domingo, 29 de março de 2009

Mulher

Eu gosto da mulher.
Das pupilas puras
Dos suspiros que vier
Suas curvas nuas
Daquele cheiro suave, dormente.
Dos lugares frios.
Dos lugares quentes.
Da voz aflita.
Da voz carente.
Da voz que grita.
Do gemido.
Da barriga suada.
Da vontade de ser amada
E de tornar tudo um perigo.
Num sorriso.
Paraíso.
Paraliso.
Precipicio.
E no deleite nos arremessamos.
Morrendo na queda.
E por mais que esperamos.
Vivemos por ela.
Para ela.
Somente nela, em suma.
Toda ela.
O jeito de andar
Respirar
Falar
beijar
gritar.
Indiferentemente.
Ai esta.
Vida de repente.

Felipe Ribeiro

sábado, 28 de março de 2009

Como perder um amigo e ganhar a paz.

-Qual a sua opinião a respeito da atual conjuntura política dos EUA?
-Oh meu... vá se foder!
-Cara, você não lê os jornais?
-Porra... lá vamos nós de novo...
-Cara, é importante sabermos o que acontece no mundo, não? Onde está o seu engajamento político?
-Tá aqui ó... - Mostro-lhe o copo de cerveja.
-Cara... Enfim... Bom...
-Vamos lá, se esforce mais... Você sabe que pode ser melhor que isso...
-Como assim?
-Cara, aprenda a conversar com as pessoas... Isso que você está tentando comigo é papo furado, e você sabe disso. Pra que alimentar conversas vazias que não vão fazer a menor diferença para o mundo?
-Vazias? Acha que eu sou vazio?
-Mas é claro que acho.
-Com que autoridade você fala isso?
-Com a autoridade do meu saco que está prestes a explodir.
-Você é uma pessoa muito incoviniente... Você vive bebendo, vive calado, vive cagando pro que há de errado no mundo!
-Opa, com que autoridade você fala isso?
-Eu, não sei se você sabe, dou aula em um cursinho alternativo e filantrópico! Conheço as pessoas carentes que vão lá para melhorar a própria perspectiva de vida e...
-Meus parabéns. Pessoas carentes né, tá bom... Agora tenta me responder a pergunta que te fiz, não jogue na minha cara que você conhece a desgraça do mundo porque você não conhece.
-Eu tento mudar as coisas! E você, conhece a desgraça do mundo?
-Tenta o caralho! Você só tenta se enganar, só procura varrer a sua própria sujeira pra debaixo de uma aparência de bom samaritano, você é um filho da puta! Usa discursos humanísticos, bons discursos para tentar preencher a vida fútil e inútil que você vive constantemente. E já basta conhecer pessoas como você pra dizer que sim, conheço a desgraça do mundo. Você fede, cai fora da minha frente.
-O que?!
-Voce é uma anta... Cai fora da minhas vistas.
-Repete! Repete seu filho da puta!
-Vo-cê é uma an-ta...Cai fora das minhas vistas.
-Eu não vou brigar com você... Não compensa sujar minhas mãos.
-Tá bom, faça como quiser.
Passou-se um tempo, chegou outro amigo meu e começou:
-Cara... Vocês brigaram mesmo?
-Não.
-Então porque ele vive falando mal de você pelas costas?
-Porque ele se sentiu ofendido, porque ele tem espinha na bunda, porque a mãe dele é uma puta, porque o cachorro dele é um viado, porque a namorada dele o chamou pelo nome do ex... Enfim, vai saber. Todos nós avolumamos nossos problemas de uma maneira tão imbecil que o problema de um dirigente de estado pode parecer uma conversa produtiva, uma fuga necessária para liquidarmos com a nossa improdutiva maneira de nos portarmos perante nossos problemas pequenos e inúteis...
-O que?
-Nada... Pega um copo.

Felipe Ribeiro.

sexta-feira, 27 de março de 2009

No escuro da tarde.

