sexta-feira, 24 de julho de 2009

Do sucesso.

A existência só pode ser preenchida com a vontade.
A vontade só pode ser preenchida com a motivação.
A motivação só pode ser preencida com a esperança.
A esperança só pode ser preenchida com a confiança.
E a confiança com uma dose letal de ingenuidade.
No fundo temos que nos entregar...
Nos jogarmos num abismo...
Nos permitimos e colhermos alguma autonomia.
Se libertar, enfim.
Isso é ser Fé.



Felipe Ribeiro

Do fracasso

É como se todos os dias fossem a mesmíssima coisa...
Sem surpresas, sem aquela esperança tola...
Aquela que nos faz ficar acordados...
Buscando um foco para se distrair, um ser amado, encantado...
Uma imagem perfeita daquilo que se poderia querer...
Mas, nem isso, nem ao menos um ser...
Nem ao menos uma vontade...
Nem ao menos uma coragem.
E a cada tentativa permitida você se sente mais fraco...
Mais triste, desiludido...
Mais trapo...
Do que individuo...
Mais lixo do que vivo.
E nessas horas você sente o bom senso lhe pedindo clemência...
Como se o seu sangue, sua vida pedisse urgência...
E de relance você observa algo que poderia ser...
Mas respira fundo e se pergunta o por que...
A vida perde se não escutamo-la...
E só a ouvimos quando paramos de vivê-la...
É um som baixinho no pensamento, na cabeça...
E é o que te faz ter firmeza...
Firmeza é outra proeza...
Felizes dos distraídos que se encantam facilmente...
Eles não se atormentam constantemente.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 21 de julho de 2009

Pequenos deuses

Assim como o paradoxo esbofeteia a lógica
Eu tento fazer o mesmo com a falsa moral
Aquela que cada um de nós carrega
E que deixa a mostra
Sem o menor pudor ou consciência.
Mas o que me impressiona mais
É que não consigo mais me impressionar.
Não que eu queira achar alguém de alma completamente pura
Não que eu queira achar um santo
Ou um demônio completo.
Mas ao menos um humilde...
Ao menos um sincero...
Ao menos um descontente com algo real.
Não simplesmente com fantasmas insanos.
O que eu encontro no caminho são pequenos deuses
Pequenos deuses...
Todo poderosos em sua arrogância
Todo poderosos em sua busca insana
Em seu auto engano constante
De dissimular aquele tirano moral
Que come a carne, a vida, a espinha dorsal
De quem quer que entre em seu caminho.
Projetos de moralidade
E futilidade plenas.
Matam sem ao menos saberem disso
Cospem fora o sumo que não lhes convém.
E assim caminham entre nós, a maioria.
Um panteão de ignorantes.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 14 de julho de 2009

Conversas com uma amiga.

