quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pré-Cambriano.

É um milagre eu conseguir escrever nesse blog. Algumas situações só tendem a comprovar o quanto sou um analfabeto digital. Dentre elas o fato de as pessoas falarem com a maior calma que irão baixar a tal música ou o tal filme, que não vão comprar cds nem dvds porque já estão no site e coisa e tal. Eu tenho uma inveja danada dessas pessoas. Eu ainda compro cd, ainda alugo dvd e me orgulho de dizer que não sei mexer muito bem na internet. Sou da época em que baixar música era sinônimo de comprar uma fita K7, sintonizar a rádio e esperar a música aparecer e gravar. Isso com bastante reza para que o tal do locutor não se intrometesse no meio da música. Sou da época em que se comprava fita VHS e gravava os filmes que passavam na Globo, na Manchete, no SBT, na Bandeirantes... Gravava com o maior cuidado, quando surgia o intervalo pausava e quando recomeçava apertava o REC. Época boa, não muito prática, mas muito boa. Uma merda, mas era bom. Hoje é bom, mas é uma merda para mim parafraseando o grande filósofo Tom Jobin. Não sei ao certo, mas tudo que é facilidade nos dias de hoje não me atrai nem um pouco. Agora a onda é o tal do Ipad, ou algo que o valha. Parece um totem no qual todos prestam veneração. Eu ainda prefiro um livro, as árvores que me perdoem. Prefiro escrever cartas também, detesto emails, acho o fim do mundo alguém me dizer que não tem tempo para escrever cartas, mas para ficar o dia todo na internet como um morto-vivo escrevendo o que acabou de fazer no tal do Twitter ou facebook ou não sei o que, isso tem. Alias, fiz um twitter a uns dois anos atras, só escrevi uma frase e desisti. Não entendi aquilo. E tenho orgulho de dizer isso. Aliás, orgulho é a única coisa que me resta, a única arma que eu tenho. Um vizinho meu de nove anos ao ver um disco de vinil disse alarmado: "Nossa, que cd gigante!" Tive orgulho em lhe explicar o que era aquilo, e ainda consegui me enrolar na tecnologia analógica. Meu celular por exemplo era de um tio meu que sobrou e me deu. É um modelo "velho" de sete anos. "Sete anos! Que absurdo! Ainda funciona?" As coisas não foram feitas para durar hoje em dia, as memórias também não. As pessoas só pensam pra frente, no que vai melhorar, na novidade e coisa e tal. Melhorar o que? Já não está bom o suficiente? Para mim já passou de bom, já ficou desnecessário. As pessoas fazem de um tudo de uma vez só, são dinâmicas, não têm tempo a perder em coisas que não sejam práticas... "Pra que fazer isso assim, vai demorar... Use o Tab, vai mais rápido!" E com isso eu ganho dois segundos, um tempo precioso demais para ser perdido. O secretário municipal de não sei o que da minha cidade (acho que de trânsito e transportes) estava falando para a televisão as justificativas para a construção de um viaduto no cruzamento de duas avenidas movimentadas da cidade, entre as justificativas destacou-se a incrível preocupação com o tempo em que o motorista fica parado no semáforo: dois minutos. Se as pessoas do dia de hoje conseguem se angustiar com um segundo perdido ao não usar a tecla Tab imagina dois minutos no semáforo... Eu fico imaginando o que as pessoas ultra dinâmicas fariam em dois minutos... Acabariam com a fome no planeta? Achariam a cura para as piores doenças? Não! No máximo enviariam piadas por email, escreveriam no twitter sobre o ovo cozido que ficou mole, assistiriam a um filme pornográfico ou, quem sabe, o que é pior, escreveriam num blog sobre toda essa ilustre porcaria.

Felipe Ribeiro

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

livros e mais livros.

Ora muito bem, comecei a trabalhar enfim num ambiente em que eu gosto muito: uma livraria. O problema é que com as livrarias, se é que posso chamar isso de problema, aparecem alguns livros que me fazem pensar muito no porque alguém publicaria tal e tal obra. Por exemplo, um livro que explique algum outro livro de sucesso que nem é tão complicado de se entender obviamente que irá atrair pessoas que não conseguem entender o óbvio. Essa semana tive o prazer de me encontrar com uma dessas não tão raras pessoas que me pediu um livro que era a explicação de um livro que era, por sua vez, a explicação de um outro livro que, por sua vez, nem era tão dificil assim de se entender. Sugeri a essa pessoa que comprasse o livro que foi alvo de duas publicações a seu respeito na tentativa de explicá-lo. Pensei comigo, porque algum autor irá escrever algum livro para só depois escrever outro para explicar o primeiro? Por que não escrever logo de uma vez um livro mais claro? A resposta, obviamente, é que a maioria desses autores escrevem muito para venderem muito e a lógica é simples, os autores tratam as suas próprias inspirações como sendo um produto. O problema dessa lógica é que com ela arrastam-se uma multidão de consumidores famintos por coisas novas e com isso obras que são escritas no intuito de explicar outras retiram dos próprios leitores a responsabilidade e a capacidade de compreensão da própria obra. A sessão de auto ajuda que o diga! Mas é uma experiência que considero de suma importância pois estou percebendo que numa livraria entram pessoas de todos os tipos e que tem gostos de todos os tipos porque ali se encontram livros de todos os tipos escritos por autores de todos os tipos. Você é o que você lê, mas muito mais, na minha opinião, aquilo que você procura ler, ou seja, o motivo de estar lendo isso ou aquilo. E os motivos são infinitos assim como são infinitas as possibilidades que cada pessoa carrega consigo de se melhorar ou não, e isso significa, na minha opinião que, por sua vez, não significa nada, ler por curiosidade e não por comodismo, ler por impulso e não porque simplesmente o livro x ou o y é o mais vendido e o mais positivamente criticado. Felizmente existem muitas pessoas assim, que procuram, fuçam, que simplesmente abrem o livro na primeira página e começa a lê-lo sem o auxílio de axiomas de alguns críticos literários ou de vendedores que estão lá para auxiliar na venda. Em suma, o que se está em questão aqui é a autenticidade da motivação de cada um, se ela pertence de fato a cada um, se ela nasceu da simples curiosidade autêntica, aquela que brota do fundo do ser e que reflete como ele é possibilitando assim a essa autenticidade se refletir nas escolhas de cada um que por sua vez acabam refletindo na postura que cada um carregará diante da vida, diante da feitura do seu próprio destino.

Felipe Ribeiro

domingo, 7 de novembro de 2010

Verbo transitivo direto.

Por falar em não entender e não explicar...
Por falar em coisas que nós sabemos e muito bem, e sem pensar...
E que ao mesmo tempo nem sequer sonhamos em sonhar...
Que sendo tão real ultrapassa o próprio imaginar...
Um fato, simples...
Irredutível, eterno...
Que eu chamo de amar...
Lembrei de súbito que hoje ao acordar...
Tive a impressão de ali não estar...
Pois o meu coração pretendia viajar...
Até onde você poderia se encontrar...
Em qualquer lugar...
Se tivesse você seria "o" lugar...
Se tivesse você seria especial esse ali estar...
Se tivesse você seria inesquecível esse ali...
E só falo do ali...
Só falo do chão onde você poderia pisar...
De você, em si, nem ouso falar...
Pois de você eu no máximo posso calar...
Porque a língua que eu deveria explorar...
Para descrever ao menos um pouco do seu olhar...
Não pode ser falada, nem ouvida, nem escrita...
Só sentida...
Gozada, suprimida...
Em toda a minha memória, em todos meus atos, em todo meu ser...
Estar...
Permanecer...
Ficar...
Mudar...
Aceitar...
Crer...
Respirar...
Existir...
Perecer...
Renascer...
E desse ciclo constante a que chamo de vida...
Você seria tão e tão somente só a partida...
Você seria o trajeto, o caminho, a ida...
A volta, a chegada, a despedida...
De tudo que ainda impuro perduraria...
De tudo que eu poderia me trair, me arrepender...
Você seria meu verbo transitivo direto...
Sem escalas, de rumo incerto...
Mas tomado de certezas vãs que não poderia aqui explicar...
Que não poderia aqui compreender...
Só certeza, e nada mais...
Nem do que, nem do quando, nem do como...
Só certeza, e nada mais.