Não consigo tirar os olhos da parede.
Sei que ao seu lado tem uma janela.
E fora da janela há uma vista.
E eu fujo dela.
Estou em frangalhos.
Nem meu vício me reanima.
Perdi a teia dos fatos.
Estou a deriva.
E lá fora esta a vista.
Pessimista ou otimista.
Esta lá fora.
Converso com meus medos de outrora.
Eles me definham cada vez mais.
E não posso ter acesso ao que sou capaz.
Pois já me esqueci do que era.
Já me esqueci do que fui.
E do que me faz.
Talvez nunca me vi.
Talvez nunca escolhi.
Talvez sempre fiquei a deriva.
Desse grande fluxo da loucura.
Do amor, da paz, da ira.
Coisas que nunca estive a procura.
Ou que talvez já tive contato e perdi.
Perdi na memória do fato.
No ato, no contato, no obstáculo.


Felipe Ribeiro

domingo, 22 de março de 2009

A fronteira.

O que me limita não é o querer...
Esse sempre ultrapassa as barreiras
Como um fantasma ultrapassa a parede.
O que me limita é o poder...
Esse sim menor que as fronteiras...
As fronteiras do mundo, da rede dos sonhos.
Dos tão necessários sonhos...
Que adoçam o fel do murmúrio...
Que nos dá voz quando silenciamos
Que nos dá força quando precisamos
E ação quando paramos.
A prisão do mundo se desmancha no sorriso.
A visão do Todo se esparrama no aflito.
E tudo que nos cerca se refaz quando pairamos na sujeira.
Ha sonhos tão reais que duvidamos que o sejam.
E eles estão ai, o tempo todo, nos confundindo.
Nos fazendo sofrer pelo prazer do pranto.
Nos fazendo crer que há encanto.
E esse é tão real quanto nosso próprio sonho.
Por mais que ele o seja banal.
Ha momentos que, expelindo...
Ele se torna carne, dentes...
Febre e sorriso.

Felipe Ribeiro

quinta-feira, 19 de março de 2009

O Balde.

A corda estava esticada ao máximo.
E na ponta alguém empurrava a manivela.
Fez-se um estrondo.
E o choro da corda sendo enrolada aumentava a esperança.
Por fim o balde trazia apenas poeira.
Não havia naquele buraco água.
E todos sabiam disso.
Mas no entanto alguém ousou empurrar a manivela.
Alguém ousou fazer chorar a corda.
Alguém ousou fazer o estrondo.
Alguém ousou tirar o balde.
Alguém ousou tirar-lhe a poeira.
E amarrá-lo em outra corda.
Jogá-lo em outro buraco.
E puxar água.
O balde era o mesmo que outrora carregava poeira.
Só estava no fundo do poço seco.
Esperando para ser puxado
E usado naquilo que fora feito para fazer.
As coisas inanimadas dependem da escolha alheia...
Para se tornarem úteis e animadas, meio vivas.
Esses seres meio vivos ajudam os vivos inteiros.
Mas os vivos inteiros nem sempre ajudam seus semelhantes.
Talvez dependam de escolhas alheias ainda
Para se tornarem úteis, animados...
E deixarem de ser meio mortos...
Ou tão menos vivos do que um morto inteiro.


Felipe Ribeiro

terça-feira, 17 de março de 2009

Ligeira Esperança.

Há em todos uma vontade.
Há em todos um querer maior que as forças.
Há nisso tudo uma ligeira esperança.
E é nela a quem todos confiam.
E é nela a quem todos se agarram.
Há nas manhãs a melancolia do açoite.
Há nas tardes a melancolia do relógio.
Há nas noites o desespero do açoite da manhã.
E nos agarramos mais ainda na ligeira esperança.
O mar de tolices que quase engolem a ilha da razão.
A montanha de tolices que tampam o sol da ilusão.
E vivemos na sombra de nossos medos.
E todos os nossos medos são nossos sonhos mais profundos.
Ligeira esperança...
Está dentro de nossas mãos fechadas...
E nossas mãos não se abrem, estão congeladas.
Paralisadas, enterradas no gelo seco da vergonha.
Da vergonha de ter sonho.
Da vergonha de ter medo.
E da própria vergonha de ter vergonha.
Há em todos nós a vontade...
E a vontade de ter vontade própria.


Felipe Ribeiro

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ao bêbado.