Ora muito bem... O apartamento era simples, a festa banal, a música boa e as companhias essenciais... Enquanto a música rolava e alguns amigos iam pra varanda, eu e ela ficamos sentados no chão, um de frente para o outro, cada um com seu cigarro e seu copo de vinho tinto barato. E o vinho, ahh o vinho! E os cigarros pra ambientar melhor a atmosfera daquele momento mágico de uma conversa um tanto bebâda, mas franca, com uma grande amiga.
Olhei para ela e dei de ombros, num sorriso sem dentes. Ela então começou...
-Então Frank... O que é que há?
-Olha... boa pergunta. Eu não sei.
-Quem é que sabe de alguma coisa nessa vida?
-É... porra... é... Enfim, eu acredito que cheguei a uma conclusão bastante interessante sobre tudo isso...
-Sobre tudo isso o que?
-Isso tudo... Veja, acho mesmo que podemos falar no máximo daquilo que nos condiciona, saca, da nossa condição ignorante no mundo? Mas, o que somos em si acho que é pura especulação.
-Concordo contigo Frank...
-Porque somos tudo e nada ao mesmo tempo, somos uma comparação, entende? E por sermos uma constante comparação nós mudamos constantemente...
-Exatamente! Eu acho que nunca somos, apenas estamos, apesar de sermos algo, entende?
-Sei... interessante porque enquanto somos, estamos... E enquanto estamos, somos.
-É! Logo nem nós e nem ninguém sabe de fato o que somos, tipo, sabemos que somos algo, mas nos conhecemos a partir do quando em que estamos, em diferentes momentos...
-Sim porra... É essa a nossa condição no mundo, perante ele e perante os outros e perante a nós mesmos... É disso que podemos falar sem medo, ou melhor, especular seguramente... Pode isso tudo não passar de um sonho de um maluco?
-Poxa Frank... Vivo me perguntando isso! É mais um mistério que me enlouquece...
-Porra... Pergunte isso vivendo... entende?
-Sim, é isso que tenho feito nos ultimos tempos...
-Quer mais vinho?
-Quero, enche ai...
-Então... Que bom... Sabe, viver a vida e esquecer de certas coisas servem justamente para não nos enlouquecer de vez, ou melhor, não perder o fio da meada... saca? Aquela pouca fé que temos e que de vez em quando nos sustenta...
-Exato! É por isso que tenho me sentido tão bem... Tem fogo ai?
-Perae... Toma o isqueiro...
-Sabe... eu cheguei a conclusão de que cada um fica bem ao seu modo Frank... Mesmo aquelas pessoas que vivem se punindo e blablabla, se aquele é o jeito delas, então porque não deixá-las serem assim?
-É... te entendo, mas ainda acho que deve ter um limite... Senão a pessoa se auto-obseca e fica se fodendo pensando que esta bem...
-Aham... Concordo contigo, mas digo que cada um tem seu jeito de ser feliz. Não existe um estereotipo de felicidade, apesar de usarmos muitos sem querer e sem notar...
-Felicidade... Puta que pariu... Felicidade... Que é ela pra você?
-Olha... pra mim felicidade é o que passamos a vida inteira conquistando, saca? É a falta de algo, a angústia do não ter e a alegria por conquistar. É partir pra outra Frank, é o motor da sociedade!
-Isso é insatisfação, não?
-Acho que não, porque satisfação nos deixa deprimidos, as vezes pode sim nos impulsionar e tal... mas nos impulsiona pra ir de encontro com a nossa felicidade que, na minha concepção, nunca é plena.
-É.. mesmo porque se for plena não tem mais porque ser feliz. É como a lamentação... Quando acaba a causa dela não tem mais um porque existir... vira um fantasma.
-Isso mesmo!
-Legal, legal... então a falta é o que nos impulsiona... E não pode ser plena porque falta?
-É.. penso assim. Pode não ser verdade, mas penso assim...
-Pra mim faz todo o sentido.
-Bom então... vinho por favor!
-Opa...
Nessa hora ficamos bebericando cada um o seu copo de vinho, pensando em tudo que acabávamos de dizer... A coisa fluia... Ficava claro, apesar de sabermos o quão ignorantes ainda o erámos para com qualquer coisa que fosse. Olhei pra ela e ela sugava lentamente seu cigarro, olhando pra varanda, para o céu escuro daquela madrugada... O vinho acabou e fui buscar mais. Alguém a chamou na varanda. Bebi uma garrafa inteira sozinho. A festa valeu a pena.


