quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O rastro.

Algum rastro de acaso
Me convida a ser pleno
Pleno de mim, daquilo que faço
Daquilo que acredito e tento.

Algum rastro de acaso
Me convida a ser asco
Asco do outro, do que não faço
Daquilo que ignoro e nem penso.

Algum rastro de acaso
Me convida a ser passo
Passo do inédito, do que traço
Daquilo que imagino e ostento.

Algum rastro de acaso
Me convida a ser trapo
Trapo de medo, de fiasco
Daquilo que possui sem alento.

Algum rastro de acaso
Me convida a ser pasto
Pasto do tempo, do momento
Daquilo que me digere o tormento.

Algum rastro de acaso
Me convida a não ser crédulo
Crédulo do acidente, do firmamento
Daquilo que me obriga a ser no vento.

Algum rastro de acaso
Me convida a ser liberto
Liberto de mim, liberto do limitado
Daquilo que me julga sem discernimento.

Algum rastro de acaso
Acaso seria acaso esse rastro?


Felipe Ribeiro

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Silêncio.

Palavras vãs ou nenhuma palavra? As palavras vagas deveriam ser silêncio, deveriam ser preenchidas por ele, moldadas por ele, esvaziadas por ele. Por que melhor não ter do que ter e não se orgulhar.
O silêncio doado, gratuitamente, diz diretamente. Diz mais porque vai mais longe, mais fundo, mais intimamente. O silêncio é o que mais permite.
Não invade, não oprime e nem liberta, como as palavras.
Mas permite.
Palavras pesam, cegam, queimam, cansam. Palavras libertam, amenizam, curam.
Silêncio permite.
O silêncio, só por isso, faz mais do que qualquer palavra.
Permite o que? Perguntam os viciados nas palavras, os viciados no estipular limites audíveis, visíveis, compatíveis com aquilo que mais sonham, mais esperam, mais desejam e mais desistem.
Permite.



Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O que liberta.

A vida é a troca de tudo que existe
E que só nos é emprestado
Matéria útil que persiste
Para ser usado e descartado.
E é essa eterna troca que persiste
E que nos é permitido criar.
A massa de tudo que insiste em ser
Isso tudo que precisamos para sonhar.

O ar que me adentra o peito
É o mesmo que você respirou.
A paisagem que me alegra a alma
É a mesma que você olhou.
Então por que não, nessa hora,
Sermos um só sonhador?
Não, isso não pode ser!
Os sonhos são únicos.
E são a única coisa que de fato nos pertence.
São as nossas criações.
São aquilo que nos fazem deuses!

Mas que deuses são esses?
Que precisam da criação em que vivem para formar a sua própria criação?
Que tomam emprestado até mesmo isso!
Pequenos deuses, que não criam.
Só especulam.
E especulando vão formando a negação.
Mas como negar essa eterna exigência?
Que é a nossa condição?

Nega-se sonhando.
Eis a liberdade.
Sonha-se com o voo, atrás das grades!
Mas não há cárcere que possa prender.
Não há medo que possa tolher.
Não há tristeza que possa encolher.
A capacidade de sonhar e de se ater
A tudo que liberta o homem de sofrer.
Por que o homem é livre sem o saber.

É livre para negar
É livre para escolher
É livre para amar
É livre para se prender.
Não há nada que o sustente
Não há nada que o limite.
Só isso, a liberdade.
Mesmo que em sua forma ela seja condicionada.
Ela é a condição que liberta.
Que condena mas que não julga.
Pois se julga, impera.
E se impera, sufoca
E se sufoca, não liberta.

Eis o ciclo a que estamos condenados.
Incondicionalmente, condenados.
Formalmente ameaçados
O tempo todo açoitados
Por essa força que nos empurra.
Ao longo do imprevisível
É lá que se encontra, sempre,
Aquilo que nos definirá.
E que nos marcará.
No infinito.



Felipe Ribeiro.




domingo, 5 de maio de 2013

A graça.

Tudo que agrada aos sentidos é belo.
Tudo que agrada a razão é verdadeiro.
Tudo que agrada ao ego é ilusão.
Tudo que agrada a todos é duradouro.
Tudo que agrada é necessário.
Pois é o agradar que abre os caminhos.
E o que abre, abraça.
Esse abraço que aproxima.
E aproximando toca.
E tocar é ir junto.
Ir junto é suportar melhor.
Tudo o que vier.

