Longe de ser uma noite agradável aquilo parecia uma noite sem sabor, sem cor, fria, opaca, cinza e o pior de tudo era que aquilo tudo estava praticamente virando um hábito. Eu suado depois de fazer um esforço quase que humilhante pra tentar ser no minimo agradavel para aquela mulher que eu nem fazia lá muita questão de conhecer, ela falando sem parar da vida mediocre que levava, um grande blablabla que as vezes se misturava ao meu sono e que não dava pra entender muito bem. Já estava quase dormindo se não fosse o vinho para me distrair. O mais foda disso tudo é que a garrafa estava com ela e ela não fazia muita questão de dividir aquilo. O meu tempo foi novamente roubado pela atenção que ela pedia para si. Aliás, meu tempo não me pertence muito ultimamente, vivo dando ele para as baratas e para as futilidades frivolas desse mundo. Enfim, pedi-lhe a garrafa. Ela me devolve. Vazia. Dou um grande suspiro, olho pra ela e ela me pede um beijo. Dou outro grande suspiro e fecho os olhos. Os bafos de vinho barato se encontrando, o gosto acre da lingua dela se encontrando com a minha me fez pensar bem na vida que eu estava levando, no meu futuro, no que eu tinha feito pra merecer aquilo e quem sabe pensava um pouco em dignidade... Na dignidade que naquela hora estava me fazendo falta. Ela se senta no meu colo e começa a tirar a blusa... Ora, vamos lá, pensei, vamos lá... E fomos. Foi tristemente bom, se é que isso pode ser possível, mas foi. Não deu muita cor praquela noite, mas ao menos foi agradável. Salvo o incoviniente de ela resolver começar a falar depois do esforço, foi agradável. Ela começa a mecher na minha cabeça, faz um afago nos meus cabelos. Enfim, tive que perguntar:
-Então, que é que ce tá fazendo?
-Nada... Por isso to angustiada...
-Sei...
-Eu sei que sou uma fútil, sabe? Eu sei que sou uma narcisista...
-Poxa... Obrigado pela parte que me toca.
-Não é isso que quis dizer, desculpa... mas eu me sinto tão... fútil...
-É, de fato, você liga demais pra sua imagem... vive colocando maquiagem, roupas justas, decotes enormes...
-Você me acha a maior narcisista né?
-Não sei se um narcisista sabe se é narcisista...
-Por isso mesmo eu me assusto... Eu sei o que é um narcisista e repito certas práticas, sou muito vaidosa!
-É, pode ser isso mesmo... Mas, vaidade não precisa de um outro como alvo? O Narcisista só atinge ele mesmo, ele é o alvo, não?
-Mas é pra mim mesma! Eu tenho a necessidade de provar pra mim mesma que sou a mais bonita, a mais inteligente a mais uma porrada de coisas do que as outras garotas...
-Enfim... - soltei um suspiro - Isso pra mim é perda de tempo.
Ela ascendeu um cigarro, ficou fitando o teto. Talvez ficou esperando eu falar alguma coisa, não entendo muito as mulheres, graças a Deus.
-Por que é que você tem essa necessidade de provar que é melhor que as outras mulheres? - Enfim perguntei.
-Sinceramente... Não sei. Acho que é porque eu acho um saco essa mania que as pessoas tem de confundir consciência social, altruismo ou seja lá o que for com feiura...Odeio o estilo porra louca só porque faço Ciências Sociais. E noventa por cento das meninas desse curso são feias!
-É... Concordo.
-E to pouco me fudendo se as pessoas me acham futil por causa do meu estilo!
-Sei... Bom, porra, se você se sente bem com imagem, vai fundo... Digo, fundo não porque imagem é superficial...
-ahahaha... É verdade. Mas o lance é que eu adoro fazer o papel de guria fatal!
-É... já notei isso mesmo... E nem ligo como você pode reparar...
-Não liga mas tá aqui pelado do meu lado...
-Você implorou por isso.
-Vá se foder!
Ficamos em silêncio por algum tempo... Ela ascendeu outro cigarro. Então eu recomecei.
-Olha, acho que você está tremedamente errada, mas não te condeno por isso... quem não erra né?
-Do que você tá falando?