Felipe Ribeiro

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Confusões e Contradições.

Há pessoas que confundem a mudança de opinião com uma possível contradição. A questão é mais complexa, porque essa confusão se dá justamente porque se confunde fidelidade com imobilidade de idéias, o que, a meu ver, nada mais é que um passo para o fanatismo. Acredito que mudar de opinião não seja uma contradição, seria, antes, uma prova cabal do que se decidiu de fato ser ou seguir ou fazer. Toda decisão é uma renúncia, pois se você decide você renuncia alguma escolha em prol de outra ou em detrimento de outra. Contradição não seria não saber o que se quer ou o que se pretende ser, isso é simplesmente ignorância de si mesmo. Contradição é, antes, uma espécie de traição, é você se trair sabendo que se trai, é você mentir para si e para os outros, sabendo que mente, mesmo que seja em prol dos outros ou em detrimento dos outros. E o que mais posso observar é uma onda de contradição, para não dizer mentira, invadindo o cotidiano silenciosamente, sutilmente, imperceptivelmente... É o amigo que lhe diz ser especialista em mulher quando, todos nós sabemos, nem mesmo as mulheres são especialistas nelas mesmas; é o sujeito que se mata no trabalho, que só lhe traz humilhação para a alma, mas que mesmo assim é fiel à imagem de bom cidadão que tenta e busca passar... A contradição está solta e com ela há apenas e tão somente desespero na medida em que não se pode mais controlar o próprio querer, a própria vontade. Em resumo, a mentira leva a mais mentira e, consequentemente a mais e mais prisão da própria vontade, o que os mentirosos não conseguem ver simplesmente porque confundem o ato de mentir com o ato de ser esperto que o engano consequente dessa mentira pode causar. Ser esperto, aliás, é outro predicado caro nos dias de hoje. Um predicado, ao que tudo indica, neutro, amoral, sem cor, apenas refletindo a vontade cada vez mais dependente de mentiras da pessoa que utiliza essa qualidade. Um ato de liberdade seria portando a verdade, tão somente a verdade. E se dizem que a verdade dói é porque não estamos acostumados com ela. A verdade dói mas a mentira destrói. Outra confusão que a maioria das pessoas tendem a fazer... Nem tudo que dói é destrutivo, mas tudo que é destrutivo sempre dói, e muito mais no fim das contas. Outra confusão é entre prazer, gozo e paz. Ter paz não significa propriamente ter prazer, a paz é alcançada, na maioria das vezes senão em todas, pela busca individual da verdade de cada um. E essa busca pode significar dor, renúncias dolorosas. Mas, a verdade é a única coisa que liberta cada um e se liberta é possível suportar e se suporta tudo fica mais fácil, mais fraco, mais viável. A questão é que nos inviabilizamos a nós mesmos a todo instante com as mentiras, e isso tem por consequência o estranhamento gradativo de nós por nós mesmos. Daí as confusões, os medos, os receios, os encantos desencantados, os desencantos encantados. Não se deve, claro, resumir o homem e seus problemas só e tão somente só nisso. O ser humano é por demais rico, por demais complexo e por demais confuso e contraditório para se dizer alguma coisa com toda a certeza, com toda a calma. Mas esboço aqui apenas um esboço. E esse esboço esboça apenas outro esboço daquilo que presumivelmente pode ser. E se é, não sei, mas aceito que pode ser sim. E entre saber e aceitar há de fato uma distância imensa...

Felipe Ribeiro

sábado, 2 de outubro de 2010

Ao coração.

O socorro que precisamos está ai...
Do lado, em cima, em baixo...
À frente, atrás...
Em todos os lados...
O que é dificil de se notar é isso,
Justamente isso,
Que enquanto respirarmos haverá mudança.
Enquanto respirarmos haverá vontade.
Haverá confiança
Haverá coragem...
E porque não?

Porque temos de esperar?
Porque precisamos tanto de amparo?
A vida é isso, uma eterna exigência do acaso.
E exige apenas a nossa coragem particular...
Aquela força intima que nos faz mexer
Nos faz mudar
Nos faz ser
Mais e mais a causa a que amar...

E por que não?
Por que há o muro e o obtuso
Porque há de se ter o medo e o excluso?
Porque há de haver a tal da comparação?
A tal da diferenciação?
A tal da confusão?
Se o que nós sabemos de nós mesmos é um eterno não...
Um eterno talvez...
Um suposto quem sabe?
Um dilema reles, de uma pequenez...
Que nem ao menos nos cabe!

E porque não?!
Porque não colocar o dedo em riste?
Encarar o que nos sufoca...
Encarar o que nos faz triste...
E o que nos aborta?
Aniquila, rasga...
Mutila e afrouxa?
Porque perdemos a fala?
Quando mais precisamos, em nome do amor, discorrer?
Porque perdemos as lágrimas?
Quando mais elas não precisam escorrer?

E porque não, quem sabe?
Porque não?
Se o não mesmo é o que nos afirma!
Que nos liberta da tirania do sim inconsciente...
Daquele sim do medo, do inocente...
Da vítima constante da alheia cobiça...
De nós mesmos no fundo, que não é tão fundo...
Já que superficial, pertencente ao ilusório mundo...
Onde tudo é quase...
e quase é o tudo...

Porque não?
Porque quase!
Porque quase?
Porque não...
Simplesmente...
não.


Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A tal da fé.

Já cheguei a diversas conclusões em minha vida, todas de uma profunda contradição interna que beirava o absurdo. Logo vi que o absurdo também era outra conclusão contraditória, talvez pelo fato mesmo de não ser nem ao menos uma conclusão, apenas e tão somente uma espécie de placebo para minha mente, um remédio inventado pela força da fé que carregava em mim e que não tinha a coragem de conceber.
Há alguns anos pensava muito sobre qualquer coisa a ponto de chegar a conclusões racionais puramente fechadas sobre si mesmas mas de tamanha coerência que me assutava o fato de eu ter razão sobre algumas coisas. De fato me assustava porque não poderia aceitar aquilo como aquilo se mostrava, com a sua coerência fria, infecunda, cortante, prática, egocentrica e fechada. Alguma coisa gritava silenciosamente para minha consciência dizendo que não era só aquilo, não poderia ser só aquilo. Essa voz vinda de algum lugar foi me irritando ao ponto de eu apenas escutá-la e nada mais. Dei o braço a torcer para ver o que aconteceria. Pari minha fé nesse dia, dei nome a ela, comecei a cuidar dela depois de um longo tempo de gestação. Era um ser estranho, nunca havia o visto mas confesso que não teria como ser mais familiar para mim. Saiu de mim e me disse: "Até que enfim! Andemos juntos agora, sem eu pesar a você e sem você pesar a mim!" E foi nesse ponto que a coerência espantosa do mundo e todo o seu mistério aparente começaram a fazer algum sentido, mesmo que ainda não entendido, para mim. Foi então que reparei que a maioria das pessoas carregam sua fé como um peso morto. Algumas jogam fora a fé pelo caminho para se sentirem mais leves, mas logo em seguida procuram desesperadas por ela. Outros jogam tudo em cima da pobre fé, sobrecarregando a ela e a si mesmos. Alguns tem tamanho respeito por sua fé que a deixam sentada num altar e prestam culto a ela, engordando-a e deixando-a sedentária. Outros andam com ela, caminham com ela, são um com ela. A minha anda agora fora de mim, mas caminha perto de mim, as vezes me chama para eu ver alguma coisa, as vezes eu a chamo para me ajudar em outras. Deixo-a livre para que ela se fortaleça por conta, deixo-a por conta para que a confiança nela se estabeleça fortemente. Acredito nas coisas que ela me mostra e ela acredita nas coisas que eu peço, e assim pedindo eu vou sabendo o que me falta e assim recebendo vou sabendo o que me faz mais feliz. Quando não recebo fico a analisar o que peço e percebo que o que peço não faz parte de mim. E assim vou acabando com a minha falsa vontade, com os meus caprichos, confiando no que a fé me mostra, mesmo não sendo aquilo que pensava que poderia ser. Se conselhos servem para alguma coisa aconselho a deixar parir a fé que insiste em gritar com você; aconselho a ouvi-la, aconselho a deixar que ela te guie ao que você é, ao que você sempre foi e sempre será. Não confunda você com aquilo que fazem de você, não cofunda nem mesmo o que você faz de você mesmo com você mesmo. Apenas saiba e acredite, ouça e acredite, acredite e ouse, ouse e seja, seja e liberte-se, liberte-se e triunfe.