Felipe Ribeiro

terça-feira, 16 de abril de 2013

Ser sendo serei o que será de ser.

Eu já fui a pedra que algum dia alguém irá descansar.
Já fui a água que algum dia alguém irá se salvar.
Já fui o fogo que algum dia alguém irá usar para orar.
Já fui a prece que algum dia alguém irá profetizar.
Já fui o ar que algum dia alguém irá respirar.
Já fui a sombra da árvore que algum dia alguém irá se refrescar.
Já fui tudo o que há de ser e será.
Já fui e estou sendo.
Já.
E agora usufruo de tudo que serei.
E o que serei não dependerá de minhas escolhas.
Da escolha de ninguém.
O que serei será isto.
O já fui, o já sou, o estou sendo.

Eu já fui a corrente que aprisionará.
Já fui o sonho que libertará.
Já fui a carta que emocionará.
Já fui o choro que apaziguará.
Já fui o sorriso que amendontrará.
Já fui tudo de bom, tudo de ruim.
Já fui tudo o que há de ser e será.
Já fui e estou sendo.
Já.
E agora usufruo de tudo que serei.
E o que serei não dependerá de minhas escolhas.
Da escolha de ninguém.
O já fui, o já sou, o estou sendo.

Eu já fui o amante que amará.
Já fui o assassino que matará.
Já fui a mulher que receberá.
Já fui o homem que doará.
Já fui a criança que não se preocupará.
Já fui o adulto que fará.
Já fui o velho que recordará.
Já fui tudo que há de ser e será.
Já fui e estou sendo.
Já.
E agora usufruo de tudo que serei.
E o que serei não dependerá de minhas escolhas.
Da escolha de ninguém.
O já fui, o já sou, o estou sendo.

Eu já fui o erro.
Já fui o acerto.
Já fui a promessa.
Já fui o concretizado.
Já fui o fiasco.
Já fui a fraude.
Já fui o asco.
Já fui a sorte.
Já fui tudo que há de ser e será.
Já fui e estou sendo.
Já.
E agora usufruo de tudo que serei.
E o que serei não dependerá de minhas escolhas.
Da escolha de ninguém.
O já fui, o já sou, o estou sendo.

E quem recordará?
E quem se importará?
E quem vivenciará?
O já sou, estou sendo, já?
De cada um que se improvisará.
Nas inúmeras camadas de ser e vir a ser, o que será?
Será!
Sempre. Será!

Felipe Ribeiro.



segunda-feira, 8 de abril de 2013

As linhas.

Por onde começa?
Por onde termina?
O fio que liga tudo
A todos?
Termina?
Começa?
Não se sabe.
Mas está ai, em toda parte.
Emaranhado, suave.
Está ai, aqui, ali, lá...
Ligando eu a você.
Você a mim.
Eu a todos.
Todos a você.
Todos a todos.
Amém.
O que não se liga?
Não, não existe.
Tudo faz parte do mesmo caminho.
O caminho existe.
Através dele acompanhamos o tudo.
Em embates frenéticos
De medos
Receios
Lucros
De  lutos.
Acompanhamos ele
Com embates suaves
De coragem
Certezas
Solidariedades
De nascimentos.
Essa mistura maluca, confusa.
Que nos obriga a enfrentar
Os nós, os laços,
Dos fios que nos ligam
E que nos afastam.
Mas que nunca nos desconecta.
Nunca nos rompe.
E é por esses fios
Que nós nos montamos.
Remontamos, soberbos.
Nessa feitura maluca e confusa
Tudo esta em todos
Todos estão em tudo
Todos estão em todos
Sem sabermos.


Felipe Ribeiro.

domingo, 31 de março de 2013

O todo.