Ele tinha os olhos apertados
Pequenos, como se vissem luz
O tempo todo.
Ele balançava pra frente e pra trás
Quando ficava parado
E ao andar parecia uma garça
Com o S de suas costas.
Sempre que era chamado
Sorria sem mostrar os dentes
E seus olhos quase se fechavam.
Rugas corriam pelo pescoço vermelho
E quando sorria mostrava rugas profundas.
Vestia a mesma roupa durante semanas
Meses quem sabe.
Um fedor acre, ardido
Misturado a um forte cheiro de alcool
O preenchia por inteiro.
Suas mãos inchadas, suas unhas pretas
seus pés imundos
Seus chinelos gastos
Tudo nele fedia a isso.
E quando o chamavam ria sem mostrar os dentes.
Nunca consegui entende-lo.
Só ria quando chamado.
Talvez ele ainda ria por saber que ainda não desaparecera de vez.
Pode ser, pode não ser, nunca se sabe.
Nem nunca ninguém perguntou o porque de seu sorriso.
Nem nunca perguntarão.
Pra que?
Deixe estar rindo enquanto se lembra o que é sorrir.
Enquanto isso ele fica parado, como pode.
Nem pra frente, nem pra trás.
Mas sim hora pra frente, hora pra trás.
O que esta em torno, não importa.


Felipe Ribeiro

sábado, 14 de março de 2009

Sobre o que quer que seja.

Haviam as moscas e, claro, seus zumbidos. Havia também o calor e, claro, um sol de rachar. Havia também a preguiça e, claro, a casa desarumada. Havia o suor e, claro, o fedor. Não havia mais nada apesar de tudo. E, apesar de tudo, não havia mais nada. Tanto faz. Os pensamentos apenas rastejavam. O tempo virava pó. Bom, isso não é lá uma novidade, na verdade nem mesmo a escolha que eu tinha feito era uma novidade. E, na verdade, nem tinha escolhido nada, ou, quem é que pode saber, havia apenas escolhido pelo nada. O fato é que não sei porque havia ali um leve cheiro de novo. Ouvi o chuveiro. Taí uma novidade. Escutei uma voz feminina cantando alegremente enquanto eu me esforçava para lembrar quem é que estava usando o meu chuveiro. Não me veio nada na mente, o que não era novidade. O jeito era esperar a surpresa. A porta do quarto se abriu e me aproxima uma jovem com cabelos encaracolados, ruivos, com seus grandes olhos negros e curiosos e seu belo sorriso aperolado. Magra e branca como a porcelana da minha privada. De fato, foi uma visão agradável. Desagradável foi eu não ter me lembrado dela. Ela tira a toalha que enrolava seu corpo e, muito naturalmente, começa a falar comigo enquanto se vestia:
-Sabe, fazia um tempo que não acordava de manhã... Na verdade, nunca acordei tão bem quanto hoje... A festa ontem foi muito pra mim, nossa, bebi horrores! Eu realmente tenho que parar com isso... Falar nisso, muito obrigada por ter cuidado de mim. Ahh, estamos quites, eu cuidei de você também, direitinho.... ahahahaha. Você parece um menininho Felipe... Não, claro, não fisicamente falando, mas, sei lá... você chorou ontem, não se lembra? Bom, na verdade, nós choramos... Daí depois, bom, daí depois... ahhh você sabe... Obrigada... Felipe? Felipe, tudo bem?
-É... sim, sim, to bem sim...
-Desculpe, to falando muito e de manhã a gente precisa é de paz... - Veio e se deitou junto a mim.
-É... paz...
-Você sempre fala pouco assim pelas manhãs?
-É... sempre.
-Você é engraçado... Vou fazer o café, posso?
-Vá em frente, vou tomar um banho.
A água descia fria. Aquilo não poderia ser real. Me esforcei ao máximo para me lembrar da noite anterior. A julgar pela minha ereção e pelo cheiro de xampu feminino que estava grudado em meu peito e que impregnava meu nariz poderia jurar que eu transei com aquela moça e que ela passou a noite deitada sobre mim. Bom, foi só uma suposição, o que mais me apavorava era o fato de eu não saber o nome daquela moça por quem eu jurava estar na eminencia de me apaixonar. Bom, até ai tudo certo, é assim na maioria das vezes quando nos apaixonamos: Não sabemos nada a respeito da pessoa. Deve ser por isso que é tão bom. Tomamos o café, ela continuava a falar, falar, falar e falar. Eu continuava a não entendê-la e a não entender o que se passava em mim. Admirava-a aos poucos. Então ela beijou a minha testa e foi embora. Acabei meu café sozinho. Havia ali a dúvida e, claro, a angústia. Havia também o alivio e, claro, um pouco de paz. Havia também, de certa maneira, a certeza de que vivi uma coisa boa, mesmo não me lembrando de nada, e, claro, a sensação de que deveria fazer algo para que aquilo perdurasse. Corri atrás da ruiva antes de ela chegar na rua. Já estava em seu carro, corri e bati no vidro. Ela riu pois eu estava de cuecas. Enfim, pedi seu telefone, ela me passou o número e eu liguei no outro dia.