Felipe Ribeiro

domingo, 25 de julho de 2010

Samita.

Aos que dizem a mim o quanto mudei e conservam aquela cara irônica do vitorioso que quer dizer "não te falei que você mudaria" aqui vai minha resposta: Sim, porra, mudei. Agora não me venham perguntar no que mudei, em que perspectiva, porque essa ainda esta por se fazer. Aliás fico pensando se de fato não mudamos a todo o momento e por pura vaidade ou orgulho desejamos incontidamente sermos os mesmos de outros tempos. Por que é tão dificil aceitar a mudança, quando ela se faz, ou melhor, quando ela se impõe, nos empurra para um lugar escuro que, por medo, tentamos nos esquivar a todo instante nos agarrando às velhas certezas que não mais cabe na nossa realidade? Estou enfrentando coisas novas e seguramente com total insegurança. As vezes mais por desconfiança do que por querer me agarrar a algum preconceito anterior (desculpando desde já o pleonasmo). Desconfio de tudo que é bom e belo, as vezes por estar acostumado ao tédio da vida, as vezes por estar acostumado a indiferença que a própria vida me revela diante de meus caprichos. E por falar em caprichos estou tentando não impor os meus ao mundo, estou tentando ver o mundo como ele é e tentando aceitá-lo como ele se mostra, não a mim somente, mas, se é que é possivel, a todas as outras pessoas. É dificil se livrar do molde que nos molda desde há muito tempo o nosso próprio querer, a nossa própria vontade que nos faz agirmos na realidade conforme a nossa própria crença naquilo mesmo que aceitamos (ou conformamos)como sendo o real. Se a minha mudança aponta para uma melhoria ou piora eu não sei dizer, mas sei que mudei a minha crença quando comecei a agir diferente no mundo, pelo mundo, para o mundo e concometantemente a mim, em mim, por mim e para mim mesmo. Essa mudança teve como ponto de partida talvez algumas novas relações com algumas novas pessoas que entraram nessa coisa que chamo de minha vida. Novos ventos jogam pra longe velhas poeiras. A água limpa remove a crosta velha de sujicidade. É o refresco que sei que posso me refrescar, é a tal lanterna que me faz ter um pouco de coragem para entrar nesse local escuro que a mudança me empurra, esse local chamado novidade. Se é fruto de minha escolha mudar não posso dizer com certeza, as vezes é uma nova ditadura do coração me impondo sua vontade própria e sobre a qual a minha razão, sedenta de certezas, não tem poder algum; as vezes nem mesmo o coração tem consciência do seu novo senhor, as vezes ele também esta sendo empurrado por uma nova mudança tão sutil e poderosa que nem mesmo a intuição pode chegar a uma linha de raciocínio sobre o que esta acontecendo, apenas sente, pressente e conssente, inflamado pelo gosto doce, suave e salutar mas que ao mesmo tempo é dificil de se sentir, dificil de se decifrar, dificil de se crer tão belo, tão justo, tão nobre, tão honesto, tão dilacerante e tão vivo. É dificil acreditar que é tão bom quando de fato o é. É dificil de creditar ao coração sua existência quando ele de fato começa a bater de verdade, com algum objetivo que ainda não se sabe qual seja, que talvez implique em novas verdades, que talvez suplique novas piedades, que talvez, quem sabe, por que não, inflinja novas dores, novas vaidades, novos rancores, novos caprichos... Nova vida, quem sabe, enfim, Samita?


Felipe Ribeiro

domingo, 4 de julho de 2010

O Barco.

"De qualquer maneira eu iria te esperar..."
"Esperar quanto tempo?"
"Até você voltar."
"O que te garante que eu iria voltar?"
"Nada... mas eu te esperaria ainda,
mesmo que voce não viesse, te esperaria
sempre te esperei, de alguma maneira"
"E valeria a pena tanta espera assim?"
"Por que não valeria?"
"Nada nos garante que valeria"
"E precisamos de garantias? O que garante as garantias?"
"Nada, elas só nos dão mais segurança...
você não vai entrar num barco no qual você vê um buraco enorme dentro..."
"É verdade... mas um barco bom pode virar...
e nunca estamos seguros integralmente quando arriscamos
o que vale a pena é o arriscar
é o surpreender
até mesmo o decepcionar...
pois nos torna mais donos de nós mesmos...
e mais seguros...
e se te espero... me arrisco a perder outras oportunidades com outras pessoas,
outras trajetórias...
mas... para mim vale a pena arriscar e te esperar...
porque eu te amo."


Felipe Ribeiro.

domingo, 20 de junho de 2010

Sejamos.

Não que existam as pessoas más ou as pessoas boas. Existem os dispostos a fazerem o bem e os dispostos a fazerem mal o bem que lhes cabem. A vontade é tudo que resta nas pessoas que estão vivas; essa mesma vontade que ataca a própria Vida, a modifica, a desvirtua conforme a convicção, a fé que cada um carrega dentro de si mesmo... Conforme o amor a causa, por mínima que seja, conforme o amor a causa... Essa causa pode ser feita por nós, buscada por nós, sentida por nós, querida por nós... afinal ela é nossa, só nós possuímos a vontade de ter uma causa. Para tanto basta querer... O que, via de regra parece-nos a coisa mais difícil do mundo. Mas, do que é que se precisa de fato para se querer de verdade o próprio querer? A maioria das pessoas só querem aquilo que lhes assegure segurança, conforto, satisfação diante da vida... Então parece-me que elas precisam de coragem para querer de fato por conta própria algo que só elas poderiam querer. Mas, penso eu, é preciso coragem para de fato querer aquilo que lhe cabe e uma dose extra de sacrificio para deixar de querer aquilo que lhe cabe para realizar-se de fato naquilo que lhe cabe. Disposição e vontade então é tudo o que resta para as pessoas que estão vivas, e estar vivo é realizar o seu querer no tempo que lhe cabe, no seu próprio ritmo, mas que seja realizável em cada conduta. E como vamos saber o que queremos de fato, perguntará alguns. Meu caro, só você pode responder isso por você, mas ai vai uma dica: Escute a sua consciência, sempre. O resto, enfim, deixe por conta do grande fluxo da Vida que a tudo e a todos suga e cospe no balde da vitória ou da derrota, que a tudo e a todos exige cada vez mais coragem, que a tudo e a todos exige cada vez mais ousadia e mais amor e confiança nela mesma. Até nisso podemos escolher, vermos as coisas como uma derrota constante ou como uma vitória gradual. Cabe à sua consciência decidir o que fazer perante a vida e perante os golpes que ela lhe aplica, a todo o momento. Enfim... Sejamos.


