sábado, 14 de março de 2009

Sobre o que quer que seja.

Haviam as moscas e, claro, seus zumbidos. Havia também o calor e, claro, um sol de rachar. Havia também a preguiça e, claro, a casa desarumada. Havia o suor e, claro, o fedor. Não havia mais nada apesar de tudo. E, apesar de tudo, não havia mais nada. Tanto faz. Os pensamentos apenas rastejavam. O tempo virava pó. Bom, isso não é lá uma novidade, na verdade nem mesmo a escolha que eu tinha feito era uma novidade. E, na verdade, nem tinha escolhido nada, ou, quem é que pode saber, havia apenas escolhido pelo nada. O fato é que não sei porque havia ali um leve cheiro de novo. Ouvi o chuveiro. Taí uma novidade. Escutei uma voz feminina cantando alegremente enquanto eu me esforçava para lembrar quem é que estava usando o meu chuveiro. Não me veio nada na mente, o que não era novidade. O jeito era esperar a surpresa. A porta do quarto se abriu e me aproxima uma jovem com cabelos encaracolados, ruivos, com seus grandes olhos negros e curiosos e seu belo sorriso aperolado. Magra e branca como a porcelana da minha privada. De fato, foi uma visão agradável. Desagradável foi eu não ter me lembrado dela. Ela tira a toalha que enrolava seu corpo e, muito naturalmente, começa a falar comigo enquanto se vestia:
-Sabe, fazia um tempo que não acordava de manhã... Na verdade, nunca acordei tão bem quanto hoje... A festa ontem foi muito pra mim, nossa, bebi horrores! Eu realmente tenho que parar com isso... Falar nisso, muito obrigada por ter cuidado de mim. Ahh, estamos quites, eu cuidei de você também, direitinho.... ahahahaha. Você parece um menininho Felipe... Não, claro, não fisicamente falando, mas, sei lá... você chorou ontem, não se lembra? Bom, na verdade, nós choramos... Daí depois, bom, daí depois... ahhh você sabe... Obrigada... Felipe? Felipe, tudo bem?
-É... sim, sim, to bem sim...
-Desculpe, to falando muito e de manhã a gente precisa é de paz... - Veio e se deitou junto a mim.
-É... paz...
-Você sempre fala pouco assim pelas manhãs?
-É... sempre.
-Você é engraçado... Vou fazer o café, posso?
-Vá em frente, vou tomar um banho.
A água descia fria. Aquilo não poderia ser real. Me esforcei ao máximo para me lembrar da noite anterior. A julgar pela minha ereção e pelo cheiro de xampu feminino que estava grudado em meu peito e que impregnava meu nariz poderia jurar que eu transei com aquela moça e que ela passou a noite deitada sobre mim. Bom, foi só uma suposição, o que mais me apavorava era o fato de eu não saber o nome daquela moça por quem eu jurava estar na eminencia de me apaixonar. Bom, até ai tudo certo, é assim na maioria das vezes quando nos apaixonamos: Não sabemos nada a respeito da pessoa. Deve ser por isso que é tão bom. Tomamos o café, ela continuava a falar, falar, falar e falar. Eu continuava a não entendê-la e a não entender o que se passava em mim. Admirava-a aos poucos. Então ela beijou a minha testa e foi embora. Acabei meu café sozinho. Havia ali a dúvida e, claro, a angústia. Havia também o alivio e, claro, um pouco de paz. Havia também, de certa maneira, a certeza de que vivi uma coisa boa, mesmo não me lembrando de nada, e, claro, a sensação de que deveria fazer algo para que aquilo perdurasse. Corri atrás da ruiva antes de ela chegar na rua. Já estava em seu carro, corri e bati no vidro. Ela riu pois eu estava de cuecas. Enfim, pedi seu telefone, ela me passou o número e eu liguei no outro dia.


Felipe Ribeiro

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