Felipe Ribeiro & Dinah Lorena

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Amanda

Então tinha aquela velha vizinha que eu conhecia tão bem quanto a minha mãe. Essa vizinha, por sua vez, tinha uma filha linda que trabalhava o dia inteiro e que, por sua vez, tinha uma filhinha de seus 5 anos de idade que, por sua vez, passava o dia todo na creche ou escolinha ou hotel escola, enfim, porra, não sei o nome mais disso. A avó trabalhava de doméstica numa casa de madame longe da cidade e também passava e lavava roupas de estudantes vagabundos de república. Nesse dia em particular ela estava com mais de cinquenta quilos de roupas pra passar e por esta razão me pediu pra ir buscar sua netinha, de nome Amanda, na creche ou escolinha ou hotel escola naquele dia. Não era a primeira vez que eu buscava a menina lá naquele antro de meninos catarentos e barulhentos, de modo que eu já era conhecido pelas professoras. A Amanda, naquela época, era a única criança que eu conhecia. Não, talvez ela fosse a única criança que me conhecia de verdade, e só por isso eu gostava dela, de verdade. Bom, enfim, quando cheguei no local as crianças já estavam saindo e se juntando a seus respectivos pais.
- Vim buscar a Amanda. - Disse para uma professora gorda e com cara de cansada.
- Ah sim, um minuto. - Me respondeu com um suspiro, como se tivesse corrido uma maratona.
Aquele barulho todo insuportável de crianças rindo, gritando e algumas chorando me fez ter por alguns instantes nauseas. Aquele cheiro de giz de cera, massinha de modelar e alcool do mimiografo me fez lembrar da minha infância.
-Tio Xelipe! - Gritou a Amanda que veio correndo em minha direção arrastando sua mochila de rodas. Ela estava gripada e por isso mesmo falava tudo mais errado do que de costume. Me deu um abraço que envolveu minhas coxas e não queria mais se desgrudar.
-Olha, ela tem dever de matemática pra fazer, fala pra avó dela. - Disse a professora.
-Pode deixar.
-Cadê vovó Dinha? - Perguntou a menina.
-Tá trabalhando, agora desgruda pra eu poder te levar pra casa.
Ela me deu a mão e fomos andando. Ela andava muito devagar e a todo o momento me pedia para carrega-la no colo. A inssistência foi tanta que sugeri sentarmos na calçada um pouco pra que ela pudesse descansar. Sentamos na calçada, ela tirou as sandálias e ficou jogando pedras no meio da rua. Aproveitei pra deitar na calçada e curtir um pouco a sombra da árvore em que estávamos embaixo. Ela parou de jogar as pedras e se deitou ao meu lado e ficou lá me fitando até me deixar sem graça. Por fim ela me obrigou a perguntar:
-Que que ce tanto olha menina?
-Seu naliz. É bremeião!
Sim, claro, depois de ter passado a tarde toda bebendo uma garrafa de tinto meu nariz fica um pouco vermelho mesmo.
-Tá... E o que que tem ele assim?
-Palece um paiaço! Ce é paiaço?
Sim, ela era honesta, ainda tinha o compromisso com o que sentia, com o que via, e não fazia menssura de não compartilhar isso com os outros... Quando é que isso acaba nas pessoas?
-Ahahahahaha! Boa! Sou sim princesa...
-Então puque você não sorri?
-Porra, como assim? Não acabei de rir?
-Mas ce não faiz ri! Que cicu você é?
-O circo que eu trabalhava fechou.
-E ce já plocurou otô cicu?
-Não, ainda não.
-AATCHIN!
-Deus te crie princesa...
-Ameín!
-Já descansou né? Vamo bora então!
-Ah não! Num quelo i pra casa!- Dizia isso enquanto calçava suas sandálias.
-Que bobagem é essa agora?
-A vovó semple me pegunta se eu tenho deve di casa. Aí eu tenho que fazê!
Sim... Ela ainda tinha inocência, ainda era dura de caráter, não sabia mentir... Quando é que isso acaba nas pessoas? A avó trabalhava o tempo todo na cozinha passando as roupas, e quando a menina tinha dever pra fazer ficava muito mais fácil vigiá-la. Isso era uma tortura pra pequena que gostava de brincar o dia inteiro com seu cachorro.
-Me mostra o dever de matemática ai vai...
Ela buscou o caderno de matemática dentro da mochila de rodas e me entregou. Nada de mais, mesmo para mim que não sabia muita coisa de matemática ou de algo exato no mundo. Podia fazer aquilo tudo em 5 minutos. Foi daí que tive uma idéia.
-Vem comigo Amanda.
-Onde qui a gente vai?
Estava levando ela num pequeno armazém que tinha numa esquina perto de casa. Chegando lá me sentei na calçada e entreguei 5 reais para a Amanda gastar com o que ela quisesse lá dentro. Fiquei esperando ela do lado de fora com seu dever de matemática em mãos. Fiz todo o dever. Ela voltou com dois pacotes de salgadinho e um saco de papel lotado de balas. Me entregou um dos pacotes e eu devolvi pra ela. Sim, ela ainda tinha decência de se lembrar dos outros... Quando é que isso acaba nas pessoas?
Entreguei o caderno com o dever de matemática pra ela. Ela guardou e nem desconfiou de nada. Sim, ela era pura, quando é que isso acaba nas pessoas? Fomos embora pra sua casa e sua avó já estava maluca atrás da gente.
-Oceis que me mata! -Disse a velha aliviada por nos ver.
-Calma dona Dinha, tava dando uns agrado pra menina.
-Ela vai fica mal acostumada com isso! É por isso que ela gosta do cê, ce vive comprando essas bestera pra ela come!
-Tá bom, tá bom...
-Tem dever hoje? - A velha me perguntou.
-Tem de matemática. -Respondi.
A menina soltou um suspiro enquanto descascava uma das balas. Despedi da velha e Amanda me abraçou. Falei pra ela ir brincar com o cachorro dela. Ela disse, relutante, que tinha dever pra fazer. Quando é que o medo quebra a vontade? Não disse a ela que tinha feito o seu dever. Queria que ela tivesse uma surpresa. E teve, claro que teve, pois naquela mesma tarde, enquanto eu estava sentado na calçada esperando qualquer coisa eu a vi brincar na garagem de sua casa com o seu cachorro. Ela me olhou e me deu um tchau com as mãos. Eu dei outro e ela continuou a brincar com o cachorro.


Felipe Ribeiro