Felipe Ribeiro

domingo, 6 de junho de 2010

Conversas pra boi dormir, parte 7.

Cansado de fazer nada em casa a noite resolvi sair para fazer nada na rua. Chego ao ponto de ônibus, num frio de rachar os lábios, e encontro com uma vizinha que estava ali esperando o mesmo ônibus que eu. Acho que ela tinha a minha idade, nos conhecíamos tinha no mínimo uns 15 anos, mas nunca fomos de falar muito um com o outro. Ela até que era bonita pensando bem. Bom... talvez a minha seca fosse muita, mas o único problema dela era que ela falava demais. Nesse dia não foi diferente:
-Oi Felipe!
-Oi.
-E ai, fez a matrícula lá na academia?
-Heim?
-Não se lembra da última vez que a gente se viu e eu te disse para fazer musculação?
-Ah... Sim, agora me lembro.
-E ai, fez matrícula?
-Não.
-E a carteira de motorista?
-Bom... estamos ambos no ponto de ônibus, isso já te responde.
-Porque você não faz as mesmas coisas que os outros caras?
-Que coisas?
-Essas coisas normais.
-Normais?
-Aham... Todos os meninos que eu conheço são assim: tem carro, tem onde pegar, trabalham, ganham um dinheirinho bom... Você insiste nisso de ser magro e pobre! Mulher nenhuma gosta disso não viu! Vai lá, faz musculação, compra umas proteinas e engorda. Tira a carteira depois e compra um carro que esse negócio de ficar no ponto de ônibus passando frio não dá mais não...
-Então essa é a fórmula mágica?
-Ajuda...
-Sei.
-Falar nisso onde você vai?
-Vou ver minha namorada. - Menti.
-Ahhh sim...
-E você?
-Vou fazer uns negócios pra minha mãe...
-É... Mesmo porque se você tivesse namorado você não estaria passando frio aqui, não é verdade?
-Não mesmo!
-É...
-Então você tem uma namorada?
-Tenho... Coitada, ela é pobre, gosta de caras magros e sem carteira de motorista... Ela não é normal como você, graças a Deus.
-Você me acha chata?
-Sim, muito.
-É... mas eu falo isso para o seu bem Felipe... Sério, se voce fosse normal teria chance comigo...
-Deve ser por isso mesmo que insisto em não ser normal...
-Você é muito chato mesmo!
-É tanto faz...
-O ônibus está chegando... Vai nesse?
-Não, vou em outro. - Menti novamente.
-Bom... Até mais.
-Até.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 1 de junho de 2010

Da timidez.

Ser tímido é uma arte. Se nasce com essa áurea e ao passar do tempo ela só tende a se fortalecer. Ser tímido é saber fugir constantemente da própria Razão que, inexoravelmente, te atormenta com o simples fato do bom senso existir. Para um tímido isso de bom senso é tão pesado quanto uma bola de aço amarrada ao pescoço, tão insuportável quanto uma atmosfera fétida. Ser tímido é de fato uma arte, porque ser tímido é saber lidar constantemente com inspirações que lhe surgem como um raio e que te dizem para entrar em ação... As pessoas ditas normais tem isso como um movimento natural, os tímidos não: Esperam até o momento do limite entre o certo e o certo para escolherem de fato entre o certo e o certo... Algumas vezes erram porque fogem simplesmente do que é mais certo, tamanha é a sua inclinação para com o hábito de perscrutar tudo e todos detalhadamente. São as pessoas também mais sensíveis, mais vulneráveis ao vento da desconfiança... Geralmente não aguentam mentiras, mas são os que sabem melhor fingir a sua verdadeira natureza. E fingem não por malícia mas antes por uma auto-preservação natural que faz com que se fechem para todos. Geralmente são pessoas boas, se algum tímido for uma má pessoa é porque alguém fez com que ele se transformasse nisso e daí se torna a pessoa mais perigosa de todas. Quando dois timidos resolvem querer alguma coisa juntos o que se pode observar é um verdadeiro festival de patinação, qualquer erro de calculo é o suficiente para desequilibrar e para travar ambas as partes. E esse cálculo não é um cálculo frio de interesse necessariamente econômico onde cada um observa pura e simplesmente as vantagens que tem a oferecer um ao outro... É um cálculo baseado na quentura da alma, dos rápidos e ousados olhares um para com o outro e que já são o suficiente para ruborizar a ambos, é o sorriso tirado de um a custa de muito sacrificio e que é comemorado no íntimo como a maior vitória de todas... É um interesse mútuo porque o tímido não se interessa apenas em se mostrar (aos poucos) como é de fato, mas antes ele analisa se é mesmo compensatório para o outro fazer com que ele se mostre para o outro... São criaturas compassivas, são criaturas que se apaixonam rapidamente e que não demonstram de jeito nenhum o enorme entusiasmo que a simples presença do outro pode lhe causar. São criaturas, enfim, que acompanham de longe tudo aquilo que um dia poderão ser de perto, que sonham de fato com tudo aquilo que de fato podem ser mas não tem a menor convicção de que podem ser de fato. São humildes no fim das contas, mas não consigo mesmas, porque todas as suas cobranças recaem apenas e tão somente nelas mesmas o que não é pouco porque de fato se há alguém que sabe cobrar (ao menos de si mesmo) são os tímidos. E quanto mais se cobram das duas uma: ou mais se enchem de coragem e arriscam um pouco (o que já representa quase tudo para um tímido)ou simplesmente não arriscam e fogem (o que é a coisa mais fácil para um tímido), o que já é em si mesmo correr outro risco, o de se arrepender por isso. A vida de um tímido é correr esses dois riscos o tempo todo... Na verdade todas as pessoas correm esses riscos, todos os dias da vida, mas para um tímido a coisa toda toma proporções gigantescas. E, para finalizar, quero deixar claro aqui que as pessoas tímidas têm laços duradouros com as poucas (e sinceras) amizades que fazem, mas se duram é porque são temperados com a sinceridade com que só um timido, que deixou de alguma maneira de o ser, pode demonstrar.


Felipe Ribeiro

sábado, 22 de maio de 2010

Da sorte.

Eis a fera.
Domada pelo seu indomínio.
Diante dela a bela.
A prova de seu sacrifício.
Sacrifício esse que lhe confere amor,
Sacrificio esse que lhe confere terror,
Sacrificio esse que lhe confere calor,
O calor da paz.
Aquela tão buscada e sonhada fonte,
Onde só e somente só não o faz,
Onde enfim há a morte,
Onde enfim se encerra sua sorte,
Onde enfim encontra sua ponte,
Que o liga ai ao tudo o mais.
É nesse tudo que está sua melhoria.
É nesse tudo que está a sua agonia.
É nesse tudo que está a sua nova genealogia.
O seu renascimento.
O seu novo canto.
O seu novo alento.
O seu novo pranto.
O seu novo sofrimento.
Que por ser justamente novo é mais doce.
Mais forte, mais encantador.
Que por ser justamente mais encantador é mais torpe.
Mais frio, mais destruidor.
E é o ciclo da fera que se encerra com a sorte.
Com o simples encontro com a beleza e a timidez.
A timidez que o revolta, sufoca, engolfa.
Porque ela domina aquele que nasceu para ser indomável.
Aquele que nasceu para amar seus pecados.
Com o furor do bruto
Com o furor do desalmado, do afogado.
Com o furor do ignorante
Com o furor do ódio e seu fruto
O escalpe da esperança, da manseitude, da paz abundante.
Que abunda e deixa transbordar aquilo que nunca foi.
Aquilo que nunca pôde ser.
E que sendo dói.
Morre, empaca.
Destrói e afasta.
Tudo o que sempre foi do resto que lhe sobra.
Tudo o que sempre foi do resto de sua máscara.
Tudo o que nunca tocou com aquilo que agora lhe toca.
Éis a morte, eis a sorte, eis a graça!
A bela ali quieta agora abraça e ampara
A fera enfim conquistada.


Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 26 de março de 2010

O bom e velho livro.

Ora muito bem, estava eu deitado na cama lendo um livro, senão me engano "O homem duplicado", de José Saramago, quando me deparei pela primeira vez com uma daquelas verdades universais que te arrebatam por alguns segundos e que te deixa sem fala, sem ar e completamente embasbacado. Essa verdade universal me apanhou de surpresa, sem querer, e se baseia numa coisa simples que até então eu não havia me tocado: Como um livro pode ser tão importante para mim! Essa verdade universal se demonstrou ser, afinal de contas, uma coisa muito particular, mas tudo bem, é a minha verdade universal e ninguém tasca! Bom, o raio que me atingiu a consciência aconteceu de madrugada, no meio de uma insônia brava e numa fase de minha vida em que o tédio era derrubado a golpes de "livradas". Eu sempre tive a companhia dos livros, sempre fui apaixonado por eles e para sempre, assim espero até durar minha vida, lerei um bom livro. E numa dessas observações a respeito das minhas leituras cheguei a conclusão simples de que um bom livro é aquele que te traz algum alento, aquele que te incomoda de certa maneira e que te absorve por completo, faz você fugir de si mesmo e se encarnar em outro personagem, em outro contexto, em outra situação, em outra vida enfim. Para tanto não é preciso que o escritor escreva bem, que saiba todas as regras gramaticais, mas simplesmente escreva com paixão, com sentimento, seja ele de qualquer espécie, seja triste, alegre, irado, mas que seja sincero, autentico e que nos faça acreditar a tal ponto que possamos sentir pena, alegria ou mesmo ira. É uma troca... O livro esta ali, a espera da fatalidade que só os vivos podem causar, mas quando há essa troca o livro surge como um sujeito vivo que interage e te faz mudar interiormente, te faz mover uma força oculta que nem você mesmo sabia existir em si. É por isso que talvez Voltaire uma vez disse, o que por acaso eu li em um livro que não me lembro o nome agora (mas o que importa esquecer-se do nome se o que você tira dele vai te acompanhar para sempre? É assim também com algumas pessoas...): "Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera; esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora". Afinal de contas o livro é escrito por pessoas de carne, osso, sentimentos e intenções; pessoas que deixam ali sua marca, seu diagnóstico do mundo, de si e de tudo, para sempre até durar o interesse das outras pessoas, de uma pessoa que seja, contanto que tenha a bondade de doar a eternidade para quem escreveu.


Felipe Ribeiro

domingo, 7 de março de 2010

O caçador de borboletas.

Eu me vejo como uma rede que dança pelo ar caçando borboletas. Quando tenho a sorte de apanhar alguma eu paro, observo bem suas asas e depois as liberto. As vezes as asas não estão abertas para se mostrarem, dai dou um leve cutucão para que elas se abram para que eu possa ver suas cores, suas individualidades, aquilo que as tornam únicas. Dai as solto, com a certeza plena de que nunca mais verei asas assim novamente. Isso me deixa triste por um tempo, mas logo a tristeza é substituida por uma nova onda de empolgação e a rede novamente dança pelo ar na esperança de ver novas asas, novas cores, novas formas que me marcam de uma maneira única a cada olhadela, a cada observação curiosa e cheia de esperança pela beleza que ali vai se mostrar. Nunca vi uma asa igual a outra, deveras sim parecidas, mas nunca igual. Isso faz com que eu me sinta como um colecionador de beleza, como um amante de coisas únicas... Mas quem não é? Essas asas, quando bem observadas, marcam por um tempo a minha vida. Enquanto isso a rede dança no ar, ao acaso, as vezes captura, as vezes nada tem. A maior parte do tempo ela esta vazia, voando pelo ar, em movimentos suaves, constantes, quase enfadonhos. Agora por exemplo essa rede acabou de soltar mais uma cujas asas eram de uma cor violeta, meio avermelhado... Ha asas com essas cores fortes, ha outras que são de uma coloração sem graça alguma, mas cujo desenho espanta de tão belo. Geralmente a coloração mais forte, mais viva, vem em pequenas asas que voam rapidamente, desajeitadas... As cores mais suaves são acompanhadas por asas maiores, mais bem desenhadas e com um voo lento. São mais fáceis de se capturar, porém são as mais dificeis de se soltar. O desenho unico fica encravado em sua mente e isso te deixa num estado de paixão que te faz querer empalhar a borboleta com as asas abertas e guarda-la dentro de uma caixa de vidro para se observar quando bem quiser. Nunca farei isso. Não há razão para se caçar se a finalidade é a morte e o troféu. Prefiro deixar a beleza viver, se espalhar, unicamente a sua maneira, unicamente. Vez por outra a rede se enche de borboletas, e fica dificil decidir qual é a melhor, a mais bela. Não existe isso de melhor quando de fato todas as asas são únicas.


Felipe Ribeiro

quarta-feira, 3 de março de 2010

Da força nossa de cada dia.

Alguns dias atrás estava eu sentado na calçada, como não haveria de ser, depois de passar o dia todo tentando sem muito esforço ou comoção de minha parte arranjar um emprego por ai, quando me deparei com uma cena no minimo curiosa. Um menino de seus seis anos de idade estava acompanhado por um outro garotinho, talvez seu irmão mais novo sentados logo ali, perto de mim. Até ai tudo bem, mas o que me deixou mais curioso foi quando uma senhora passou por eles e deu um bombom ao menino mais velho. Este por sua vez agradeceu, e colocou a lingua para fora tentando abrir o bombom... Pensei comigo, porque é tão dificil abrir um bombom e logo obtive a resposta: O garotinho não tinha dedos. O que havia no lugar dos dedos eram apenas pequenas protuberancias com unhas, mas havia sim um polegar em cada mão ao menos, e isso ajudava o garoto. Ao final de 5 minutos de batalha ele consegue abrir o bombom, come a metade e dá a outra para o seu irmão mais novo. Foi uma cena no minimo estimulante para mim, que logo ficou corado de alguma vergonha por ter as mãos perfeitas e não cometer a muito tempo gesto tão nobre com elas como o fez aquele garotinho. Foi então que eu reparei que logo depois apareceu num portão a duas casas de distancia um outro menino que era um pouco mais velho. Ele perguntou com um grito o que o outro estava comendo e ele acabando de engolir disse num outro grito: - Bombom. O outro então pediu um bombom pra ele e este, com toda a inocencia, mostrou as mãos vazias que carregava apenas o papel do bombom. Foi então que começou o suplicio...
-Nossa, que isso na sua mão?
O menino, por sua vez, muito embaraçado escondeu as mãos nas costas e ficou tentando pensar numa resposta enquanto o outro continuava a perguntar: -Deixa eu ver!Como que ce faz isso? Deixa eu ver!
O menino então disse, depois de muita pressão: - É mágica!
-Mágica? Como que faz?
-É mágica! - Mostrou novamente as mãos.
-Humm... Como que faz pra elas voltarem ao normal?
Com essa pergunta ficou nitido no rosto do menino a derrota. Foi uma das cenas mais tristes que já presenciei nessa minha curta vida. O menino escondeu de novo as mãos nas costas e caminhou até o muro onde se encostou e ficou cabisbaixo. Seu irmão mais novo corria pela calçada, usando apenas uma fralda, e reparou no seu irmão quieto. O menino estava quase chorando enquanto o outro do portão continuava: - Faz ela ficar normal pra eu ver!
Então o menino mais novo correu para dentro de uma casa e chamou pela mãe. Esta apareceu logo depois e foi até o filho mais velho.
-Mãe... Como que eu faço pra minha mão ficar normal?
-Papai do céu quem fez elas assim...
-Porque que ele fez assim?
-Porque ele quis... E suas mãos são normais. Fala praquele menino que Papai do céu fez elas assim.
O menino foi até o outro que aguardava as mãos ficarem normais e disse que as mãos dele eram daquele jeito porque o tal do papai do céu quis assim.
-Papai do céu? Nossa... ahahahahahahha - Disse o outro menino.
O menino voltou para a mãe de cabeça baixa e mordendo os lábios inferiores segurando o choro mais que podia e entrou na casa. A mãe tentava consola-lo dizendo que ele era o melhor filho do mundo, o que eu não duvidaria por nada. Aquele menino sabia ser forte naquela idade, não derramara uma gota de seus olhos. Eu estava presenciando o nascimento de um grande ser humano no sentido moral do termo. Não tive pena do garoto, nem raiva do outro menino que ficou surpreso pelas mãos do outro. Eu tentei observar a consequencia daquela cena tanto pra um quanto pra outro. E reparei que o mundo vive moldando vencedores e perdedores, o mundo vive construindo e destruindo sentimentos, fortalecendo e enfraquecendo as misérias, permitindo superações fiéis e devastações duradouras...


