sábado, 9 de maio de 2009

Conversas pra boi dormir, parte 4.

Eu estava tentando imaginar algo que me deixasse melhor e provar, sem sucesso, pra mim mesmo que não sou de todo inútil. Obviamente estava esperando a tontura do vinho vagabundo de dois reais passar, sentado num ponto de ônibus às 2 da madruga quando, no outro banco do ponto, sentou-se um senhor mal trapilho que cheirava a urina. Barba um tanto quanto comprida para os dias de hoje, toda desarumada, de um amarelo quase branco. Estava usando uma sandália já ha muito desgastada e realmente ele parecia não se importar muito com isso. Então ele começou:
- Ô colega, me vê um gole!
Passei-lhe a garrafa de vinho.
- Do bão, do bão!
Respondeu depois de uma longa golada.
-Toma ae!
-Pode ficar...
-Opa, tá com nojo da minha boca?
-É claro que tô... E outra, eu já to meio tonto, não quero ficar mais a ponto de dormir na rua.
-Cê num sabe o que é fica tonto...
-É... tanto faz.
-Aê, que um toque?
-Fala.
-Vai toma no seu cú, você não sabe de nada.
-É...
-Morô?
-É... to sabendo.
Nisso eu comecei a refletir sobre a constatação daquele nobre senhor. Comecei a rir porque ele tinha razão. Ele me olhou com um sorriso perceptivel no meio daquela barba oleosa, deu uma piscada com o olho direito, e bebeu outro longo gole. Depois começou a rir, não parava mais de rir em meio a pigarros barulhentos e consistentes, olhava pra mim, apontava o dedo pra mim, e ria. Rimos juntos. Sabiamos de tudo, derrepente, sabiamos de tudo, tinhamos essa sensação. Ele escarrou o nariz muito alto, cuspiu no chão e se levantou.
-Falou vacilão!
Disse ele rindo pra mim.
-Falou maluco.
Subiu a avenida e nunca mais o vi de novo.


Felipe Ribeiro