Felipe Ribeiro

sexta-feira, 13 de março de 2009

Do desperdício nosso de cada dia.

Ela fazia de um tudo pra não ser enxergada. Ele por sua vez, não ficava atrás. Ambos ali ficavam calados, parados, esperando a chuva do lado de fora da janela ou algum barulho para puxar, quem sabe, algum assunto. Assim descobriram que só havia o tédio, como se soubessem que o mundo não mais mudasse naquele momento. E, nessas circunstancias, ambos assumiam o compromisso de não esperarem mais nada um do outro, nem mesmo de si mesmos. Bebiam prostrados, de frente um para o outro. Ela com seu cigarro, ele com seu copo de plástico sujo de vinho barato. Ai veio o olhar, logo em seguida as sombrancelhas dele ergueram-se como se disessem "então, é isso?". Ela deu um leve sorriso e uma leve balançada de cabeça como se afirmando "Sim, é isso." Ele então deu de ombros, concordando com aquilo tudo. Ela virou o olhar para o lado, para a parede, para o nada, esperando ele olhar para outra coisa. E assim o fez. E assim acabou-se a noite, a oportunidade, a mudança, a possivel catástofre ou, quem sabe, o milagre que eles tanto procuravam um para o outro.

Felipe Ribeiro

quarta-feira, 11 de março de 2009

Casca Oca.

Eu sou uma casca oca
Movida pelo faro
E pela intensa vontade
De agarrar a própria alma.
Eu sou uma casca oca
Que só consegue agarrar a sombra
De seu sonho mais real.
E a alma fica sempre a frente
De mãos dadas a minha paz
E eu nunca as alcanço.
Eu sou uma casca oca.
Movida pelo suspiro.
Pela simples curiosidade
De querer sentir o gosto
Da minha força.
E ela estará lá, sempre a frente
De mãos dadas com a minha paz e a minha alma.
Sempre me chamando
Sempre correndo
Mas sempre deixando os rastros
Que chamo de esperança.

Felipe Ribeiro

sexta-feira, 6 de março de 2009

A sentença.

Andei brincando com a minha dignidade.
Tiro ao alvo.
Acertei-a bem na testa.
Do sangue que jorrou só restou a casca.
Seca, preta, fétida.
E da crosta veio o nada.
Cheio de cor, som, sabor...
Cheio de amor, surpresa, encanto
E tédio.
Tédio em cima de uma casaca vermelha.
Com pequenas bolinhas verdes.
E de longe se ouvia uma gargalhada,
Feminina, hedionda e satânica.
E de perto se via as luzes em redor
Se movendo pra lá, pra cá...
Me deixando cada vez mais tonto.
Não havia nada ao que se agarrar,
Estava consumado, todas as luzes,
Todos os sons, todos os cheiros.
Da crosta surgiu o nada
Carregado de cores, de amores
De feições rídiculas, vazias.
E de longe, só de longe.
Se via o que escapava.
E era quase que tudo
Dentro de um vento, de um ventre.
Estava mudo.
Nem mais gritar poderia.
E logo a garganta acumulou o susurro.
E o fundo veio como uma pedrada.
Da crosta fria e dura, quebradiça.
Surgiu o nada.
E do nada, veio a mim o fundo.
E o fundo veio como uma pedrada.
Bem dada.
No mundo.



Felipe Ribeiro

domingo, 1 de março de 2009

Conversas para boi dormir (parte 3)

-Veja, a vida não é assim. - Me disse o garoto. -Meu! Vamos lá, me diga o que é então!-Perguntei, deveras entusiasmado. -Você tem que viever o momento, sabe? -Sei! -Você tem que deixar as coisas virem, ter fé no seu taco! -Sei! -E é assim que as coisas funcionam. -É? -Sim... se não for assim, cara, não funciona! Agradeci pelas dicas. Tenho tentado colocar em prática o contrário para ver se de fato funciona. E vejam só, funciona perfeitamente. O que me leva a constatação de que, de fato, essa fórmula deva funcionar bem. Felipe Ribeiro.