Felipe Ribeiro

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Nem ontem, nem amanhã.

"Porque você não escreve heim? Não posso te ajudar, vai escrever!" Bom, estou aqui, obrigado pela ajuda! O que vale o escrever pra mim? Para que eu o uso? São perguntas que eu não tenho a minima condição de responder, talvez por preguiça de pensar a respeito disso ou sei lá o que. As pessoas não tem muito saco para ouvir o que eu falo, mas deveras parecem gostar mais do que escrevo, se é que lêem e não estão fingindo alguma coisa. Desculpem, não confio muito nas pessoas... E a culpa são delas mesmas, claro. Tenho ótimos amigos, pelo menos nisso fui afortunado, logo não preciso de muito mais pra me sustentar existencialmente, apesar de ser um tanto quanto complicado porque a vida pra mim é estranha, muito estranha mesmo. Já se perguntaram do que é feito a amizade? De que material é feito a tristeza, a felicidade, o amor? Alguns diriam que não tem matéria ai envolvida, então, o que seria? Emoção? E o que é a emoção? Impulsos eletromagneticos no cérebro e blablabla? Tudo então se resume ao cerebro? Alguns diriam que sim, eu como um bom desmiolado que sou diria que não. Há algo mais do que isso tudo que esta dentro da sua caxola, sinto que há. Sinto logo existo, não era assim que falavam? Não, acho que não. Mas a questão aqui é a seguinte: De que fibra são feitas as forças de que usamos e necessitamos para superar a dor? Acho que toda dor é um compromisso frustrado que criamos e mantemos com a gente mesmo. Isso já mostra um pouco a irracionalidade do ser humano. Claro, não falo da dor fisica, apesar de que algumas pessoas adoram levar chicotadas e serem pisadas na cabeça por uma bota de salto agulha de couro. Falo aqui daquela dor que impulsiona e ao mesmo tempo deixa a gente estacionado, o puta paradoxo que nos faz sentir vivo, simplesmente vivo e cheio de dor, apesar de jurarmos pra nós mesmos que estamos morrendo disso ou daquilo... Bobagem, estamos é muito vivos e isso dói porque a gente não está acostumado com tanta vida e com tanta vulnerabilidade. Estamos acostumados a nos proteger tanto que quando nos expomos dói. É como o olho que fica na escuridão e tem que ver a luz de uma vez. Repito a pergunta: De onde surge a força que usamos e necessitamos para superar a dor da vida, a dor da responsabilidade, do "e agora? é comigo mesmo?". É, é contigo mesmo. E agora? Agora? A pergunta já responde, pelo menos em parte, a resposta. É no agora, ao menos isso eu sei... é nos agoras, no agora de agora, no agora de daqui um pouco, no agora até a dor sumir, no agora de daqui alguns meses... Mas é urgente, sendo assim, porque não agora? A esperança as vezes é a ultima que morre mas com certeza é a primeira que respira, com isso a gente espera, espera, espera... Deixar a esperança morrer, em alguns casos, é a melhor coisa a se fazer para você mesmo, porque quando a esperança é caduca a gente se agarra ao nada e cai, só cai, sem apoio. Ai sim a gente se levanta com as próprias pernas, o que para uns significa uma vida inteira, para outros uma noite de bebedeira, para outros porém significa uma grande carga e uma grande máscara de superação, vivem na eterna aparencia e no eterno jogo do auto engano. Estamos sempre aguardando novas esperanças, fazendo novas surgirem, querendo novas a se abrirem no horizonte cinzento, mantendo as mesmas com mais confiança ainda... Somos seres esperançosos, cruéis com a gente mesmo, dignos de pena e dignos dos mais belos poemas...



Felipe Ribeiro

sábado, 16 de janeiro de 2010

Reciclagem.

Salve, salve velha dor...
Por onde andava?
Ha quanto tempo não sentia teu calor!
Ha quanto tempo eu não a esperava?
Salve, salve bela!
Onde as lágrimas já enfim significam algo
Onde a carência enfim impera
Onde o tempo é um grande salto.
Tudo passa na velocidade da ansiedade
Tudo é saudade
Tudo é miragem
Tudo é uma incontrolável vontade...
Há e como essa vontade é insaciável
Como esse querer é ilimitado
E como a vida se torna tão apertada
Tão desprezada por aquilo que te aparta
De si mesmo.
Aquilo que ainda não é
Mas, que mesmo assim sendo, é, e como é!
Salve doença que não quero cura!
Salve paixão que me afunda!
Salve, dor, salve!
Por que é dela que se é feita a vida
Em todas as suas feridas
Abertas ou fechadas
Esquecidas ou relembradas
É disso que é feita as mágoas
E é disso que se é feito a superação
Aquilo mesmo que te dá o direito de seguir em frente
A sua oração
O seu amor descente...
Complascente e paciente
Firme, convicto que tudo dará certo
Mesmo que não acredite
Jurando martírio eterno.


Felipe Ribeiro

domingo, 3 de janeiro de 2010

Silvana.