Por léguas, mais léguas...
Os pés invadiram as terras.
Cada passo uma escolha
Indistinta, infundável...
Infindável...
Até o outro passo.
Cada passo uma escola...
Um aprendizado raro, único.
Cada palavra soltada
Cada ato feito
Ou refeito
Ou nem feito.
Cada pensamento que veio
Que foi, que ficou...
Que moldou e revelou
O falso, o verdadeiro.
O presente, o passado, o futuro.
O ato, o fato puro.
Tudo isso e mais um pouco.
Um suspiro, apenas isso.
Um alento da alma.
Um espirro do universo.
Um grão do grão do pó de tudo.
Imerso
Num verso
Num todo
Num mundo
Entre inúmeros mundos.
No fundo de um nada
Obscuro ponto minúsculo.
E nisso tudo
O tudo possível.
Vindo e indo
Num todo provável
Dos amores mais caros
Das idéias mais caras
E das dores mais rasas
O Tudo.
O Todo que contém até o nada.
O nada de ser ninguém mais
Do que você poderia ser.
Eis a fábula!
Aproveite-a, foi você quem fez.
E nessa feitura rara
Todos aqueles que não são o que são
Mas são o que pensam ser.
E serão o que deveriam ser.
No fim tudo isso é passageiro.
E o que foi sempre será, agora.
E o que será está sendo, agora.
E o que está sendo sempre foi, agora.
E o Todo é tudo agora.
Nunca foi nem mais nem menos.
Nunca foi nunca.
Sempre foi sempre.
E, agora, você é eterno.
E eterna são suas dádivas.
Agora.
E sempre.
Mesmo com o findar que vem com as lágrimas.
Mesmo com o voltar que vem com as lágrimas.
Mesmo com o grito do nascido.
Mesmo com o silêncio do falecido.
Mesmo com isso e apesar disso.
Agora será sempre.
E sempre será agora.
O ciclo.
Eterno ciclo.
Dos movimentos insondáveis da Vida.
Da eterna Vida.
Da incansável Vida.
Vivida por nós.

Felipe Ribeiro.


sábado, 30 de março de 2013

As partes.

A terra que há em mim invade
A terra que está sob mim.
Nessa invasão meus passos ecoam
Até findar as pernas
Que levaram a terra que há em mim
Para as terras de todos que estão lá.
A água que carrego em mim
Não supre a sede que em mim há.
Apenas água que está além e fora
Essa sim servirá.
Por isso preciso dos passos
Para nela ir buscar
A saciedade que vive em mim
Apesar de sempre estar lá.
O ar que tanto despejo
Nos meus pulmões malfazejos.
Expelem toda vontade que me faz recordar.
Me impondo sempre o que sou
O que fui
E o que serei
Mesmo se assim não o desejar.
E é o ar que tanto busco
Que me faz caminhar com custo
Atrás da água que, num soluço
Me faz derramar o pranto
Da dor e do explendor de amar.
Terra, água e ar...
Fazem o fogo que habita em mim
Queimar.
E queimando ele extingue tudo
Que há para se queimar.
O que sobra, das cinzar mortas
É o eterno respirar.
É a eterna vigência
Do ali estar
Do ali ser
Do ali se impor
Sempre
Até findar.


Felipe Ribeiro.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Prognóstico.

Devo muito há muita gente. Todos devemos algo para alguém e alguém sempre irá dever alguma coisa a você. Os amigos, a namorada, as cunhadas, a família e até mesmo o estranho que lhe dê um olhar na rua, todos estão em dívida com todos. Mas a cobrança delas sempre será sutil, sempre será necessariamente uma cobrança que o tempo irá cobrar e que você irá pagar, escolhendo ou não. O meu prognóstico é de um eterno devedor e um eterno pagante. Foram todos que me fizeram e fui eu quem me fiz em todos. E nessas dívidas impostas pela vida e pelo acaso saímos sempre no lucro, mesmo no atraso de alguma prestração. Há alguma compensação no retorno do crédito que colocamos na vida, e essa compensação tem nome, se chama experiência. Ela quem irá te fazer rico, cada vez mais rico. Nunca pobre, nunca. A pobreza vem da fraqueza de caráter de encarar tudo que lhe vêm em cada respiração que você se compromete a dar. Essa fraqueza é fortalecida pelo fato único de pensarmos que somos intocáveis. Intocáveis! 
O toque há em diversos níveis, pense em alguém e estará tocando-lhe com os pensamentos, olhe alguém e estará tocando com o olhar, fale com alguém e estará tocando-lhe com as palavras, ouça alguém e estará tocando-lhe o coração.
Não há nenhuma barreira que poderá proteger você do seu destino. E o seu destino é o mesmo destino de qualquer pessoa que é estar sempre em dívida pelo toque que você dá, pelo toque que você oferece e até mesmo pelo toque que você nega. É negando o toque que você estará disposto a se tornar intocado. E estar disposto a isto é o mesmo que uma planta estar disposta a ficar sem água.
Então toquemo-nos para permitir a troca, por nos permitir a abertura de consciência que isso trará, pela possibilidade da beleza ou da feiura que isso acarretará, mas pela possibilidade de ser isso o que nos transformará, paulatinamente, naquilo que podemos ser de melhor para os outros e para nós mesmos.


