deus Pai Todo Poderoso, Criador do Céu, Criador da Terra, Criador de tudo e de todos... Dái-me força ó Pai... Dai-me força nessa hora sombria, porque mesmo que eu passe pelo vale das sombras e da morte, com Ti não perecerei..."
-Obrigado moço, até mais!
-Até...
Pensei que era alguma pegadinha do pessoal que trabalha comigo, uma espécie de iniciação para os novatos, mas não... O que me consolou de vez foi uma das minhas colegas falar para mim:
"-É assim todos os dias... Acostume-se."
E acostumei-me.


Felipe Ribeiro