Há alguns anos, quando eu andava mais sozinho do que ando hoje, entrei num desses bares grandes onde a primeira coisa que se consegue observar quando se entra em um lugar desses é gente, muita gente. Depois o barulho, muito barulho. Indistinguíveis sons de bandas tentando tocar bem e de pessoas querendo falar competindo com o som alto. Fui até o longo balcão e pedi um uísque com gelo. Naquela época eu tinha alguma coisa que se pode dizer ser bom gosto, ou bom senso, não me lembro, faz tempo que perdi isso. Fiquei na minha, não queria papo com ninguém. O barman, ou seja lá como chamam o cara que te serve as bebidas nestes lugares, me serve o scotch. Beberico um pouco e fico a observar as pessoas. De repente eis que eu vejo um primo meu. O típico rapaz que no auge de sua juventude não consegue controlar a sua empolgação e o seu tom de voz, o que acaba transformando-o no projeto perfeito do cara chato que não se manca. Fingi não vê-lo e me virei e fui saindo devagar com meu copo de uísque em mãos. Foi quando escutei o que não queria escutar. Em meio a centenas de pessoas por que é que ele me viu? Cristo, Buda, Krishina ou seja lá quem for, por que?!
-Primo! – Ouvi aquilo e pensei em seguir em frente e nem dar moral. Foi o que eu fiz, mas não adiantou muito. Senti sua mão pesada de jovem cheio de vida e empolgação que descobriu o que é uma xoxota não tinha nem dois meses bater nos meus ombros.
-Opa, tudo bom cara?
-E aê! – Me abraçou de lado. Caiu, como não poderia deixar de ser, um pouco do meu uísque na minha camisa. – Então, que que você ta fazendo aê sentado sozinho? Não ta vendo o tanto de gata aqui não?
-É, pois é...
-Então, eu to com uns colegas meus aê, cara já fiquei com umas três mulheres e aqui ta bom demais... – Não escutei mais nada depois disso. Liguei meu foda-se e acionei o meu vocabulário típico de quem finge escutar mas que está pouco se lixando. Soltei meus “é sério?”, “nossa!”, “que legal heim”, e coisas assim. De repente ele me acorda do meu torpor causado pela sua felicidade fútil e barulhenta batendo no meu ombro com força. Caiu mais um pouco do uísque. O que que há com a juventude de hoje, ela nunca ouviu falar na palavra “classe”?
-Mas primo, eu quero mesmo é pegar aquela morena ali! – E me aponta para uma moça que estava sentada no outro canto do balcão. Ela estava acompanhada por outra moça loira, muito bonita por sinal. Sentei no banco do balcão e bebi mais um pouco.
-Então primo, que que ce acha? Eu pego a morena e você fica com a loirinha, hã, hã?
-Vai na frente. –Realmente tenho preguiça para com pessoas animadas demais.
-Beleza! Eu falo de você para a loira então!
-Isso, vai lá, me ajuda.
-Pode deixar primo! – Ele não entendeu o “me ajuda”. Também pudera, o cara era novo, simples de coração... Mas muito chato, o que superava todas as suas qualidades. Não posso deixar de constatar que sim foi um alivio quando ele saiu. Então eu resolvi observar a situação. Por incrível que pareça meu primo conseguiu sair para dançar com a morena. O cara tinha jeito para com as mulheres... Talvez porque mulher não seja tão complicada assim, afinal. Enfim, a loira olhava para os dois. Depois ela voltou seu olhar para a batida que estava tomando pelo canudinho. Então ela levantou os grandes olhos azuis diretamente para mim. Joga os cabelos longos e loiros para o lado e sorri. Eu aceno com a cabeça e volto minha atenção ao meu uísque, ou o que sobrou dele depois do terremoto de testosterona que era meu primo. Resolvo por fim flertar com a moça voltando meus olhos novamente em direção a ela, porém não a encontrei mais ali. Procurei que nem uma toupeira mais um pouco e escutei bem do meu lado uma voz suave e risonha:
-Estou aqui Felipe. – Me viro e ela estava sentada no banco ao meu lado. Ela realmente era bonita e ao mesmo tempo segura de si, firme... Sim, firme e serena.
-Opa. – Disse eu em meio a um sorriso amarelo.
-Então, você é primo daquele cara?
-Não tenho culpa disso.
-E eu não tenho culpa de ter uma amiga daquela.
-É... – Este era um daqueles típicos momentos em que eu não sabia o que dizer. Não tinha a versatilidade dos garanhões. Acabei meu uísque e fiquei brincando com o copo.
-Posso te pagar outra dose Felipe?
-Se você quiser... –Ela sorriu e pediu outro scotch pra mim. Então me bateu uma idéia simples que até aquele momento eu havia ignorado: Qual o nome dela mesmo?
-Desculpa moça, mas qual teu nome mesmo?
-Silvana.
-Humm... Posso te chamar de serena?
-Se você quiser.
-Beleza então. – O drinque chegou e eu beberiquei de novo. Ela me olhava com os olhos de uma pessoa que estava completamente fascinada com o que via. Fiquei um pouco inibido beirando à desconfiança e disse:
-Seja lá o que o meu primo disse de mim, acredite, eu não sou isso tudo.
-Na verdade seu primo não falou muita coisa de você, só seu nome e que você estava sozinho.
-Então... – Ela sorriu e me disse:
-Você deve estar se perguntando, por quê?
-Confesso que sim.
-Digamos que te achei interessante. Você parece que quer sumir, gosto disso.
-Por quê?
-Quem não gosta de aparecer ou tem muito a esconder e não quer compartilhar com os outros ou se sente inibido com as pessoas, e eu acho isso um charme.
-É, deve ser. – Beberiquei de novo o uísque.
-Você é indiferente, metido! Se sente superior ou é só timidez?
-Nem um nem outro. Só gosto de ficar na minha.
-Então... Estou te incomodando?
-Não, você me parece legal.
-Sou sim! Você vai ver! – Nisso ela sorriu, virou e se escorou no balcão. Ela usava um vestido florido que lhe caia muito bem. Olhava o pessoal fixamente. Então ela se vira pra mim e pergunta: - Você não dança?
Me virei e vi o pessoal dançando na pista. A música eletrônica, ritmo rápido e constante, as luzes piscando, o pessoal olhando para o chão balançando as cabeças e os braços, alguns de olhos fechados com a cabeça e os braços erguidos para cima.
-Isso é dançar? – Retruquei.
-É uma coisa interna Felipe... É tipo uma pulsação que a gente sente, entende?
-Não.
Ela sorri me olhando de baixo para cima, para e olha fixamente nos meus olhos. Puta que pariu, poderia fazer tudo por ela naquele instante em que seus olhos cruzaram como uma bala com os meus. As mulheres quando querem alguma coisa de um homem ordenam com os olhos, mas uma ordem irrevogavelmente aceita pelo homem e seu instinto.
-Vamos dançar?
-Prefiro ficar conversando com você aqui, se não se importa.
-Claro! Mas...
-Mas?
-Mas você nem ta falando nada, fala aí!
-Não tenho muito que falar, o que é que eu poderia falar? – Beberiquei mais um pouco do uísque.
-Sei lá, qualquer coisa. O que sente, o que sabe?
-Não sinto e não sei de nada ultimamente. Quer dizer... só disso que sei ou sinto, porra, sei lá.
-Olha ai! Já disse alguma coisa!
-Tá legal então, sua vez agora, porque é que você não fala nada?
-Por que te observo.
-É, isso eu to vendo, mas o que você procura em mim?
-O que aparecer, ué!
-Que merda heim... – Ela gargalhou. – E o que é que apareceu pra você até agora?
-Um ser... Autentico!
-Heim?
-Você é espontâneo, seus diálogos são fluidos, não tem muitos crivos...
-Crivos no caso seria papo furado?
-Uma artificialidade imposta, conforme as leis da etiqueta e da moral e dos bons costumes...
-E porque você acha que ela tem que se impor?
-Talvez porque não seja tão inerente ao sujeito.
