sábado, 1 de novembro de 2008

Os nove leões.

O celular, ao qual mais me serve como despertador do que um telefone em si, me acorda as 6 da manhã. Minha cabeça explodindo, aquele leve gosto de tristeza na boca me deixava, de certa maneira, ainda mais sonolento, como se eu me entregase completamente à prostação total, como se eu me entregasse enfim para os meus lençóis sujos de suor, como se eles fossem a unica coisa no mundo que me apoiassem e que me entenderiam. Alguns chamam a isso de preguiça, eu chamo de... chamo de... bom, porra, ainda não inventei um nome pra isso, mas não era preguiça. Era um sentimento devastador de impotencia perante o grande ditador que me comia o rabo todos os dias... o meu não, de milhões de milhões de pessoas ao redor do mundo. O que mais me doía era o fato de o despertador não parar de tocar enquanto eu, EU, não tomasse uma atitude para tanto. Desliguei o aparelho, meu primeiro leão já estava no chão. Vamos ao segundo: sair da cama. O quarto ainda estava escuro, abafado e, estranhamente, havia na escuridão uma sensação mista de tempo perdido no mundo e cheiro de mofo. Saio da cama e ascendo as luzes... Terceiro leão no chão. Olho para meu quarto e vejo a imagem fiel de mim mesmo: Roupas jogadas num canto, uma garrafa de vinho meio vazia no outro, algumas latas de cerveja amassadas que faziam um pequeno monte em cima da minha sapateira com meus sapatos empoeirados e cheirando a um chulé petrificado e velho. Aquela sensação de desespero, de sonho morto, de uma imagem construida e arranhada pela ignorancia do mundo... Quarto leão no chão. Vou até o pequeno banheiro, sujo, fedendo a urina e vomito da madrugada solitária que passei comigo mesmo... e ainda assim consegui brigar comigo mesmo e no fim de tudo nem pude desfrutar de uma bela companhia de mim mesmo... Olho para o espelho... Quinto leão no chão. Lavo meu rosto com água fria, me seco com a camisa que usei para dormir. Olho de novo para o espelho... Tento sorrir... Sexto leão no chão. Tento tomar um banho, mas só molho a cabeça. Não sei por quanto tempo fico molhando a nuca, mas foi tempo suficiente para o telefone tocar, eu atender e verificar que acabara de ser demitido... outra vez. Seco a cabeça, sento no sofá rasgado. Minha gata mia e me pede comida. Sétimo leão no chão. Como dizer a ela que acabou? Como abrir a porta de casa e jogar ela na rua? Oitavo leão no chão. A casa se silencia. Vou até a geladeira, não encontro nem mesmo uma lata. Nono leão no chão. Sento-me de novo no sofá... Espero o décimo leão aparecer para me devorar. Ele não aparece.



Felipe Ribeiro

Um comentário:

Dinah Cardozo disse...

E esse décimo leão ainda chegará... breve ou não, chegará. A espera é longa, mesmo que leve alguns segundos. É amarga, mas já não dói tanto, não há mais espaço para dor, apenas lembranças, memórias e espera. Espera... longa, longa espera pelo décimo leão.

Bem, foi essa a visão que tive do personagem a espera do próximo leão.
Adorei o texto.