Felipe Ribeiro.




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Vida.

Bela é a vida...
É nela que se encontra tudo de bom
A gente mesmo só tira proveito
Se quiser e se tiver o dom.
 
A vida amassa, torce, esmaga.
Nós tentamos relaxar.
A vida molda o caráter.
Nós o despertar.
 
É no despertar que vemos o que há
E o que há pra se ver ai está!
Firme e forte no ar...
Sutil, tão sutil
Que nem sequer chegamos a notar.

E por não notar nos culpamos
E na culpa escapamos
De tudo que poderia ser nosso
Legitimamente nosso
Seja dor, prazer, amor.
Seja o "eu quero" e o "eu posso".

Não meu, não teu... Mas nosso!
Por que a responsabilidade está em todos.
Está naqueles que sabem amar.
E está adormecida em nossos medos,
Imersa na criança em que todos habita.
Inserida nos sonhos de quaisquer anseios.
Nos anseios lindos que não suportamos criar.


Felipe Ribeiro.

Daquilo que seria, se fosse.

Que saudades que tenho!
Daquilo que não vivi.
Daquilo que me fez por hora.
A pessoa que não escolhi.
Que saudades que tenho!
Do ontem, que foi o que me fez hoje.
E do amanhã que me fará talvez.
Saudades do hoje não sei se teria.
Por que é nele que o tudo estaria
E quem vive o tudo vive todo.
Vive plenamente, sem idéia de um quase.
E é no quase que existe a saudade.
É no passado que já virou passado
Mas que insiste em ser presente.
É na memória insistente.
Que perfura a vontade.
E que nos deixa ausente, muito tarde.
Do verdadeiro tempo.
Que é o agora, o justamente agora.
Onde existem todas as possibilidades.
Todos os caminhos.
Todas as saudades, para aqueles que não souberam aproveitar,
O presente que a todos se dá,
A todo o momento,
Presente.

Felipe Ribeiro.

ps. Agradecimentos à mola propulsora de minha inspiração para este poema, Leon de Aguiar.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Por aquilo que me faz acordar todos os dias.

Ela sorri.
Não de si ou dos outros, ou para os outros ou para si.
Isso não importa, de fato o motivo é o que menos importa.
Para que motivo para a beleza, para o devir?
Sendo que são eles os que fazem a razão ficar torta,
Não reta,
Não justa,
Não certa.
Mas caminhando por caminhos suaves,
Caminhos de nuvens de possibilidades
De encantos e desencantos ultra-velozes!
O que faz a imaginação voar.
E com ela a liberdade, aquela de imaginar...
Aquela que só existe lá.
Nas noites escuras da alma para o homem de bem
Cansado, atarefado, estafado...
Que não procura seu ópio, não...
Essa liberdade não liberta, só prende na ilusão...
Mas sim que procura na imaginação constante
A criação vibrante
Ofegante, cintilante, nauseante!
Que o tira da degradação, da humilhação
E o torna senhor de si, dos seus sonhos
Da sua própria criação.
E se sua criação escoar para o sorriso dela.
Aquele sorriso singelo, bobo, sem motivação.
Então o mundo se tornará mais belo.
Aquele belo sem demarcação.
Aquela fissura entre o sim e o não
Entre os medos e as certezas mais inoportunas
Aquele que fala direto ao coração.


Felipe Ribeiro.