Ela me olhava de um jeito estranho. Desconfiei que estivesse sendo alvo de uma experiência cientifica, ou seja lá o que for, só sei que estava tendo essa impressão. Então ela me solta a seguinte frase: -O que você acha do sujeito hoje em dia? – Porra, que tipo de pergunta era aquela? Eu não achava nada, respondi apenas tendo por base tudo o que eu estava sentindo naquele momento.
-Eu acho que a maioria das pessoas estão esgotadas... Elas mesmas se esgotam pela pressão insana que elas mesmas se impõem... Acho que essa pressão é perversa porque inculca na maioria das pessoas uma culpa que elas não tinham o direito de sentir... Acho que isso é culpa dessa lógica absurda da eficácia, se você não se preparar constantemente você não sobrevive, isso pra mim é uma guerra suja porque o mundo te prepara apenas para ficar preparado para o que eles ditam, o que o mundo determina, você nunca esta preparado para você mesmo e com isso você esquece de se formar por si mesmo... Sei lá, acho que o que existe hoje de fato é a vontade de ter vontade própria, entendeu?
-Sim! Mas de onde vem essa historia de vontade?
-Vem da humilhação.
-Hã? Como assim?
-A todo momento nos humilhamos. Com isso matamos a golpes de pancadas a nossa própria vontade. Não fazemos por vontade própria determinadas coisas, fazemos porque é determinado que façamos, caso queiramos sobreviver “dignamente”. Compreende? Somos assediados moralmente a todo instante. E o pior de tudo é que nos resignamos porque naturalizamos o mundo dessa forma, mas esquecemos que somos nós quem fazemos ele ser assim.
-Entendo. E o mundo se acomoda, presencia barbáries e fica imune e mudo.
-De que mundo estamos falando afinal de contas?
-Acho que é aquilo que imaginamos como mundo, que achamos que esta além de nossos pensamentos... O que conseguimos imaginar, o não imaginável está fora desse mundico... Não é o mundo das possibilidades, é só o restrito, entende?
-Sei... A questão é: Achamos que de fato pensamos ou pensamos de fato? Pode uma cultura desenvolver um mecanismo de abstração tão violento que de fato nos inflija a pensar que pensamos ao invés do livre exercício de pensar por conta própria?
-Acho que pensamos sim Felipe... Pensamos sim, de fato, mas de uma maneira, eu diria, bitolada...
-Sabe moça – bebi mais um pouco do uísque – o homem de hoje esta engajado em seus projetos porque ele enxerga a vida não como uma possibilidade, mas antes vê a vida com a angustia daquele que joga... e que joga pra vencer.
-Entendi.
-E se tudo é um jogo, não há um compromisso para com os outros jogadores, já que esses são vistos como concorrentes e adversários.
-Mas haveria vencedores? Perdedores? Não sabem que pode haver uma filosofia ganha-ganha?
-Acho que... Acho que haveria aqueles que ganham rodadas... Mas tudo depende de como a pessoa vê a sua vida...
-Não sei... Não estou ciente se jogo ou não... Às vezes devo jogar, para que, eu ainda não sei... Garçom me vê outra batida, por favor...
-O bom jogador é aquele que sabe parar para ter controle do jogo, e não o contrário. Há de se ter a tal da serenidade, temos que ter consciência do que somos... A maioria dos seres humanos não tem consciência do que são, ou melhor, da sua situação... Situação de dependência.
-Sim, dependência total! A maioria da humanidade ainda quer ter controle sobre a natureza e o mundo, não dão trégua.
-Aqui sua batida moça. – disse o garçom.
-Obrigada. – chupou um pouco no canudinho e continuou – sabe, eu estudei a teoria do demônio de Laplace e as pessoas ainda pensam dessa maneira, pelo menos os latino americanos – disse-me olhando para a pista de dança.
-No fundo é isso que todos querem: Poder. O poder nos garante de certa maneira e nos faz esquecer da nossa situação fundamental de dependência. Por isso acredito que os humildes estão a salvo de si mesmos.
-Os humildes? Agora não entendi.
-É porra. Humildes são aqueles que se conhecem e sabem pelo que lutar; os coerentes e os que não se enganam sobre si mesmos. Tendemos a pensar que os humildes são passivos, isso pra mim é ressonância da racionalidade competitiva. Em uma palavra serena, os humildes são os sinceros e honestos... Isso não quer dizer necessariamente que eles são bons ou maus, depende daqueles que são afetados pelo tapa da realidade sobre si mesmos, entendeu?
-Entendi.
-Qual das mascaras queremos usar?
-A da mesquinhez! – Sugou mais um pouco da batida do canudinho.
-Sabe o que me mata? O pedantismo. Porra pensa comigo, porque não respeitar para ser respeitado? Porque não considerar alguém como um elemento que carrega uma gama de inteligência e capacidade? E história... Experiência de vida, visões de mundo...
-Por que não se enxergam as possibilidades...
-É, pode ser. Estamos cegos pelo preconceito que carregamos e que alimentamos em nós mesmos quando achamos que somos mais só porque temos mais estudo, mais dinheiro, mais beleza. Somos extremamente quantitativistas e nem percebemos.
-É uma analise boa, mas você não acha que ela é possibilitada pelo momento de mutação do mundo? Eu acredito que o mundo vai girar ou hecatombe ou um planeta melhor! Porra, há tanto assassinato por ai, vamos todos morrer?
-Claro que vamos morrer, caralho! Não somos imortais, pô!
-Desculpe...
Nesse ponto eu percebi a cagada, fiquei nervoso não sei por que, talvez por estar a vontade demais com ela e daí eu me permitir explodir um pouco... Tentei consertar.
-Olha moça... Eu não sei de nada. Só sei que estou cansado... Sou um paralitico que se apóia em muletas de pensamentos, mais um que não anda com as próprias pernas...
-E quem não é? Olha, adorei construir esse dialogo com você!
-E o que é que você construiu?
-Ué, o dialogo!- Chupou de novo o canudinho.
-Pensei que você iria dizer algo do tipo... algo inacabado e que um dia hei de destruir, ou coisa parecida...
-Errou, não sou tão previsível!
-É, ta... O que você faz da vida moça?
-Faço psicologia, formo esse ano. E você?
-Faço história.
-Interessante!
-É... – Foi então que meu instinto me deu um chute no saco me lembrando do que um homem faz com uma mulher...
-Escuta – continuei- ta afim de ficar comigo?
-Nem um pouco.
Não contive a gargalhada.
-Tudo bem então... – beberiquei mais um pouco do uísque. Acabou o uísque e o assunto.
-Você desiste fácil assim?
-É...
Nisso chegou meu primo acompanhado pela amiga da Silvana. Ela chamou a Silvana para um canto e ficaram conversando e rindo. Meu primo sem classe e cheio de hormônio masculino me bate no ombro com sua mão pesada de euforismo.
-Primo! Que mulher!
-Ah é? – Sim, liguei meu foda-se. Na verdade já o havia ligado quando ele estava a caminho de torrar o meu saco.
-É! Demais! Ela valeu por cinco!
Foi como se eu levasse um soco no estomago. Me deu vontade de quebrar o copo de uísque na cara do desgraçado depois que ele soltou essa. Novamente sinto um tapa pesado no ombro.
-E aê primo, pegou a loirinha?
-Não.
-Porra, perae! Vocês ficaram só conversando? – Para o meu primo mulher não tinha cérebro... Só um buraco para se enfiar o pau.
-Pois é... Ela tem um papo legal...
-Tá fraco heim primo, ta fraco!
-É pois é...
A Silvana e sua amiga vieram até nos de novo. Disseram que tinham que ir embora porque estava tarde e aquelas coisas todas. Me despedi com um aceno de cabeça para a Silvana. Ela veio, me abraçou e me beijou a bochecha. Percebi que meu primo estava agarrando e beijando na boca a amiga da Silvana. Ele prometeu ligar pra ela. Elas foram embora. Sim, a Silvana não pagou meu uísque. Meu primo voltou à pista para, segundo o que ele mesmo me disse, “caçar outra gata”. Paguei minhas bebidas e voltei para casa. Novamente a pé, e novamente tive insônia.


Felipe Ribeiro