-Porra... Da sua atitude perante você mesma.
-Hum?
-Na boa... Eu sei que esse é seu jeito, sua estratégia de sobrevivência nesse mundinho de merda, mas é o seu jeito, sua estratégia, não você em si. É a sua escolha, infeliz, mas é a sua escolha...
-Posso ser sincera?
-Já era hora né?
-Engraçadinho... Bom, sinceramente eu não sou infeliz por ter escolhido isso, e outra, eu não sou nenhuma puta, não vivo disso! Eu simplesmente gosto disso, sabe, desse jogo!
-Então... você gosta desse joguinho de sedução? Desse poder, dessa sensação de superioridade que a imagem pode causar, é isso?
-Exatamente, agora você me entendeu...
-Poxa... Você de fato é uma fútil mesmo... Poder é uma coisa tão imbecil!
-Discordo plenamente!
-Tá.. então me fala, o que te atrai nisso tudo, esse negócio de poder?
-Uai... O poder!
-Tá... Poder de que? Pra que você usa isso? Porque você usa isso? De que vale isso? Até onde isso te traz respeito?
-Acho que um pouco de identidade... Odeio ser comum.
-Isso é neurótico!
-Cada um com suas neuroses! Eu sempre fui ligada a ideia da loira gostosa, louca e extrovertida...
-Isso é besteira, isso é imagem! Você mesma me disse agora a pouco que não se sente bem com isso... Voce se sente segura mas não bem, isso é diferente! Isso é uma máscara, um escudo inutil...
-FODA-SE - Ela gritou.
-Enfim... Foda-se.
-Cansei de criticar tudo, sabe?
-Não é criticar sua cretina imbecil! É ser você mesma! Você se vende a preço de imagem!
-Foda-se! Eu ganho com isso!
-Ganha?
-Pelo menos tenho alguns privilégios...
-Privilégios né? Sei... Você não nota que esta afundando cada vez mais nessa prisão? No fim das contas espero que a ignorância te cegue para o verdadeiro problema e você viva feliz...
-Ignorância, eu? Impossível!
-Tá, que seja... Você é uma acomodada.
-Hum, pode ser, ganhei muito pouca sendo revoltada, comunista...
-Isso é imagem também... Você não consegue desvincular um estereotipo de você mesma...
-Não mesmo...
-Falta a segurança necessária pra você ser você mesma... Você liga demais para o que os outros pensam, caso contrário não usaria essa mascara toda.... E cade seu poder nisso tudo? Você é uma medrosa, isso sim uma medrosa! Se eu estiver enganado, bom, foda-se!
-Não... pode falar...
-Já falei o que tinha pra falar, porra. É isso! As pessoas simplesmente não me surpreendem mais. É por isso que sua banca toda não causa o menor efeito em mim, entende? É por isso também que eu sinto pena dessa sua escolha idiota. Poder reside nisso mulher, em ser autônomo, e não escravo de uma imagem que lhe convém! Não ficar escorado numa imagem pra sobrepujar outras pessoas... Isso é desespero! E eu vejo essa sua opção como a mais equivocada de todas.
-Equivocada... Em que medida, porque você fala isso?
-Equivocada na medida em que isso só alimenta a futilidade do mundo. E ao fazer isso aumenta a injustiça e a indiferença perante o outro, como se o outro fosse apenas e tão somente um degrau pra se pisar.
Depois disso ela ficou em silêncio, fitando o teto daquela sala imunda. Eu não tinha mais nada pra falar, estava cansado. Dormi. No outro dia, pela tarde quando acordei, nem vi mais sinal dela na sala ou na casa. Tomei um banho e pensei na vida. Só pensei, nada além disso.
Felipe Ribeiro
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
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Um comentário:
o que vejo é que as pessoas estão muito mais preocupadas em compor uma identidade com tudo aquilo que elas acreditam que seja o melhor, que se esquecem do que elas são realmente... passam a vida inventando e alimentando personagens e acabam acreditando neles... Muitos não estão dispostos a encarar suas "sombras",aceitá-las e serem como são de uma maneira honesta, limpa, pura... Sei lá, talvez melhorar-se não seja necessariamente ser o melhor...
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