quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Constante e retilinio

Eu e meu empreguinho vagabundo... Tendo que sorrir com dores no fígado e uma puta artrite nas duas pernas... Servindo com carinho e atenção todos aqueles barrigudos nojentos e suados que almejavam uma refeição decente. Me gritaram e pediram para ir atender uma familia que acabara de chegar. Dei de ombros e fui. Para a minha surpresa era uma velha amiga minha... Estava bonita, corada e carregada de filhos. Seu marido eu nem notei, mas deveria ser bom de grana pra sustentar tres filhos e uma mulher futil.
-Boa noite... - entreguei os cardápios. Não me responderam, apenas um dos meninos, o que não parava quieto ficou repetindo com uma careta exagerada "boa noite, boa noite".
- Traga para mim uma cerveja. - Disse o patriarca.
- Traga para mim um suco de laranja com hortelã, Gabriel o que voce vai querer?- Perguntou a matriarca amiga minha que naquela altura nem havia reparado ainda em mim.
- Quero uma coca! - Disse o menino
- Joana, o que voce vai querer? - Perguntou a matriarca amiga minha que nem havia reparado no seu velho amigo que um dia lhe fodeu numa madrugada bebado.
- Quero um suco de morango com leite! - Disse a menina toda feliz e orgulhosa de seu péssimo gosto, se lichando para minha artrite e minha tristeza que crescia espontaneamente.
- E para o menino pode trazer uma guarana. - Disse a matriarca amiga minha de anos. Agora entendi o porque de o menino não parar quieto.. Guaraná!
- Mais alguma coisa? - Perguntei.
- Não só isso mesmo... - Disse a matriarca amiga minha me entregando o cardapio. Me olhou e parou subitamente.
- Felipe?!
- Oi, como vai?
- Felipe! Quanto tempo!
- É pois é...
- Como voce esta?
- Te servindo.. Tire suas conclusões.
- Voce esta... esta diferente!
- É.. voce também.
- Voce não tinha se formado?
- É.. e voce?
- Me formei e me casei, esse aqui é o Rafael, meu marido.
- É, to vendo, tudo bom?
- Sim, tudo.. Faz um favor pra mim, troca esse copo que esta sujo.
- Sim senhor.
- Tchau Felipe, bom serviço pra voce.
- Tchau.
Enfim, voltei e limpei o copo com minha saliva. Vendo aquela cena familiar me fez pensar seriamente em ligar pra casa da minha ex-mulher e perguntar sobre minha filhinha de oito anos. Acabado o expediente da noite voltei para minha casa que ficava num bairro de suburbio, nos fundos de uma casa pertencente a uma gorda velha e fumante. Abro a caixa de correios e nada, nem mesmo uma conta pra pagar. Entro em casa, abro uma janela pra disfarçar o mofo, vou até a geladeira e tiro um vinho gelado e meio vagabundo. Bebo no gargalo enquanto tiro meus sapatos e deito preguiçosamente na poltrona rasgada e velha do canto da sala que divide espaço com minha cama, fazendo uma parede imaginaria em um comodo que deveria ser dividio em sala e quarto. Pego o telefone e ligo para minha ex-mulher. Minha ex-sogra atende e diz que ela viajou com minha filha e um outro babaca que se diz padastro da minha filha. Desligo o telefone e acabo de beber o vinho, pensando em me demitir ou, quem sabe, me matar... A vida continua, de alguma forma, continua...



Felipe Ribeiro

Um comentário:

Unknown disse...

Eu me lembro dessa estória...