domingo, 23 de novembro de 2008

sopro de vida

De repente voce ficou longe,
Muito, muito longe.
De repente me deu vontade de gritar teu nome,
Seja ele qual for,
E de fazer voce me escutar, se virar e me olhar.
Apenas me olhar, apenas o olhar, o seu olhar.
E fazer voce notar e compartilhar por um segundo,
Apenas um segundo que seja,
A mim.
Mas voce foi se distanciando, se tornando pequena,
Invisivel em meio a multidão,
Aquela multidão apressada,
De problemas, evasões,
Atropelamentos que transformavam qualquer ímpeto
Em nada mais que angustia.
Aquela angustia dos que devem continuar
Mas que querem parar, simplesmente parar,
Apenas parar...
Por um olhar.


Felipe Ribeiro

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Esperança no deserto

Do que vale um não?
Se esse mesmo não não atinge,
Não aflinge,
Não compensa,
Não atormenta
E, simplesmente, não existe?
As mentiras que digo a mim mesmo são futéis,
Ignóbeis, hostis a algo que sinto plenamente.
Talvez só tentar concretizar a verdade seria o começo de seu fim.
E, por isso mesmo, muitas pessoas alimentam segredos.
Segredos que sustentam a maior parte de suas verdadeiras aparencias.
O medo da perda do respeito a si mesmo,
Da perda de algo construido por anos,
O medo, enfim, de saber que aquela verdade
Alimentada por segredos infertéis
Nada mais é do que mais um equivoco,
Um equivoco maior do que esconder a possibilidade
De reconhecer em si o que não é
E amadurecer gradualmente o que se é.
A escolha se baseia na crença... e na fé que botamos
Em nossos equivocos.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Digestões

Força rapaz... Força!
Abra esses olhos!
Levanta da cama!
Coce a bunda!
Esfregue os olhos!
Peide!
Enfrente os primeiros Imperativos categóricos do dia
Como se fossem apenas hábitos...
Enfrente-se diante do espelho...
Como se fosse apenas hábitual.
Faça a maldita barba...
Como se fosse necessário...
Tome um banho
Como se fosse necessário...
Vamos lá.. vista uma roupa...
Não ande pelado pela casa solitária...
Alguém pode aparecer!
Como se fosse habitual...
Ou algo necessário...
Não, por favor, não vá beber pela manhã!
Tome apenas um leite, coma um pão com manteiga...
Segure a onda!
Como se fosse algo habitual... Ou necessário!
Apenas segure a onda... só isso... só é mais um dia qualquer
Como se fosse algo necessário...
Só mais um dia
Como se fosse habitual...
Viva... como se fosse necessário faze-lo todos os dias.
Segure a onda... é só um dia...
Vai ter a recompensa, vai ver!
Perae...
Estou falando comigo mesmo?
É.. é algo habitual... ou necessário... vai saber.



Felipe Ribeiro

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Ao seu Juca.

"sabe"disse-me o velho,
"a vida da gente é medida pelos problemas que superamos... Superar no caso não seria apenas enfrentar o problema.. mas, esquece-lo...
quando se é criança o maior de todos os problemas é tentar ficar de pé, quando voce fica, voce esquece como é cair e dai toda vez que voce cai voce chora... Eu acho que a gente só chora nessa idade quando a gente lembra das nossas dificuldades do passado... Ou melhor... isso vale pra qualquer idade, né? Por isso que a gente tem que esquecer...
Veja voce, mais tarde o maior problema é tentar pegar o biscoito que esta em cima da mesa alta,
logo em seguida é tentar fugir das correiadas da mãe enfurecida.
Quando se chega na juventude, o maior de todos os problemas é a timidez para com as coisas novas da vida... mulheres, paixões, medos novos, medos velhos...
Quando se chega na idade adulta o maior de todos os problemas nem chega a aparecer na hora em que assusta... o futuro! O que vou ser, como vou pagar isso, como vou criar meus filhos...
Quando se chega na minha idade, ou seja, aos 85 anos, voce pensa que já superou tudo... O que, de fato, é um ledo engano...
Na verdade voce só se acostumou com a vida... só se acostumou a se superar constantemente.. e seus medos acabam... Uma pessoa que chega na minha idade e tem medo de morrer significa que não superou alguma coisa ou algum medo em seu passado. A gente nessa idade se sente muito mais preparado para os encalços... Mas.. ora bolas... ao mesmo tempo nos sentimos tão fracos.. tão fracos..."
Fiquei sabendo que uma semana depois o velho morreu. Morreu no bar, sozinho, sentado em sua velha cadeira reservada num canto do balcão. Enfim, não sei se ele se superou mais uma vez, pela ultima vez.


Felipe Ribeiro

sábado, 1 de novembro de 2008

Os nove leões.

O celular, ao qual mais me serve como despertador do que um telefone em si, me acorda as 6 da manhã. Minha cabeça explodindo, aquele leve gosto de tristeza na boca me deixava, de certa maneira, ainda mais sonolento, como se eu me entregase completamente à prostação total, como se eu me entregasse enfim para os meus lençóis sujos de suor, como se eles fossem a unica coisa no mundo que me apoiassem e que me entenderiam. Alguns chamam a isso de preguiça, eu chamo de... chamo de... bom, porra, ainda não inventei um nome pra isso, mas não era preguiça. Era um sentimento devastador de impotencia perante o grande ditador que me comia o rabo todos os dias... o meu não, de milhões de milhões de pessoas ao redor do mundo. O que mais me doía era o fato de o despertador não parar de tocar enquanto eu, EU, não tomasse uma atitude para tanto. Desliguei o aparelho, meu primeiro leão já estava no chão. Vamos ao segundo: sair da cama. O quarto ainda estava escuro, abafado e, estranhamente, havia na escuridão uma sensação mista de tempo perdido no mundo e cheiro de mofo. Saio da cama e ascendo as luzes... Terceiro leão no chão. Olho para meu quarto e vejo a imagem fiel de mim mesmo: Roupas jogadas num canto, uma garrafa de vinho meio vazia no outro, algumas latas de cerveja amassadas que faziam um pequeno monte em cima da minha sapateira com meus sapatos empoeirados e cheirando a um chulé petrificado e velho. Aquela sensação de desespero, de sonho morto, de uma imagem construida e arranhada pela ignorancia do mundo... Quarto leão no chão. Vou até o pequeno banheiro, sujo, fedendo a urina e vomito da madrugada solitária que passei comigo mesmo... e ainda assim consegui brigar comigo mesmo e no fim de tudo nem pude desfrutar de uma bela companhia de mim mesmo... Olho para o espelho... Quinto leão no chão. Lavo meu rosto com água fria, me seco com a camisa que usei para dormir. Olho de novo para o espelho... Tento sorrir... Sexto leão no chão. Tento tomar um banho, mas só molho a cabeça. Não sei por quanto tempo fico molhando a nuca, mas foi tempo suficiente para o telefone tocar, eu atender e verificar que acabara de ser demitido... outra vez. Seco a cabeça, sento no sofá rasgado. Minha gata mia e me pede comida. Sétimo leão no chão. Como dizer a ela que acabou? Como abrir a porta de casa e jogar ela na rua? Oitavo leão no chão. A casa se silencia. Vou até a geladeira, não encontro nem mesmo uma lata. Nono leão no chão. Sento-me de novo no sofá... Espero o décimo leão aparecer para me devorar. Ele não aparece.



Felipe Ribeiro